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UMA EXPERIÊNCIA LEITORA COM CLARICE LISPECTOR
Ser leitora foi uma conquista árdua. Confesso: meu primeiro contato com Clarice Lispector (1920-1977) não foi fácil, mas prazeroso e enriquecedor. Estava acostumada a ler escritores que cosiam para fora e, Clarice, cosia para dentro. Seu estilo é único: metafórico, intimista, psicológico, epifânico e não-linear.
Mulher inteligente, elegante, melancólica, livre, destemida e empoderada, assim pintaria eu, em palavras, um retrato de Clarice - romancista, cronista, contista, ensaísta e tradutora. A leitura de suas obras me deu a oportunidade de conhecer de forma mais profunda o universo feminino (concebido por mulheres comuns como, Ana(s) e Catarina(s) massacradas pela banalidade comum a existência, mas que buscam a libertação) e, também, a mim mesma.
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A criadora de Macábea – A Hora da Estrela (1977) é uma das escritoras brasileiras que questiona, de forma peculiar, a condição do ser e a sociedade à sua volta. Por isso, conhecer suas personagens é se deparar com mulheres introspectivas, solitárias e contestadoras que transitam entre a solidão, a submissão, a resistência, a alienação, a incompletude, mas que nunca deixaram de buscar a si próprias.
Nascida na Ucrânia no dia 10 de dezembro de 1920 –“Naquela terra eu literalmente nunca pisei: fui carregada de colo", segundo palavras da própria escritora, naturalizada brasileira, passou a infância e a adolescência em Maceió, Alagoas e Pernambuco. Muda-se para o Rio de Janeiro (aos 12 anos) com a família. Tempos depois, sem orientações em seus estudos, decidiu ingressar no Curso de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Casou-se com o colega de turma Maury Gurgel Valente, com ele conheceu o mundo (Itália, Inglaterra, Estados Unidos, Suíça) e teve dois filhos: Pedro e Paulo.
Aprendeu a ler e escrever muito nova: de Manuel Bandeira (1886-1968), Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), de Simone de Beauvoir (1908-1986) à Katherine Mansfield (1888-1923), logo começou a escrever pequenos contos (todos recusados pelas revistas e jornais). Sua primeira peça de teatro “Pobre Menina Rica” foi escrita aos nove anos, sem nenhum sucesso. Descobriu, por meio de tais recusas, que seus textos enfatizavam as emoções e não os fatos.
Na crônica “As três experiências”, minha preferida, a narradora confessa os três motivos de sua existência: amar os outros, escrever e ser mãe. Quando ao segundo motivo, uma explicação: ela se adestrou “desde os sete anos para que um dia tivesse a língua em seu poder”. E foi, justamente, evidenciando sentimentos e não os acontecimentos que Clarice tornou-se uma das vozes mais potentes do século XX. Literatura é subversão, é transgressão, é resistência.
A autora de Laços de Família (1960) acreditava que “Viver em sociedade é um desafio”, porque ela nos obriga a seguir certas normas. Nós até tentamos, mas nem sempre é possível, assim como as suas personagens, que assumem o papel de mãe, esposa, filha, mas que, em determinado momento de sua existência, não se reconhecem neste lugar, deixando-as desestabilizadas. Neste instante, começam a questionar quem realmente são e quais suas prioridades, como podemos constatar com Joana de Perto do Coração Selvagem, (1944); ou com Lucrécia Neves de A Cidade Sitiada, (1949), ou com G.H de A Paixão Segundo G.H, (1964) etc
Por que ser leitora de Clarice? Ela conta em “Esse livro sou eu”, que aos 15 anos, ao entrar em uma livraria, local que gostaria de morar, abriu um livro com frases diferentes do que estava habituada e disse: “Emocionada, eu pensava: mas esse livro sou eu! ”. Quando pela primeira vez me deparei com Clarice, eu estranhei e perplexa, pensei: “mas essa protagonista sou eu! ”. Porque Clarice me ensinou que o mundo está à minha espera e eu vou ao encontro do que me espera.