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Dignidade menstrual não é uma simples questão de escolha entre pessoas mais pobres de Sergipe

Para grande parte da população o simples gesto de comprar um absorvente é uma realidade distante

Por Lílian Dias

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Sem dúvidas, crescer dói; nascer proviniente do sexo feminino em uma sociedade que impõem problemas e obstáculos diariamente também dói, e isso é incontestável. Quando criança é tudo bem mais fácil. Frequentemente, quando meninas ou meninos ralam os joelhos, a mamãe vai estar a disposição para limpar o sangue que escorre da perna e dar um beijinho acompanhado da frase “você é forte, vai passar logo”. No entanto, quando se trata do sangue que escorre entre as pernas por questões hormonais, e a mamãe não tem dinheiro para comprar um simples pacote de absorvente, muitas perguntas surgem, entre elas: o que fazer ? Como lidar com toda pressão psicológica e dores que acompanham a primeira menarca (menstruação) e, ainda assim, ter que lidar com problemas reais de ser uma mulher ou homem que menstrua em uma sociedade machista e preconceituosa? Ser forte já não é o suficiente quando se trata de dignidade menstrual!

Falar sobre menstruação não é algo comum, os tabus enraizados dificultam o debate e prosperam para o aumento da pobreza menstrual. Quando eventualmente a sociedade se refere às pessoas que menstruam, não se trata somente de meninas, mas também meninos que não se identificam com o sexo feminino, entre 12 a 17 anos, e que sofrem mensalmente com problemas relacionados à menstruação. Apesar da desigualdade social ser um fator primordial para o crescimento da pobreza menstrual, pouco se discute sobre o que de fato é, e as consequências que o problema pode ocasionar na rotina dessas e desses jovens em todo o mundo. A pobreza menstrual não está somente relacionada à falta de recursos financeiros para a aquisição de produtos de higiene menstrual, mas também à falta de infraestrutura de saneamento básico, falta de acesso a medicamentos que aliviam a dor no período menstrual e conhecimento para lidar e prevenir doenças relacionadas ao problema.

Segundo dados levantados pelo Instituto de Pesquisa Locomotiva, em parceria com a marca de absorventes Always, entre as 1.016 mulheres entrevistadas, cerca de 52%, ou seja, 528 pessoas já passaram por situação de pobreza menstrual. Além disso, os dados ainda apontam que cerca de 35% afirmam que o valor da compra de itens relacionados ao período menstrual pesa na sua renda familiar. O absorvente é caracterizado como um item de luxo devido ao seu alto custo econômico, em outras palavras, para compreender o gasto mensal com produtos de higiene menstrual é preciso estar ciente que o fluxo menstrual varia entre quatro a oito dias, sendo necessário trocar de absorvente a cada quatro horas.

Desse modo, em uma situação de fluxo menstrual normal de seis dias são utilizados em média cerca quatro pacotes de absorventes externos contendo oito unidades cada. Esses pacotes custam, em média, entre R$ 4,00 a 7,00 dependendo da marca e da localidade, o que significa que o gasto mensal varia em torno de R$ 28,00 durante o período menstrual. Outros tipos de absorventes que circulam no mercado têm preços mais elevados, a exemplo dos absorventes internos que custam em média R$10,00 e do coletor menstrual que varia entre R$ 70,00 - R$90 reais.

A falta da manutenção de higiene menstrual básica pode acarretar diversas doenças para essas pessoas. Entre as que causam um maior número de internações hospitalares está a infeção na pelve, pelviperitonite aguda e crônica, parametrite e celulite pelvicas. Além disso, a rotina afetada pela chegada da menstruação aumenta o número de evasão escolar, o que resulta em períodos em que meninas e meninos deixam de ir para a escola pelo fato de não ter o acesso aos itens para conter o sangramento.

Programas De Preven O

Campanhas e projetos que visam combater o problema estão cada vez ganhando mais força. Esse ano o Governo Federal lançou o projeto de distribuição gratuita de absorventes pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Nomeado de “Programa e Promoção da Dignidade Menstrual”, o projeto visa atender 8 milhões de pessoas que estão abaixo da linha da pobreza em todo o território brasileiro. Com previsão de investimento inicial de 408 milhões por ano, o projeto seguirá os mesmos critérios do bolsa família e incluirá estudantes de baixa renda de escolas públicas, pessoas que cumprem medidas socioeducativas ou em situação de liberdade privada e pessoas em situação de vulnerabilidade social extrema. No ano de 2020, em Sergipe, projetos já vinham sendo debatidos inter-

Lílian Dias

da assembleia legislativa para a implantação do projeto dentro do estado que até os dias atuais não foi aprovado. Para ela, a menstruação é biológica, todos os meses há uma necessidade e se existe essa necessidade é uma obrigação do Estado atendê-la, mas essa obrigação não está sendo realizada.

Embora seu projeto ainda não tenha sido aprovado, Lenice conseguiu algo que poucos diriam que era possível para uma simples estudante. Por meio dos contatos que a ONU Mulheres proporcionou, entrou em contato com a empresária Luiza Trajano, dona da rede Magazine Luiza, e conseguiu a doação única de 400 caixas absorventes que totalizaram cerca de 192 mil unidades do item para serem distribuídas em 10 escolas públicas da capital. Segundo ela, houve um grande processo para atender as escolas que apresentavam maior índice de pobreza menstrual.

namente. A estudante Lenice Ramos de Oliveira, junto com colegas do Centro de Excelência Atheneu Sergipense em Aracaju, criaram o projeto de lei “Absorvente é Direito” que visa combater a pobreza menstrual nas escolas públicas. O documento foi pré-selecionado na etapa Estadual do Parlamento Jovem Brasileiro, alcançando o 2° lugar na etapa nacional.

Devido ao ONU Mulheres, um modelo de simulação da Organização das Nações Unidas do Atheneu, que visa debater pautas de cunho social, surgiu a oportunidade de participar do parlamento jovem Brasileiro. Sua PL foi escrita inicialmente direcionada à situação de mulheres em cárcere, no entanto, com a grande repercussão dentro do estado, seria mais viável para o Governo a criação de um projeto que visa-se combater a pobreza menstrual nas escolas públicas. Desse modo, após a sugestão e em comum acordo com o Governo vigente da época, Lenice escreveu uma nova PL direcionada para meninas de escola pública.

Sua PL foi escrita inicialmente direcionada à situação de mulheres em cárcere, no entanto, com a grande repercussão dentro do estado, seria mais viável para o Governo a criação de um projeto que visa-se combater a pobreza menstrual nas escolas públicas. Desse modo, após a sugestão e em comum acordo com o Governo vigente da época, Lenice escreveu uma nova PL direcionada para meninas de escola pública.

Por ser estudante de escola pública, atendeu o pedido e se aprofundou cada vez mais na causa. A jovem afirma que o assunto se trata de uma denúncia global que atinge não só a pauta de absorventes, mas também a pauta de dignidade íntima. A partir disso, conseguiu uma reunião com o presidente

Em 2021, a Prefeitura Municipal de Aracaju divulgou a criação do projeto Florir. Esse projeto visa a distribuição de absorventes em todas as escolas da rede de ensino municipal da capital que ofertam o Ensino Fundamental e Educação de jovens e adultos (EJA). Os absorventes são distribuídos mensalmente e, durante o período de férias, o projeto prevê a distribuição de dois pacotes por estudante. Segundo a Secretaria Municipal da Educação, o projeto atende pessoas que menstruam e que estão cadastradas no Cadastro Único (CadÚnico), desde que estejam com matrículas regulares e sejam frequentes nas escolas municipais.

Acervo do colégio Atheneu