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Brasil é o país mais ansioso do mundo e o mais depressivo da América Latina, indicam pesquisas

São 970 milhões de pessoas acometidas por transtornos mentais e as mulheres são maioria nesses números, com isso, a procura por ansiolíticos e antidepressivos dobrou no país nos últimos anos.

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Por Mylena Duarte

OBrasil é o país mais ansioso do mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), e o mais depressivo da América Latina, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde. Dados da OMS indicam que cerca de 970 milhões de pessoas no mundo vivem com algum transtorno mental, sendo ansiedade e depressão os mais comuns , e as mulheres aparecem como maioria nesses dados. A Pesquisa Vigitel, realizada pelo Ministério da Saúde em 2021, indica que a taxa de depressão entre mulheres em Aracaju é de 14,36%, enquanto entre os homens é de 6,56%. Além disso, muitas pessoas sofrem com a falta de acesso a atendimento de saúde profissional qualificada e com os estigmas e preconceitos da sociedade em relação a esses transtornos.

A procura por medicamentos para tratamento de ansiedade, depressão e insônia também é alta. O Conselho Federal de Farmácia aponta que as vendas cresceram 58% no país, entre 2017 e 2021, muito disso como consequência da dificuldades trazidas pela pandemia de Covid-19, como isolamento social e desemprego. Em 2020, Sergipe chegou a ocupar o 3° lugar de estados do país com o maior índice de desocupação, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Ana*, que tem 21 anos, faz parte dessas 970 milhões de pessoas que convivem com os sintomas de transtornos mentaisb diariamente. Desde a infância lidava com crises de pânico e ansiedade, por isso, para ela era normal passar mal um dia antes da apresentação de um trabalho escolar, por exemplo, ou ter crises com outras situações cotidianas.

“Só quando fiz 17 anos que eu vi que algo estava errado, sabe? Lembro que todas as vezes que fiz o Enem, tomei calmante pra não ter crise na hora da prova. Infelizmente quando eu fiz no meu 3º ano, acabei não conseguindo fazer a inscrição no Sisu por causa das crises. Enfim, só aos 20 que eu decidi procurar ajuda após uma tentativa de suicídio. Minha família me levou ao psiquiatra e depois comecei o acompanhamento com ele e a psicóloga”, conta ela.

Pedro*, de 21 anos, sempre sofreu com os transtornos, assim como Ana*, mas se deu conta do diagnóstico apenas em 2020. Após o término de um relacionamento, as crises de pânico e ansiedade se intensificaram, houve uma tentativa de suícidio e ele percebeu que precisava da ajuda de um profissional. “Foi algo que sempre me acompanhou, mas eu não fazia ideia”, conta.

Ansiedade E Depress O

Segundo Fellipe Campos, psiquiatra e professor de Psiquiatria e Saúde Mental do Departamento de Medicina da Universidade Federal de Sergipe, existem muitas razões que podem levar alguém a desenvolver um quadro de ansiedade, como fatores genéticos e externos a exemplo de: demandas individuais, acadêmicas, financeiras, dificuldades de ambientes como estresse relacionado ao trabalho, estudo e violência urbana, além de questões individuais e familiares.

A OMS aponta como alguns dos sintomas mais comuns de depressão a tristeza, perda de interesse e prazer, sentimento de culpa ou baixa auto-estima, distúrbios do sono ou apetite, sensação de cansaço e perda de concentração.

Já os sintomas de ansiedade são caracterizados pelo medo e preocupação excessivos e persistentes em situações cotidianas, que podem ser acompanhados ou não de aumento da frequência cardíaca, fadiga, suor excessivo, inquietação, entre outros.

Campos esclarece que os altos índices desses transtornos no Brasil podem ser consequência tanto do aumento de casos em si, quanto do aumento da capacidade de diagnóstico, uma vez que os os quadros estão sendo melhor avaliados por profissionais de saúde, e pelo aumento da busca de avaliação de saúde mental.

E enfatiza que os dados atuais refletem a realidade de que brasileiros mais estão expostos a fatores externos que favorecem o aumento dos números, “Querendo ou não o Brasil é um país com um nível de estresse de trabalho, estresse individual, familiar, o estresses sociais… é um país muito plural em termos de estressores ambientais que infelizmente aumentam o risco no Brasil especificamente” disse ele.

Ele explica ainda que os dois transtornos são diferentes, mas possuem algumas semelhanças na parte genética e fisiopatológica, tanto que um pode se dar como consequência do outro. Uma pessoa com quadro depressivo pode apresentar crises de ansiedade, assim como um quadro de ansiedade pode piorar progressivamente e, se não for tratado adequadamente, pode levar a um desfecho desfavorável de depressão.

MULHERES MAIS DEPRESSIVAS?

Apesar dos dados sobre esses quadros serem alarmantes em todo o mundo, as mulheres aparecem como maioria nos indicadores mundiais da OMS. Campos nos dá algumas perspectivas para compreender melhor as causas disso.

A primeira se refere a uma questão social, uma vez que as mulheres, historicamente, têm um comportamento mais reprimido e são mais “cobradas” do que os homens. Adriana Carvalho, doutora em Farmacologia, docente do Departamento de Farmácia da UFS e terapeuta holística, fala que durante a pandemia recebeu muitas mulheres nas sessões de terapia holística que relataram terem tido a sua carga horária triplicada, uma vez que, culturalmente, são as responsáveis por todo o trabalho da casa, filhos, alimentação e ainda precisavam conciliar com as suas vidas profissionais e todos os medos que existiam no período pandêmico. Essa união de fatores as deixou sobrecarregadas e mais suscetíveis a quadros de depressão e ansiedade. Além disso, Campos indica que as mulheres são vítimas de violência com danos mais irreversíveis e mais difíceis de reparo tanto na questão emocional, quanto física, quanto socioeconômica e isso pode ser um fator causador.

A segunda está relacionada à parte biológica, em que pode haver alguma vulnerabilidade no desenvolvimento sexual da mulher, ocasionada pelo despertar dos hormônios femininos. Essa flutuação hormonal natural das mulheres seria um fator de risco que as torna mais suscetíveis a desenvolverem um quadro de depressão e/ou ansiedade.

O psiquiatra destaca que na área de psiquiatria infantil a prevalência desses transtornos é semelhante entre meninos e meninas, no entanto, ao entrarem na adolescência, as meninas começam a ficar mais deprimidas, fato que se estende até a vida adulta. Ele salienta ainda a possibilidade de haver algum fator protetor no hormônio masculino.

Thainá Souza, é fisioterapeuta, mestranda do Departamento de Fisiologia da UFS e pesquisadora da saúde da mulher, ela explica que a flutuação hormonal é natural do ciclo menstrual feminino e podem alterar as emoções no decorrer do ciclo, a mulher pode ficar mais irritada e mais emotiva, dependendo da fase, no entanto, “não se pode afirmar que os hormônios são causadores dessas doenças, mas eles podem estar envolvidos em um contexto que envolve também outros fatores”, disse.

Além disso, a diminuição na produção desses hormonios no período da menopausa também pode se somar aos fatores externos e interferir em algumas questões emocionais mas, essas mudanças por si só não são causadoras de depressão ou ansiedade. A terceira perspectiva parte da ideia de que a mulher busca mais o cuidado clínico do que os homens. O psiquiatra afirma que isso está relacionado às pressões culturais, em que os homens tendem a cuidar menos da saúde física e mental, pois precisam demonstrar a chamada “força masculina”. Campos alerta ainda que “a importância de se autoavaliar, se cuidar e buscar ajuda tem que ser estimulada em ambos os casos, tanto para homens quanto para mulheres”.

OS MEDICAMENTOS AJUDAM?

A farmacêutica Adriana Carvalho explica que os psicofármacos são um grupo de substâncias que tem uma ação química no cérebro e agem no Sistema Nervoso Central (SNC), sendo úteis no tratamento de alguns transtornos, como ansiedade e depressão. Ela esclarece ainda que a resposta dessas substâncias pode variar de acordo com a pessoa e com a dosagem utilizada, e alerta para a necessidade de acompanhamento profissional para evitar superdosagem e reações adversas (como alteração de memória, dependência, sonolência e até alucinações). Carvalho acrescenta que o uso dessa classe de medicamentos não fica restrito a esses transtornos, também sendo utilizadas, por exemplo, para tratar dores causadas por fibromialgia.

Atualmente, a principal classe da primeira linha para tratamento dos dois transtornos são os inibidores da recaptação de serotonina, que impedem que a serotonina que circula no cérebro seja armazenada de volta sem ser reutilizada, o que deixa a substância mais tempo disponível para ser utilizada no cérebro, explica Campos.

A serotonina é um dos neurotransmissores responsáveis por funções como a regulação do humor, sono, apetite, dentre outras, dessa forma, a falta dela pode ser uma das causas de quadros depressivos e de ansiedade, mas não é a única. O psiquiatra explica que os motivos estão relacionados a desregulações de vários outros neurotransmissores e não somente à falta de um.

Ele esclarece ainda que, antigamen- te, os benzodiazepínicos - uma classe de medicamentos que agem principalmente na redução da ansiedade, agressão, na sedação e indução ao sono, e como anticonvulsivante - eram o “carro-chefe” para os tratamentos dos transtornos, mas, por carregarem um grande risco de dependência química se forem utilizados de modo abusivo, hoje são usados apenas como um “S.O.S.”, em casos de fortes crises. “Por isso a prescrição desse tipo de medicamento é mais complexa e necessita de mais cautela, esse é o lado ruim desse tipo de medicamento. Mas eles são eficazes para um suporte emergencial”, afirmou o psiquiatra.

Apesar dos riscos, muitas pessoas ainda fazem o uso indevido desses medicamentos: aumentam a dosagem, pegam o remédio com algum amigo ou familiar, vão em mais de um médico para ter mais de uma receita, dentre outros.

Ana conta que aos 15 anos começou a tomar fitoterápicos – medicamentos à base de plantas que possuem alguma ação terapêutica, neste caso, no tratamento da ansiedade. “Eles não faziam muito efeito. Chegava a tomar 4 por dia para tentar controlar a ansiedade. Aí uma amiga disse que tomava um benzodiazepínico e eu pedia emprestado para ela quando os mais leves não resolviam”, conta Ana*.

Campos alerta que o uso contínuo desses medicamentos sem orientação médica pode causar menos eficácia e mais abstinência. A busca constante do aumento de dose e o uso irregular e desenfreado dos remédios, depois de um tempo, elevam os riscos de quedas, desmaio, bagunça no quadro do sono e pode até levar a um aumento nos quadros de depressão e ansiedade, por não existir um controle adequado na administração desses remédios.

Pedro* diz que seu primeiro contato com remédios foi por meio de uma vizinha que fazia uso de benzodiazepínicos e tentava ajudá-lo durante as crises. Mas mesmo com o acompanhamento profissional, ele conta que já tomou de maneira descontrolada diversas vezes e já teve sintomas de abstinência por usar de maneira irregular. “Eu criei dependência dos remédios, então se eu ficasse dois dias sem tomar meu corpo começava a suar frio, me dava vertigem, vontade de vomitar. [...] Já tomei fora do horário, já aumentei a dosagem por conta própria e eu ‘apagava’, era terrível!”, conta ele. Carvalho explica que “o medicamento funciona como um ‘empurrão’, é como se você estivesse no fundo do poço [quadro de depressão ou ansiedade] e alguém te jogasse uma corda [o medicamento], mas você precisa subir essa corda para sair dali e a psicoterapia te ajuda a sair ensinando a lidar com o que você está sentindo.”

Ela reforça ainda que, na maioria das vezes, o medicamento “sozinho” não resolve toda a situação, pois é preciso entender a “raiz do problema”, por isso o acompanhamento com um psicólogo ou psiquiatra é tão importante.

E AS REDES SOCIAIS?

O psiquiatra Felipe Campos explica que nunca se deve transformar algo imaterial, como as redes sociais, em um causador material de um desconforto mental, do contrário, podemos ficar fadados a sempre culpabilizar a tecnologia pelos transtornos.

As redes sociais podem ser benéficas em diversos aspectos para a sociedade atual, tanto para se comunicar com amigos e familiares, quanto para encontrar profissionais que possam ajudar com diversas questões rotineiras e de saúde, Campos conta que muitos dos seus pacientes tiveram o seu primeiro contato com ele através do Instagram.

Por outro lado, ele indica que essas redes parecem potencializadoras de uma necessidade que já existe na sociedade há muito tempo, que é o anseio de mostrar para os outros um nível de qualidade de vida que muitas vezes é irreal, desproporcional e exagerado e esse hábito pode gerar um instinto mais comparativo.

Esse instinto comparativo tem sido cada vez mais comum nas redes e na maioria das vezes não é uma comparação construtiva, de inspiração, mas sim uma geradora de autodepreciação ou de frustração de expectativas por não se encaixar em determinado padrão estético ou social. “Isso pode ser um potencializador de ansiedade em quem já está ansioso, já está preocupado, já se sente mal consigo mesmo e se compara com um padrão muito acima do que a pessoa pode ter em termos de vida familiar, conjugal, parental, financeira, social, acadêmica”, diz Campos.