Fabio Tremonte “Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo ‘como ele de fato foi’. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela lampeja no momento de um perigo”. Walter Benjamin
Em que ponto localizar o trabalho Rampa (2011) de Fábio Tremonte se o próprio artista ocupa posição dupla em relação a ele? Uma vez que, durante sua adolescência, o skate foi a forma primordial usada pelo artista para circular pela cidade de São Paulo e que as muitas e muitas rampas construídas anteriormente serviram a outros propósitos que não o de se fazer um trabalho de arte, como poderíamos situar sua última Rampa aqui e agora sem nos deixarmos restringir ou enredar por um discurso meramente biográfico? A obra Rampa (2011) encontra-se numa interseção ambígua entre os artifícios usados pelos skatistas para experimentar manobras, ganhar velocidade e altura, e aqueles usados pelos artistas para potencializar a relação corpo/pensamento. O rosa do maderit e a escala usada pelo artista na construção de sua rampa deixa entrever que seu uso comum foi alterado, não somente por ter sido deslocada para ou por estar confinada a um espaço indoor - certamente insuficiente para a realização dos saltos físicos que promete - mas porque o próprio objeto expande-se para fora de si promovendo outros saltos. Da vertical da rampa que chega até o limite do teto como se quisesse ultrapassá-lo, do reflexo rosa do maderit que tinge as paredes brancas ao seu redor ou das lembranças das cenas de ruas em que figuram skatistas e o som peculiar produzido pelo deslizar de seus skates sobre o asfalto, saltamos para uma série de referências ligadas à produção artística. Refiro-me, sobretudo, aqueles trabalhos realizados a partir dos anos de 1960, nos quais o corpo passa a ser questão central e a ideia de espectador como aquele que assiste, que vê, como se estivesse de fora, passa a ser claramente rechaçada. De salto em salto encontro-me aqui e agora convivendo com praças públicas que foram cercadas e parques nos quais não se pode mais andar de bicicleta ou skate... Agora compreendo, que em contato com o trabalho Rampa, encontro-me diante, não de uma, mas de duas rampas iguais e curvas, para serem curvadas com os olhos e com o desejo. O olhar e o pensamento foram devidamente, ainda que por um instante, restituídos ao corpo. Lais Myrrha Verão de 2012 30
Fábio Tremonte [1975 – São Paulo, SP] é artista plástico e professor.
Rampa, 2011 / madeira / dimensões variáveis