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Maior parte das pessoas brasileiras com autismo se encontra excluída do mercado de trabalho
Pelo menos 1,4 milhão são afetadas por esse problema; causas estão relacionadas com a discriminação
Por Olívia Mota
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A realidade atual no mercado de trabalho é marcada pela exclusão das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 85% das pessoas brasileiras com esse transtorno se encontram fora do mercado de trabalho, porcentagem equivalente a aproximadamente 1,4 milhões de pessoas.
Isso porque ainda é notável a predominância da discriminação, da falta de informações sobre o transtorno, da falta de qualificação profissional e da ausência de adequação do ambiente de trabalho para as limitações dessas pessoas.
Mesmo tendo em vista que a inclusão de pessoas com TEA é garantida pela Lei Berenice Piana, Lei 12.764 de 2012, a porcentagem de pessoas com autismo fora do mercado de trabalho ainda é bastante alta. Segundo pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Carlos, é nítido que não ocorre uma inserção como deveria ocorrer de fato. Por esse motivo, muitas dessas pessoas passam a ser autônomas ou até mesmo sustentadas pelos próprios familiares.
Este é o caso da Ana Clara de Souza, 38 anos, diagnosticada com autismo nível 2 de suporte desde seus 13 anos, que indica que a pessoa precisa de um pouco mais de atenção e suporte para realizar as atividades do dia a dia. “Completei o Ensino Médio e depois de muita dificuldade terminei o curso de Biologia em 2014, mas mesmo com minhas notas boas, nunca consegui um emprego nessa área ou em qualquer outra.”, afirma ela.
Atualmente, Ana Clara trabalha em uma loja de roupas da própria mãe, e destaca que não é uma pessoa incapacitada por ter o nível 2 do espectro, apesar de precisar de certa atenção.
De acordo com uma pesquisa realizada pelo portal UOL, muitas vezes o motivo principal para não contratar essas pessoas, é que o empregador não sabe exatamente o que esperar em termos de comportamentos e resultados, justamente pelo tabu e discriminação que impuseram sobre o autismo. Sendo assim, um dos principais impasses é a discriminação, que ainda é uma realidade para muitas pessoas autistas, o que nitidamente afeta sua capacidade de conseguir e manter um emprego.
O juiz Rubens Paixão, 55 anos, afirma que passou por diversas discriminações e situações bem chatas quando foi estagiar, e até mesmo quando foi contratado para exercer sua atual profissão. “Durante um julgamento, o advogado do réu parou o julgamento para perguntar se eu, ‘o juiz’, realmente era habilitado para o cargo que eu estava a exercer, trazendo a justificativa de que com o meu autismo, eu não era capaz de entender a situação e dar uma sentença justa e apropriada.”, disse.
Ele ainda completa falando que o réu teve sua justa sentença de 15 anos de prisão e que, de quebra, o advogado dele foi processado e sentenciado a dois anos de prisão por discriminação e desacato a autoridade. Muitas vezes, as pessoas autistas são estereotipadas como incapazes de trabalhar em equipe ou de superintender uma situação específica, pouco produtivas e comunicativas, o que pode levar à exclusão no mercado de trabalho.
Além disso, é claro que antes da inclusão nesse mercado, deve-se existir uma inserção na fase escolar, pois quando não há formação nessa fase, não se desenvolve adequadamente o que deveria se desenvolver, ou seja, sem fortalecer a sua autonomia, interação social e capacidades, a inserção no mercado de trabalho fica comprometida, justamente por eles precisarem atender à uma demanda de exigências determinadas pelas empresas que estão a cada dia mais criteriosas.

A Lei Berenice Piana, n° 12.764, de 2012, destaca que é fundamental a adequação do ambiente de trabalho de acordo com as limitações e necessidades das pessoas com o espectro autista que forem empregadas, visando também que estes funcionários sejam bem recebidos por aqueles que não possuem o espectro dentro da empresa.
É importante ressaltar que o autismo é uma condição ampla e que cada indivíduo com esse transtorno é único. Portanto, é essencial que as empresas adotem uma abordagem individualizada ao lidar com funcionários autistas e que estejam abertos e receptivos para entender suas necessidades e capacidades específicas.
FALTA ESTRUTURA FAMILIAR
A representação do autismo no mercado de trabalho pode variar dependendo da cultura e do país, aqui no Brasil ainda é bastante limitada e enfrenta diversos desafios. Um deles é a falta de uma estrutura familiar, é quase que indispensável uma boa estruturação, pois ela desenha um papel fundamental e importante no apoio a uma pessoa com o espectro no mercado de trabalho, no entanto, a falta dela é notável na sociedade. Existem algumas estratégias e práticas que podem ser adotadas pelos familiares para apoiar um autista em um emprego, como, por exemplo, ter uma comunicação clara e oferecer suporte emocional. “A comunicação deve ser adaptada às necessidades da pessoa, levando em consideração sua capacidade de processar informações e compreender a linguagem.”, relata Emanuel Rocha, psicólogo e pai de um autista.
Ele ainda conta que é importante e indispensável o suporte emocional que a família pode oferecer, reconhecendo suas conquistas e incentivando ela a persistir mesmo diante de diversas dificuldades. Outras estratégias é ter conhecimento sobre as habilidades e desafios da pessoa, de forma a poder ajudá-la a escolher um trabalho adequado às suas competências e interesses, ou um treinamento e preparação adequada, visando uma orientação sobre as tarefas a serem realizadas, as expectativas do empregador e as habilidades necessárias para desempenhar o trabalho.
PROFISSIONAIS ESPECIALIZADOS
O apoio à saúde é extremamente importante para uma pessoa diagnosticada com o Transtorno do Espectro Autista inserida (mas não somente) no mercado de trabalho, pelo fato de que elas podem ter dificuldades em lidar com mudanças no ambiente de trabalho, interagir com colegas e/ou clientes, seguir instruções e gerenciar suas emoções e comportamentos.
Ter um suporte de profissionais de saúde, como psicólogos, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais, pode ajudar uma pessoa com TEA a desenvolver habilidades sociais e emocionais necessárias para se comunicar e colaborar com seus colegas.
A terapeuta ocupacional Olivia Garcia afirma: “É normal acontecer mudanças imprevistas no ambiente de trabalho, mas é sempre bom já procurar formas de trabalhar a recepção desses possíveis acontecimentos antes que ocorram.”.
Ela cita que alguns exemplos de estratégias a serem usadas se dão por meio de uma abordagem personalizada para cada paciente, que inclui identificação de habilidades existentes, ensino de estratégias de autorregulação, prática de habilidades sociais e uso de atividades ocupacionais.
Além disso, o suporte médico pode ajudar a gerenciar questões de saúde física e mental, como por exemplo a ansiedade, o estresse e a depressão, que podem afetar o desempenho no trabalho. Em resumo, o apoio à saúde é fundamental para ajudar um adulto com TEA a ter sucesso no mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que se acostuma às suas necessidades individuais e habilidades.