12 CLARICE LISPECTOR E A FELICIDADE CLANDESTINA Sabe-se, sem discussões, que a felicidade é relativa e individual. Cada qual se compraz com e por motivos específicos. Mas e a felicidade clandestina? Alguém que a sinta e possa descrevê-la? Há alguém que não a sinta? Para Clarice Lispector, em seu conto Felicidade Clandestina, cujo título também dá nome ao livro (de 1971), sentir essa bem-aventurança de forma secreta é indescritível. Só a sabe quem a sente. Basta ler a sua obra para entender e ter essa sensação. Na obra literária, a escritora delineia o perfil do leitor ávido por leitura de livros, cuja paixão proporciona prazer e satisfação subjetivas. Capazes de torná-lo o ser mais feliz e realizado existente. Parece algo muito simplório. Mas, ao contrário, a felicidade surge por motivos diversos, simples ou não. Clarice, em sua escrita leve, rebuscada e elegante, permite-se viver sonhos por meio da escrita, ação que a torna realizada e, provavelmente, em plena felicidade clandestina. Esse sentimento pode ser observado pelo leitor mais sensível em diversas obras literárias da autora. O conto em tela apresenta duas personagens centrais: uma era filha de dono de livraria, e a outra era ávida por livros, mas não os possuía. Enquanto a primeira ostentava o seu fácil acesso às obras literárias e não os apreciava, a segunda não tinha acesso fácil aos livros, mas sonhava em possuí-lo. A filha do dono de livraria não apreciava a leitura, mas usava esse “benefício” para depreciar a colega que se vergava perante leituras. E foi assim que a primeira prometeu emprestar uma obra à segunda. E que a fez frustrada por várias vezes, dizendo que tal livro estava emprestado. Por fim, sua mãe conheceu a história e o emprestou à menina sôfrega por leituras. A herdeira do dono de livraria demonstra ao leitor que sua felicidade clandestina era ostentar o poder fácil de possuir o livro que quisesse. Porém, não os queria. Não se comprazia com o hábito de leituras. Para a leitora ávida, ter um livro (mesmo que fosse emprestado) lhe proporcionaria um prazer imensurável. Uma felicidade clandestina. Ela se comprazia por simplesmente “...sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo...” (fragmento da obra de Clarice Lispector). As muitas obras dessa escritora versátil (romances, contos, crônicas, literatura infantil) despertam no leitor a felicidade clandestina. Sentimento que só se torna conhecido por aqueles que o vivenciam.
Néia Gava é Especialista em Letras: Português e Literatura. Membro Correspondente da Academia de Letras e Artes de Venda Nova do Imigrante (ALAVENI) - ES. Membro atuante do Conselho Municipal de Política Cultural de Vargem Alta-ES. Escreve poesias, crônicas, contos e artigos de opinião para o Portal de Notícias Da Hora ES. Revisora de textos (livros, trabalhos acadêmicos, artigos, entre outros).