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Paula Huven
Entre a cama e a janela (fragmento), 2002-2008 / fotografia / dimensões variáveis
54 Paula Huven nasceu em Belo Horizonte, vive no Rio de Janeiro. Trabalha essencialmente com fotografia, se voltando para os encontros e vínculos afetivos que nascem através do momento fotográfico.
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Sobre estar perto e longe
Houve um dia em que ela me fotografou. Era um instante íntimo, estávamos nós duas, e uma nova relação, misturada à antiga, se desenhava num momento fotográfico. Não foi somente um instante. Se nós não estávamos tornando ainda mais afetuosa a nossa amizade, era um outro vínculo muito forte que ali se configurava: o vínculo entre fotógrafo, fotografado e imagem. Essa trama de três. As imagens da Paula são registros de encontros. Encontros que se dão pela fotografia e nela se cristalizam. Encontros que acontecem não para serem fotografados; antes, são encontros possibilitados pela fotografia. A fotógrafa inventa uma trama, constrói uma narrativa de relações e, com a câmera, estabelece vínculos com lugares e pessoas, com o familiar e com o absolutamente estrangeiro. Fotografar requer distância. Paula fotografou a sua avó em casa durante 6 anos. As primeiras imagens vieram de uma película. Eram os seus avós, juntos. Paula decidira fotografá-los pra sempre, mas houve uma morte. A fotografia foi a única a guardar o corpo do seu avô. A avó, a partir de então sempre perdida pela casa, vagando por espaços familiares e agora estrangeiros, tornou-se a direção do olhar da neta, a fotógrafa. E foram anos de imagens, num jogo de aproximação e distância, de cortinas e poses, entre olhares, espera e uma solidão incontornável. Um dia, a avó escondeu o rosto com as mãos. O gesto repetiu-se até que a neta entendesse que era hora de parar. A narrativa esgotara-se. Mas a vida não. Entre subir, descer, abrir, olhar, fechar, deitar-se, havia uma câmera, uma avó e uma neta. Havia um encontro, tantas vezes silencioso – talvez os mais delicados encontros aconteçam no silêncio –, de duas mulheres. É isso o que está nas imagens: uma mulher cristalizada em sais de prata e uma mulher que não vemos. Elas estão juntas através da imagem, através do momento perdido em que aquela relação se configurou. Mais do que uma relação familiar, é uma relação de distância – a solidão é incompartilhável. Mas houve um encontro, um dia, no instante expandido do ato fotográfico. E este encontro, entre longe e perto, reverbera-se na imagem e na memória dessas mulheres. Se a fotografia provoca distâncias, se, mais do que isso, ela só acontece pela distância, é porque a natureza do homem é feita de espaços privados. A fotografia pode estabelecer conexões, encontros, afetos, mas ela compreende, mais do que nós, que nunca se chega perto demais, que sempre há de haver um hiato, um passo, o olhar. Este, sempre distante e estrangeiro.
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