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SOLTOS DE SANSÃO E O CORAÇÃO COMETA.
Dedico essa prosa poética para o cantor, compositor, poeta e músico Tiago Araripe.
Quando estou triste e sinto que tudo está perdido, recorro à arte para encher os vazios existenciais, expulso todo o baixo astral e a mediocridade para longe, contemplando os meus livros, CDs e filmes, ou seja, aprecio o trabalho artístico das grandes almas que deixaram um pouco de lirismo como legado para a humanidade.
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E um dos artistas cearenses de quem sempre escuto a sua magnífica obra musical é o cratense Tiago Araripe. Nasceu no Crato, em 10 de agosto de 1951 e lançou um fantástico vinil em meados de 1982, chamado “Cabelos de Sansão”, onde o poeta cabeludo, peito nu, dentro de uma estrela de cinco pontas (Estrela de Salomão) montado sobre um leão, flutua no universo. Ao fundo, uma sensacional galáxia no espaço sideral. Considero uma das capas de LP mais originais e extraordinariamente lindas da Musica Popular Brasileira.
Com melodias riquíssimas e diversificadas, cheias de instrumentos variados de cordas e de sopros, com uma contundente percussão e uma bateria forte para balançar as estruturas sonoras, ele mescla o urbano com o rural, o universal com o regional, o arcaico – retrô – com o moderno contemporâneo em um “redemoinho” musical que nos deixa inebriado diante de tanta beleza musical.
As influências indígenas, africanas, árabes, europeias e orientais do Cariri estão todas misturadas no liquidificador musical do artista, em uma miríade de notas musicais harmônicas que nos faz levitar e transcender no som psicodélico de letras reflexivas e cheias de lirismo. Um grito de liberdade que ecoa de forma revolucionária nas mentes evoluídas e nas cabeças feitas dos pensadores políticos com sua ideologia humanista e esotérica.
A obra musical de Tiago Araripe é uma reverência à vida, é uma ode às boas coisas da vida, uma música de valorização ao meio ambiente e à filosofia humanística. Ou seja, sem saber, Tiago Araripe é um músico ecossocialista, pois suas referências são de respeito à natureza em toda a sua plenitude e a todas as formas de amor à vida.
Tiago Araripe fez parte do Movimento Musical Lírica Paulistana com forte influência da poesia concretista de Décio Pignatari e os irmãos Haroldo de Campos e Augusto de Campos. Dialogou com o Tropicalismo de Tom Zé, sendo reverenciado com destaque pelo cantor e compositor maranhense Zeca Baleiro, que escreveu, em setembro de 2007, em sublime artigo, publicado em revistas e jornais paulistas, uma homenagem do bardo do Maranhão ao disco – LP “Cabelos de Sansão”. Este, uma obra-prima do cancioneiro brasileiro, contém 10 faixas (5 músicas no Lado A e mais 5 canções no Lado B): 1. Coração Cometa; 2. Cabelos De Sansão; 3. Cine Cassino; 4. Fôlego De Sete Gatos; 5. Fios Da Light; 6. Estrela Do Mar; 7. Meg Magia; 8. Redemoinho; 9. Asa Linda – (Little Wing); 10. Quando A Pororoca Pegar Fogo.
Portanto, apreciadores da excelsa arte, separem um tempinho para contemplarem um dos trabalhos mais originais, interessantes, profícuos e instigantes da música brasileira universal.
Em Transe Pela Distopia De Bacurau
Texto de Elcio Cavalcante
"Se queres ser universal começa por pintar a tua aldeia". (Leon Tolstói, escritor russo)
Há filmes brasileiros que têm a capacidade de nos hipnotizar e de nos deixar em estado de choque. Películas como: Rio 40 Graus (1955); Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964); Terra em Transe (1967); O homem que virou suco (1981); Cabra marcado para morrer (1984); Lamarca (1994); O que É Isso, Companheiro? (1997); Cidade de Deus (2002), Tropa de elite (2007) nos fazem sentir o êxtase da vida pulsando em nossas veias.
Bacurau me fez lembrar dos filmes do “Cinema Novo”, dos cineastas Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra, Cacá Diegues e Joaquim Pedro de Andrade que tinham o estilo de forte contestação social e crítica política, com escopo de desnudar, revelar e denunciar as desigualdades e misérias do Brasil autoritário e ditatorial.
A película tem essa pegada regional e universal, um filme engendrado pelos pernambucanos Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles que é de uma beleza inefável, instigante, revoltante, divertido, nos causando, concomitantemente, indignação, perseverança, susto e esperança. Nos proporciona, car@s leitor@s da Revista Sarau, um frenesi por justiça social e a crença na utopia de que é possível, sim, a construção coletiva de um mundo melhor. É um filme de uma preciosidade ímpar, repleto de analogias sociais, políticas, regionalistas e universais. A violência é uma dessas referências ao cinema de faroeste, pois é um amálgama de ficção, realidade surreal, comédia, suspense, terror, tudo junto e misturado.
Uma trama ambientada em um município isolado e pobre, interiorano e repleto de deficiências onde o Poder Público está ausente de suas responsabilidades educacionais, sanitárias e estruturais. Retrata o abandono de nossas escolas públicas (estaduais e municipais) e hospitais do SUS, mas com uma população "antenada" nas novas tecnologias e nas redes sociais midiáticas, sabendo distinguir os drones de espaçonaves alienígenas.
A narrativa é uma metáfora ao abandono das políticas públicas para o povo mais carente e pobre das cidades rurais e interioranas, haja visto que esse descaso aconteça também nas grandes e pequenas cidades urbanas! É um grito retumbante de crítica à politicagem e nele, percebe-se, ademais, a exaltação às formas de resistência de um povo que, organizado, boicota a demagogia do período eleitoral. É um confronto da ideia da força com a força da ideia. Uma resposta nítida e clara que somente a violência revolucionária se contraporá à violência midiática reacionária. Uma contraposição verborrágica ao etnocentrismo e ao surto preconceituoso, elitista, racista, criticando abertamente ao equívoco imperialista de um povo que se considera melhor ou superior aos demais povos. Toda forma de cultura é importante e deve ser valorizada; não existe cultura ou povo melhor ou superior aos outros. Essa é uma mensagem clara e direta para a plateia e creio que o público percebeu e absorveu a mensagem política de contestação.
“Bacurau é um pássaro de canto agourento”, de hábitos noturnos e que se alimenta de insetos. Eis a relação e a simbologia que o filme faz com a nossa realidade atual protofascista –ultraliberal e de ataques diretos e frontais aos direitos sociais das classes trabalhadoras. Bem vindo ao filme Bacurau! Se for assistir, vá na paz!
Elcio Cavalcante é formado pela Universidade Federal do Ceará – UFC, no curso de História, trabalhei na FIEC - SESI - SENAI, hoje leciono História na Rede Pública e Privada no Ensino Fundamental II e Ensino Médio.