Carlos Nunes GERADOR DE IDEIAS A arte contemporânea é refratária à classificação pelo discurso (seja do artista, seja da crítica, seja do público). Ao contrário da produção tipicamente moderna, cuja ênfase na forma, nas linguagens e nos ismos inseria poéticas singulares no campo objetivo da história, a arte produzida nos últimos quarenta e cinco anos parece desprezar essa inserção. Na contramão da clareza formal conquistada pelo artista moderno, o artista de nosso tempo mistura referências, dilui as fronteiras entre pintura, desenho e escultura, utiliza-se de repertórios plástico-formais tradicionalmente contraditórios, de materiais de todo tipo, às vezes não-artísticos, extraídos do mundo natural e industrial. Em 1978, Rosalind Krauss publicou seu famoso artigo intitulado “Escultura no campo expandido”, que tratava da abertura da arte contemporânea, a partir de todas as linguagens tradicionais, por meio do hibridismo, da fusão da mídia e uma nova compreensão do espaço como parte da obra de arte. O caráter de representação do desenho era a base comum de várias práticas artísticas como a pintura, escultura, gravura e arquitetura mas, há muito, o desenho vem se articulando como engenho e modo de organizar o pensamento, fugindo das especificidades da virtuose. É neste campo ampliado que habitam os trabalho de Carlos Nunes. Seu interesse recai nas pequenas coisas do cotidiano, nos objetos ordinários e na relação de afeto com o mundo do pertencimento, que são transformados em processos ou procedimentos que geram poéticas e desenhos. Sua primeira grande série de desenhos lida com processos de esgotamento. São registros, as vezes aleatórios, as vezes com alguma interferência do artista como, por exemplo, a caneta hidrocor deixada em pé sobre um papel artesanal até que o mesmo absorva toda a tinta. Em “O triunfo das cores, amor e música sobre os maldosos azuis”, Carlos trabalha com uma série de registros, desenhos, feitos a partir de mecanismos que articulam som, luz e cor. Constrói, assim, desenhos que são determinados pelos mecanismos de gerar som, as vezes pela duração de uma música ou seu ritmo ou, até mesmo, pelo mecanismo de algum dispositivo eletromecânico como um gravador ou toca discos. Sua nova série de desenhos parte do álbum Yellow Submarine, que é o álbum trilha-sonora lançado pelos Beatles, do filme de mesmo nome. A história se passa na cidade de Pepperland, quando os “Maldosos Azuis” (Blue Meanies) atacam a cidade para acabar com o amor, a música e as cores. Carlos, como os Beatles, não querem deixar que isto aconteça. E as armas são as idéias. 22
Franz Manata Rio de Janeiro, Março de 2010