LITTERA
          Contos
          Poemas
          Entrevistas Crônicas
          Lygia Fagundes Telles, desarrumando as nossas certezas
          LITERATURA SEM
          FRONTEIRAS
          Escritores: DionísioMuzime
          
    
    
    RanjithPostma
          Parceria entre a LITTERA e “Cônego José Bento”. As produções dos jovens constituem um interessante mosaico de gêneros e tramas, que dão voz aos dilemas, percepções e questionamentosdesuageração.
          
    Participaçãoespecial: Umcontode MenaltonBraff
          EntrevistaEspecial comPauloLins, autorde“Cidadede Deus”eroteiristada TVGlobo
          REVISTA Nª 4
        Trazemos ao público a 4ª edição da revista LITTERA, que, a partir de junho/22,passaráaterperiodicidadetrimestral.
          Comodestaquesmaisqueespeciais,temosumaentrevistaexclusivacomo escritor Paulo Lins, autor de “Cidade de Deus”, obra que deu origem ao filme internacionalmente conhecido. E ainda um conto inédito do escritor gaúcho Menalton Braff, vencedor do prêmio Prêmio Jabuti, no ano 2000, na categoria melhor livro de ficção, com “À Sombra do Cipreste”, e ganhador do Prêmio Machado de Assis, da Biblioteca Nacional, em 2020, por sua obra “Além do Rio dos Sinos”, como melhor romancebrasileiro.Doisgrandesmestres,dediferentesvertenteseestilos...
          Naseção“DicadeLivros”,CamilaNavarroMottanosrecomendaumaobra da escritora estadunidense Patricia Highsmith, autora de thrillers magistralmente construídos.Ótimaleituraparaasfériasdejulho...
          Em“LiteraturasemFronteiras”,leremosumcontodoescritorholandês RanjithPostma,traduzidoporJanOldenburg.Eaindacontamoscomacolaboraçãode DionísioMuzime,autormoçambicano,comdoisbelíssimospoemas.
          Temos ainda como colaboradoras convidadas a escritora, professora e psicanalista EstherRosado,quenosfaladaobrafenomenaldeLygiaFagundesTelles, escritorafalecidarecentementeequeficarácomolegadoeinspiraçãoparaaspróximas gerações de escritores; Esther também assina dois “Minicontos Recontados”, em que refaz com brilhante originalidade três conhecidas narrativas da fascinante mitologia grega. E contamos ainda com o artigo da professora, redatora e escritora Salette Granato, com um texto questionador, sobre a importância do livre pensamento, do aprendizadoconstanteedapráticado“filosofar”.
          É um conto ou uma crônica? Vera Figueiredo abre uma interessante discussãosobreasfronteirasentreosgênerostextuais,cadavezmenosmarcadas. Numapaletadecores,estilos, gêneroselinguagens,temosproduçõesde AdilsonRocha, AlisonSilva, AndréSiqueira,CarlosBuenoGuedes, CecíliadeAbreu Dellape, Joana Aranha, Larissa Ferreira, Pedro Paiva, Róbinson da Silva e Vera Figueiredo.
          E,fechandoessaedição,apresentamosasproduçõesdosjovensestudantes daETECCônegoJoséBento:DéboraTeodoroSouza,GabrielCarneiroePedroPauloda SilvaMoraes.
          Esperamosqueapreciemepermaneçamconosco!!Atéoutubro!
          Oseditores:
          PedroPaiva
          VeraFigueiredo
          EDITORIAL – Julho/2022
        
              
              
            
            ÍNDICE
          24
          Entrevista especial PAULO LINS
          
    Lygia Fagundes Telles, desarrumando as nossas certezas
          04
          Poemas
          VITAL - 08
          LARISSA FERREIRA
          OLHOS DO VER E
          RE-VERSO DO VER - 08
          CARLOS BUENO GUEDES
          ISTO - 09
          ALISON SILVA
          SUICIDÁRIO - 09
          PEDRO PAIVA
          VERMELHO - 09
          Contos
          MITOCONTOS RECONTADOS - 15
          ESTHER ROSADO
          CONTINHOS - 16
          JOANA ARANHA
          O CURUPIRA E OS FILHOS DO CORONEL18
          PEDRO PAIVA
          CRIATURAS DA NOITE - 20
          VERA FIGUEIREDO
          Crônicas
          A TRAJETORIA - 33
          ADILSON ROCHA
          OLHA O GÁS - 34
          PEDRO PAIVA
          UM PASSEIO PELO PASSADO - 35
          CECÍLIA REGINA DELLAPE
          PRIMEIRO BEIJO - 36
          ALISON SILVA
          UM FIM DE TARDE PELA 5ª AVENIDA - 37
          RÓBINSON DA SILVA (ROBINHO)
          Escritorde “Cidade eDeus”e roteirista daGlobo.
          Participaçãoespecial: Umcontode MenaltonBraff
          13
          GÊNEROS TEXTUAIS: AS FRONTEIRAS SE
          DILUEM 21
          Analogia contemporânea 10
          Parceria entre a LITTERA e “Cônego José Bento”.As produções dos jovens constituem um interessantemosaicodegênerosetramas,quedão vozaosdilemas,percepçõesequestionamentosde suageração.
          
    Dicas de Literatura
          Pacto Sinistro
          PatriciaHighsmith 32
          
    
    LITERATURA SEM FRONTEIRAS
          ESCAPE 39
          RANJITH POSTMA
          FALAR DE AMOR 42
          DIA DA CRIANÇA 42
          DIONÍSIO MUZIME
          
    O MITO DA CAVERNA
        
              
              
            
            Lygia Fagundes Telles, desarrumando as nossas certezas
          
    “Ela escreve desarrumando nossas certezas, expondo nossos preconceitos, medos e desejos, às vezes sombrios, perversos e insanos, mas necessários para mostrarquesomoscapazesdosatosmaishumanose,ao mesmo tempo, vis e cruéis. Com isso, a autora fala da almahumana,darededeobstáculoscomqueohomem sedeparadiantedavida,domundo.”
          (SuênioCamposdeLucena,professordaUNEB) Jáháalgumtempo,emalgumlugardanet,estavalendo umartigodoprofessorSuênioCamposdeLucena, da UNEB, quando deparei com o trecho que reproduzi acima.Aexpressãomaisencantadoradoartigoeraessa: “Ela escreve desarrumando nossas certezas( )”
          Continueialerváriosartigos,masaquelaexpressãodo Lucenanãomesaíadacabeça.
          Há muito conheço a obra de Lygia Fagundes Telles, mortanoiníciodestemêsdeabrilde2022,masnunca gostei tanto dela como agora, leitora contumaz que sou, apaixonada por literatura que sou. Leio sobre Lygia, a autora,oserhumano, e chego cada vez mais à conclusão de que deveria tê-lo feito há muitos e muitos anos. Reli, por esses tempos, o seu livro de contos AntesdoBaileVerde. Sempre imagino que este livro guarda as suasobras-primasno gênero conto: O menino-exemplardesvendamentodanaturezahumana, surpresaseangústiasdoviver-,OmoçodoSaxofone,A caçada – inquietante e bela narrativa – O Jardim Selvagem,Venhaveropôr-do-sol,Osobjetos. “Elaescrevedesarrumandonossascertezas(...)”Belae
          “Finalmente pousou o olhar no globo de vidro e estendeuamão.
          ‒Tão transparente. Parece uma bolha de sabão, mas sem aquele colorido de bolha refletindo a janela, tinha sempre uma janela nas bolhas que eu soprava. O melhor canudo era o de mamoeiro. Você também não brincavacombolhas?Hein,Lorena?
          Ela esticou entre os dedos um longo fio de linha vermelhapresoàagulha.Deuumnónaextremidadeda linha e, com a ponta da agulha, espetou uma conta da caixinhaaninhadanoregaço.Enfiavaumcolar ‒Quefoi?”
          Uma cena e o leitor se sente instigado a continuar. O narradortambéméinstiganteeapresenta-seemterceira pessoa onisciente: tudo vê, traz à tona todas as sensações das personagens, sentimentos fundos e imensagamadeemoções.EstaéLygia:ocontourbano, deanálisepsicológica,oqueclaramenteaconsagrouna Geração de 45, em companhia de outros escritores comoClariceLispector.
          Lorena enfia um colar e Miguel segura entre os dedos umglobodevidro;enquantoespialádentro,ocorremlhe lembranças da infância; a linguagem é também infantil (“tinha sempre uma janela nas bolhas que eu soprava”), mas de um lirismo pungente, doloroso quase:“Vocêtambém,nãobrincavacombolhas?
          Ela não presta atenção a ele que, em princípio, assemelha-se a uma criança: “Ele abria a boca, tentando cravar os dentes na bola de vidro. Mas os dentes resvalavam, produzindo o som fragmentado de pequenascastanholas.
          ‒Cuidado,querido,vocêvaiquebrarosdentes!”
          A advertência assemelha-se à de uma mãe e seus cuidados;Miguelsecomportacomoacriançaque,mais tarde descobriremos, a sua condição psíquica impõe e registra:
          “Elerolouogloboatéafaceesorriu.
          ‒Aí eu compraria uma ponte de dentes verdes como o mar com seus peixinhos ou azuis como o céu com suas estrelas, não tinha uma história assim? Que é que era verdecomoomareseuspeixinhos?
          
    4 LITTERA
        ‒Ovestidoqueaprincesamandoufazerparaafesta.”
          Massãocasadosambos,maridoemulherqueocupamo mesmo espaço - apartamento. Ele reclama da indiferença dela; Lorena escuta dele as queixas mais terríveis sobre a solidão e a sensação de desamor. Perguntando para que servia o globo de vidro, ela lhe diz que é um peso de papel. E o homem diz, num lamento:
          
    “Mas se não está pesando nenhum papel- estranhou ele, lançando um olhar à mesa. Pousou o globo e inclinou-se para a imagem de um anjo dourado, deitado de costas, os braços abertos. – E este anjinho?
          Oquesignificaesteanjinho?
          Com a ponta da agulha ela tentava desobstruir o furo dacontadecoral.Franziuassobrancelhas.
          ‒Éumanjo,ora.
          ‒Eu sei. Mas para que serve? ‒ insistiu. E apressandose antes de ser interrompido: ‒ Veja, Lorena, aqui na mesaesteanjinhovaletantoquantoopesodepapelsem papel ou aquele cinzeiro sem cinza, quer dizer, não tem sentido nenhum. Quando olhamos para as coisas, quando tocamos nelas é que começam a viver como nós, muito mais importantes do que nós, porque continuam. O cinzeiro recebe a cinza e fica cinzeiro, o vidro pisa o papel e se impõe, esse colar que você está enfiando...Éumcolarouumterço?
          
    ‒Umcolar.
          ‒Podiaserumterço? ‒Podia.
          ‒Entãoévocêquedecide.Esteanjinhonãoénada,mas se toco nele vira anjo mesmo, com funções de anjo. –Segurou-ocomforçapelasasas.–Quaissãoasfunções deumanjo?
          Ela deixou cair na caixa a conta obstruída e escolheu outra.Experimentouofurocomapontadaagulha.
          ‒SempreouvidizerqueanjoéomensageirodeDeus. ‒Tenho então uma mensagem para Deus ‒ disse ele e encostou os lábios na face da imagem. Soprou três vezes, cerrou os olhos e moveu os lábios murmurejantes. Tateou-lhe as feições como um cego. –Pronto,agorasim,agoraéumanjovivo. ‒Eoquefoiquevocêdisseaele?
          ‒Quevocênãomeamamais.”
          Osobjetos,ohomemquesesente,foradesuasfunções de marido e em pleno estado de desamor, como um objetodistantedeseusverdadeirosmotivosdeexistir.
          Vêm-me à cabeça as palavras do prof.
          SuêniodeLucena,taiscomoascoloqueina epígrafe: Lygia escreve para desarrumar o pré-estabelecido, desarranjar certezas, mostrar a dor profunda da existência malograda.
          Miguel e os objetos; comparado metaforicamente a eles,aindaquenãomencioneacomparação,continuaa dizerdasolidãodehomemexiladononão-amor:
          “Elaficouimóvel,olhando.Inclinou-separaacaixinha decontas.
          ‒Adiantadizerquenãoéverdade?
          ‒Não, não adianta. – Colocou o anjo na mesa. E apertou os olhos molhados de lágrimas, de costas para elaeinclinadoparaoabajur –Veja,Lorena,veja...Os objetos só têm sentido quando têm sentido, fora disso... Eles precisam ser olhados, manuseados. Como nós. Se ninguém me ama, viro uma coisa ainda mais triste do que essas, porque ando, falo, indo e vindo como uma sombra, vazio, vazio. É o peso do papel sem papel, o cinzeiro sem cinza, o anjo sem anjo, fico aquela adaga ali, fora do peito. Para que serve uma adaga fora do peito? – perguntou e tomou a adaga entre as mãos. V o l t o u - s e s u b i t a m e n t e animado. – É árabe, hein, Lorena? Uma meia-luadepratatão aguda... Fui eu que descobri esta adaga, lembra? Estava na vitrina, quase que escondida debaixo de uma bandeja, lembra?
          Ela tomou entre as pontas dos dedos o fi o d e c o r a l e balançou-o num movimentoderede.”
          Para que serve uma adaga fora do peito? Este é o momento de antecipação: solene, intenso como um grito,agudocomolâmina...
          Lorenaselembradabandejaquequistrazerdalua-demel, cujas alças eram cobrinhas se enroscando em folhasecipós,maisumsímbolofálicoqueseapresenta alémdaagulhaqueprocuraofurodaconta,estamulher quesefazdeesquecidaeamaisnadaprestaaatenção, buscandoresgatar-sedomarasmodaexistência,atecer um colar: “ umas cobrinhas com orelhas, fiquei apaixonadapelascobrinhas.”
          E se queixa: era a lua de mel de ambos, mas estavam sem dinheiro e refere-se ao que trouxeram como “bugigangas”. Miguel suplicaqueelafalebaixoporquesenãooanjo vaicontarparaDeus.
          Miguel está visivelmente abalado e ela pede
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        Qualquer marca. Tinha uma com sabor de hortelã, era ardido demais e eu chorava de sofrimento e gozo. Minhairmãzinhaquetinhadoisanoscomiaterra. Elariu.
          ‒Quefamília!”
          Miguelanunciaqueogloboéumabolamágica. “‒Voltada para a luz, ela enfiava uma agulha Umedeceu a ponta da linha, ergueu a agulha na altura dos olhos estrábicos na concentração e fez a primeira tentativa. Falhou. Mordiscou de novo a linha e com um gesto incisivo foi aproximando a linha da agulha. A pontaendurecidadofiovarouaagulhasemobstáculo. ‒Acópula.
          ‒Que foi? – perguntou ela, relaxando os músculos. Voltou-se satisfeita para a caixa de contas. – Que foi, amor?
          ‒Elecobriuoglobocomasmãos.Bafejousobreelas.
          ‒É uma bola de cristal, Lorena – murmurou com voz pesada. Suspirou gravemente. – Por enquanto só vejo assimumafumaça,tudotãoembaçado...”
          Miguelconta,entãodeseusmedos:vêofuturonabola de cristal: o pai de Lorena entrando na sala, ela de vermelho, o pai insistindo para que ela internasse o marido, Lorena dizendo que Miguel estava melhor. Lorenachora,opaidizqueele,omarido,nãomelhorou coisanenhuma.ParaoespantodopaiedeLorena,entra na sala andando sobre as mãos, de cabeça para baixo. MasdestavezLorenanãoachagraçanenhuma,elaque sempreriadaspalhaçadasdele.
          Lorena é pacienciosa e diz que não achara graça porque sempre tem medo que ele desabeequebrevasose copos. E também porque cai tudo dos bolsos.
          Miguel senta-se na poltrona e relembra a lua-de-mel: haviaumlustrenavitrinadoantiquário,haviatambém umagravura.Lorenaestranha:
          “‒Quegravura?
          ‒Aquela já carunchada, tinha um nome pomposo, Os Funerais do Amor, em italiano fica bonito, mas não sei mais como é em italiano. Era um cortejo de bailarinos descalços, carregando guirlandas de flores, como se estivessemindoparaumafesta.Masnãoeraumafesta, estavamtodostristes,osamantesseparadosechorosos atrásdoamormorto,ummenininhoencaracoladoenu, estendido numa rede. Ou num coche?... Tinha flores espalhadas pela estrada, o cortejo ia indo por uma estrada. Um fauno menino consolava a amante tão pálida,tãodolorida...
          Elaconcentrou-se.
          ‒Essequadroestavanavitrina?
          ‒Pertodolustrequefaziablim-blim.
          ‒Sei, mas assim como você descreveu, é triste demais. Juroquenãogostariadeterumquadrodessesemcasa.
          ‒Maistristeaindaeraoanão.
          ‒Tinhaumanãonagravura?
          ‒Não,elenãoestavanagravura,estavaperto.
          ‒Maseraumanãodejardim?
          ‒Não,eraumanãodeverdade.
          ‒Tinhaumanãonaloja?
          ‒Tinha. Estava morto, um anão morto, de smoking, o caixãoestavanavitrina.Luvasbrancasesapatinhosde fivela. Tudo nele era brilhante, novo, só as rosas estavam velhas. Não deviam ter posto rosas assim velhas”.
          
    E aparece a metáfora mais dolorosa da condição humana neste trecho: a do homem diminuído, o anão que ele jura ter visto dentro do caixão . Há um outro conto de Lygia, neste mesmo livro, em que o anão simboliza também a mesma coisa: O Moço do Saxofone; lá , os “anões de circo” ( o circo da própria vida?) aparecem, se enroscam, estão presentes como testemunhas mudas da degradação e a falta de perspectivasoudefidelidade.
          
    Miguelinventaquequertomarchácombiscoitos.Não hábiscoitos,mashátorradas.Eleinsistenosbiscoitose diz que vai comprá-los. Lorena pede para ele pegar dinheiro na bolsa dela, sobre a cama. Abre a bolsa, aspira o perfume do lenço, mas deixa tudo no mesmo lugar.
          Saiu pisando leve, evitou olhar para o espelho no elevador
          QuandoLorenadescobriuoqueeleforafazer,oleitor tambémdescobre:
          “‒Miguel, onde está a adaga?! Está me ouvindo, Miguel?Aadaga!
          Eleabriuaportadoelevador
          ‒Estácomigo.
          O porteiro ouviu e foi-se afastando de costas. Teve um gestodeexageradacordialidade.
          -Umabelanoite!Vaipassearumpouco?
          Eleparou,olhouohomem.Apressouopassonadireção darua.”
          Afinal,umaadagasóéumaadagaseestiverdentrodo peito...
          EstherRosado:
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        Psicanalista,professora,ocupaa cadeira17,Profa.Philomena Pinheiro,daAcademia JacarehyensedeLetras.
          Quarentena
          Osobjetosconhecem osquartos,partes,cômodos, extensõesderemansos queabrigamtodaagente íntimadosilêncio isoladonaespera decadaserfechado.
          
    Testemunhasocultas mesmoqueemudecidas, hospedeirosdegente novírusdessemundo.
          Semluvasinto,pálido: osobjetosnacasa prosseguemretesados einfectadosdegente
          Compras
        1298255-6735 andresiqueira540@gmail.com
        7 LITTERA
        
              
              
            
            Poemas Vital.
          Querer viver clichês na mesma veracidade que se almeja diplomas.
          Se pressionar ao êxito numa via sem erros, mas esquece da realidade. Ninguém nasce pronta.
          Não pode correr tanto sem dar atenção à respiração. Pela boca corre o risco de nunca sair as palavras guardadas no coração.
          Desejos, sonhos e objetivos sem condenação ao corpo feminino.
          A mínima importância se quer uma carreira bem sucedida ou filhos, talvez queira os dois, ou apenas jogar boliche.
          A única preocupação deveria ser a felicidade.
          Se eu me amo sendo quem sou, o resto é pura vaidade.
          Poeta:
          LarissaFerreira
          
              
              
            
            OLHOS DO VER E RE-VERSO DO VER
          Temos todos os olhos, aqueles que insistem de olhar para fora em que tudo parece estar a morrer os que olham para dentro espantados de esperanças, nos olhos de fora calamidades me encontram os de dentro buscam acreditar onde as vertentes das lágrimas tem seus próprios lagos, nos olhos de fora uma represa das covardias, no de dentro se invadem de coragem , os olhos de fora ainda enxugam palavras para serem o estar próximo das horas, nos olhos de fora a miopia das cores, no de dentro o bagaço incolor de ser um abismo aberto de rugas , no de fora sente a queda , no de dentro tropeço em cacos a ferir meus passos , no olhar de fora vejo mortes, no de dentro abraço a vida a ser o sobrevivente dos muitos olhares ainda a se perderem !
          Poeta: CarlosBuenoGuedes
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        Isto tem que acabar
          Isto tem que morrer
          Isto está sendo mais forte que eu Simplesmente isso
          É o que eu mais odeio em mim
          Amar, sem entender os porquês!
          Isso me consome as entranhas
          Me faz sentir coisas estranhas
          Nós não deveríamos existir
          Seria uma história a menos
          Uma poesia nunca inventada
          Uma saudade desolada
          Não consigo mais explicar o que eu sinto
          Só sei querer me encontrar, No seu olhar.
          Isto não pode durar para sempre
          Morra este sentimento
          Ou que morram meus sentidos.
          Pra não sentir sua pele
          Pra não lembrar o seu cheiro
          Para não beijar seu gosto
          Para não ver seu brilho
          Para não escutar a sua voz.
          Quem somos nós?
          Nós nos nós do Universo?
          
    Em que verso nós nos realizamos?
          Em que único momento
          Nos entrelaçamos?
          Quem vai contar a nossa história
          O nosso filme de amor
          Quem vai mostrar a beleza da cor?
          Nossa história eu sei de cor.
          Não corro mais ao encontro
          Nem mesmo do desencontro
          Sou apenas açoite
          Nos versos da noite
          A procurar entender,
          Poeta:
          AlisonSilva
          SUICIDÁRIO
          No pão falido De cada dia
          Livrai-nos do horror Do país Que aqui se cria
          Poeta: AndréSiqueira
          Vermelho
          Fogo que não quer parar! Às vezes azul, Às vezes laranja e muitas vezes vermelho! Nos traz calor e aconchego!
          Poeta: PedroPaiva
          Isto
        9 LITTERA
        
              
              
            
            O MITO DA CAVERNA
          
    Analogia contemporânea
          
    O Mito da Caverna é uma metáfora do filósofogregoPlatãotentandoexplicaracondiçãode ignorância em que vivem os seres humanos aprisionadospelossentidoseospreconceitosqueos impedem de adquirir o verdadeiro conhecimento, conhecida também como Alegoria da Caverna ou CavernadePlatão,ametáforaintegraocapítuloVII daobra“ARepública”,escritaporvoltade380a.C. É um dos textos filosóficos mais debatidos e conhecidos pela humanidade, um diálogo entre as personagens Sócrates e Glauco, onde Sócrates responde a questionamentos de Glauco, na visão platônica.SócratespedeaGlaucoparaimaginarum grupo de pessoas vivendo numa grande caverna, combraços,pernasepescoçospresosporcorrentes, umaparedeimpedeosacorrentadosdeveremosque passam em frente ao fogo. A partir disso, Sócrates explicaaGlaucoqueumadessaspessoas,libertadas correntes, perceberia a verdadeira forma da realidade e deixaria a caverna e se voltasse para contaraosdemais,essesnãoseriamcapazessequer decompreendereomatariam.Então,alertaaGlauco queaspessoasdacavernasãomuitosemelhantesaos humanos; quanto à ignorância humana, há aqueles que são incapazes ou relutantes de procurar a verdade e a sabedoria. Simbolicamente, segundo Platão,acavernaseriaomundoondetodososseres humanos vivem; as sombras projetadas em seu interiorseriamafalsidadedossentidos;ascorrentes seriamospreconceitoseaopiniãoqueaprisionamos seres humanos à ignorância e ao senso comum; o prisioneirosignificariaentão,opapeldofilósofoeo desfecho trágico do ex-prisioneiro, uma referência ao ocorrido com seu mestre, Sócrates, acusado de corromper a juventude com seu pensamento questionador; o filósofo foi julgado e condenado à mortepelosatenienses.
          porânea, o meu ponto Idiocracia:“Em 2005, Joe Bowers participar de um exper e o coloca em hibernação. experiência governamental cai no da no ano 2505 e encon mburrecida pelo comercialismo de massa e pela alienante programação de TV, que ele acaba sendo o cara mais inteligente do planeta. Agora, cabe a um cara pra lá de mediano colocar a evolução da raça humana de volta nos trilhos”. Umfilmesensacional quenosfazrefletirsobreofuturo.Podemoselencar algumas situações contemporâneas partindo do princípio da sociedade dividida em grupos que habitamemcavernas,isoladamente,habitamdentro de suas verdades, sem enxergar o outro e suas dificuldades, tendo a liberdade como justificativa; outroshabitamnoseuportoseguroconsolador,sem novosdesafios.Então,dentrodessecontextosocial, muitos querem liderar grupos ou dominar o mundo sem nunca terem saído de suas cavernas. Vamos subdividir a sociedade (partindo do pressuposto da sociedade dividida em classes). Vou citar quatro exemplos e comentá-los, impossível seria citar e comentar todos os grupos existentes, porque para mim, nasce um todo dia, basta observar os comentáriossobretudonasredessociais:1.Ouvem e não escutam. 2. Convictos de tudo. 3.Habitam ZonadeConforto.4.Creemquetudoestábem.
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        1.Ouvem e não escutam: Você cita um livro, comenta sobre ele, planta a semente cultural, explica,convida,atéemprestalivro,masapreguiça dominaeolivrosevai.Mas,sefalarsobreavidados outros, os ouvidos se esticam e a curiosidade aparece. Então, volto aos heterônimos de Fernando Pessoa, que por ter tantos dentro de si, criou vários dele;aosContossemfechamentodeLygiaFagundes Teles, a maior contista do Brasil; ao excelente pianistaecompositorD.PedroI;ouatéomovimento Diretas Já, que resultou na nossa Constituição Cidadã, fazendo menção a Ulisses Guimarães e a Sobral Pinto, mas nada, todos fazem ouvidos moucosdemercadoreviram-seàaquelequetemum olho, porque em terra de cego quem tem um olho é rei! Ignoram aqueles que enxergam com os dois. Regras que precisam ser ouvidas e entendidas: Respeitosempre,nãoimportamasdiferençasenão faça ao outro o que não deseja que faça para você, simples, mas, não escutam.
          2. Convictos de tudo: Pirâmides, jogos de azar, dinheiro digital, mercado sobe e desce, tudo sobe, tudo cresce, tudo desce, povo sua, povo chora, povo paga, nada tem, nada pode; não conhece sua história, não olha para o passado para construir o futuro, esse povo acredita emtudoevivenoprocessodetentativaeerro,sem reconhecer que os testes já foram feitos e já poderíamos estar na fase da tentativa e acerto. Somos sombras do passado! 3. Habitam zona de conforto: Filosofar pra quê? Você parece louca! Estudaraessaidade,praquê?Vocêtrabalhademais, estuda demais, pensa demais, lê demais! Homem nãogostademulherassim!Voltepracasa!Ninguém quersairdazonadeconforto,aprenderé“boring”!4. Creem que tudo está bem:Talvez sombras também habitem as redes sociais, um mesmo padrão, todos sãosombradealguém,todosiguais,tudocomfiltro, até a cultura tem filtro, frases e livros citados de autoresdesconexos,autoriaequivocada,todosnum padrão social, tudo politicamente correto. ParafraseandoProvérbios(Bíblia)àsavessas:Nada épermitido,mastudoconvémenãoousediscordar, poderásercancelado!
          Sair da caverna é um desafio ignorado por muitosequandoalguémsaiequercompartilharsuas experiências e outra visão de mundo, atualmente, a penaéocancelamentoecomodisseLygiaFagundes
          
    Telles na virada do século: "O duro ofício de testemunhar um planeta enfermo nesta virada do século. Às vezes, o medo. Quando perseguido, o polvosefechanostentáculosesoltaumatintanegra para que a água em redor fique turva e, assim, camuflado, ele possa então fugir. A negra tinta do medo. Viscosa, morna. Mas o escritor precisa se ver e ver o próximo na transparência da água. Tem de venceromedoparaescreveressemedo.Eresgatara palavra através do amor, a palavra que permanece como a negação da morte. Às vezes, a esperança. O homemvaisobreviver,eessacertezamevemquando vejo o mar, um mar que talhou com tanta poluição, embora! Mas resistindo..." Então, na minha simplicidade de iniciante, completaria: Não é possível acender uma vela dentro oceano da ignorância#salettegranato.Tudoaquidescritoéum simples talvez. Quem sou no mito da caverna? Sou aquela que saiu da caverna e vive descobertas diárias! Quem sou no mito da caverna, sem filtro? Observandoahumanidade:Omundoestátãochatoe desinteressante que acabo por querer voltar à caverna, expulsar seus habitantes, levar todos os livrosdomundoparaláeconvidarosolparaochá das cinco, claro, tendo a lua por testemunha, habitandonessenovolugar!
          
    Granato AcademiaJacarehyensedeLetras Cátedranº10–PatronoRoberto DonizetedeSouza 11 LITTERA
        Salette
        
              
              
            
            Participação especial
          c o m e n o r m e Ésatisfação e honra que apresentamos um conto inédito de MENALTON BRAFF, contista, romancista, professor de literatura.
          
    E n t r e d i v e r s a s premiações recebidas e m s u a c a r r e i r a , destacam-se o Prêmio Jabuti, no ano 2000, na categoria melhor livro de ficção, com “À Sombra do Cipreste” e o prêmio Machado de Assis, da Biblioteca Nacional, em 2020, por sua obra “Além do Rio dos Sinos”, como melhor romance brasileiro.
          Professoraepoetisa: VeraFigueiredo
          
              
              
            
            O violinista Participação especial
          
    Aportadoclubeeraumclarãodefestasobreo escurodanoitegaroenta,quandoatravesseiaruamuito perpendicular e apressado, pisando por cima de sua umidade.Malatingiacalçada,oladodelá,medeiconta de uma certa inflexão familiar naquele som que escapavapelasaberturasdosaguão.Nãopelamelodia, uma ária plangente e bela, executada com bastante freqüência por muitos violinistas. Não. O que me pareciafamiliareraaexecução.Euconheciaapenasum violinistacapazdearrancartaissoluçosdasnotasmais graves de seu instrumento, que se alternavam com gritos agudos e lancinantes Em suas mãos, o instrumentotinhaalma.
          Só então me lembrei de que há mais de seis meses,desdeacrisedaOrquestraSinfônica,nãotinha tidonotíciasdoAntenorBraga,seujovemspala.Várias vezes fui visitá-lo no camarim e o encontrava sempre estudando como se fosse aquela sua primeira apresentação. Em minhas críticas no Diário, não me cansava de elogiar o talento que o jovem aliava a um estudomuitosério.Nãoseisemeculpoamimouàvida que levo pelo esquecimento, mas a verdade é que duranteestetempotodomuitopoucasvezespenseino meuamigo.
          Mergulhei de rosto úmido na iluminação que jorrava do enorme lustre central, com suas cristalinas gotaspingentes,eseintensificavanosgrandesespelhos emtodaavoltadosaguão.Entregueioconvitenaporta e entrei, umas rugas de espanto riscando minha testa. Eraumafestadecasamento,meuDeus,acelebraçãode um consórcio amoroso, por que aquela música tão triste,apesardebela?
          Muita gente conversava alegre e distraída no saguãoenquantooutrosjásubiamasescadariasparao salãoprincipal.Erguimeucorponapontadospés,nem assim, de onde estava, foi possível confirmar a identidade do violinista. Imitação tão perfeita do Antenorerabastanteimprovável.
          .Me atirei na corrente dos que pretendiam chegar logo ao salão, movendo-me na direção da escadaria.
          Depésobreoprimeirodegrau,AntenorBraga, ele mesmo, recebia com música os convidados para a festa.Trajearigor,omesmocomquemuitasvezesovi sobre o palco, em noites de gala. O público sim, o públiconãoeraomesmo.Aspessoaspassavamroçando pelo violinista, esbarrando nele sem lhe prestar qualqueratenção.Antenormantinhaosolhosfechados, imaginando-se, provavelmente, em uma daquelas noitadasquefizeramsuareputação.Elenãotocavapara aquelepúblico,eleosmantinhaforadeseuespaço.Ele tocavaparasimesmo,revivendoumpassadoextinto. Pareiemsuafrente,horrorizadocomoquevia, indignadocomacrueldadedodestino:omaiortalento comquecruzeinavidasubmetidoàindiferençadeum público que não era o seu. Cravei-me no granito da escada numa tentativa desesperada de proteger meu amigo de corpos mais pesados, com seus ouvidos de arame farpado. Em alguns momentos esqueci com os cotovelosasliçõesdeboasmaneiras.
          Os últimos convidados subiam a escadaria, a música chegava ao fim. Não aplaudi, não disse nada, commedodoconstrangimento.Depoisdependuraros doisbraços,Antenorabriuosolhos,comosevoltassede umsonho,parecendonãosaberbemondeestava.Olhou em volta, tentando reconhecer aquele espaço tão estranho,atémereconhecerali,amenosdedoispassos. Piscoufundoefirme,enãoconseguiuevitarumaruga, que me pareceu de aborrecimento. Mas não, era pura vergonhaoqueelesentia.Comolharesrápidos,cheios de ângulos, examinou os arredores, procurando lugar onde se esconder Foi o que interpretei de seu visível mal-estar.
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        Antenor Braga, na minha frente e sobre o primeiro degrau da escadaria, sentiu-se acuado, provavelmente, sem poder evitar-me. Então fechou novamenteosolhoseseurostofoiperdendoacor
          Fiquei com medo de que o Antenor fosse desmaiareolheiemvolta,procurandoalgumaidéiade socorro. Com estranha lentidão, ele voltou a segurar o violino entre o queixo e a clavícula, erguendo o arco preso pela mão direita até quase a altura da cabeça. E entãoparou.Seurostodealabastronãotinhamaisvida, apesar de sua expressão de sofrimento: os lábios apertados e imóveis, os olhos escondidos e duas rugas na testa. Sua última reação parece ter sido o desejo frustradodeencolher-se,dedesaparecer.Eentãoparou.
          
    
    
    
    Ao me aproximar, o corpo todo úmido, mas agoradesuor,percebiqueelenãopodiaouvirseunome, queeurepetiaapavorado.Chegueiatocarsuamãocom meusdedos,quesemancharamdebrancocomoseele fossedegesso.
          Ninguém por perto que testemunhasse minha inocência, eu não sabia mais o que fazer. Subir para o salãoefestejarcomosdemais,jánãoconseguiriamais. Avisar ao dono da festa o que estava acontecendo, foi uma idéia que me ocorreu, mas me acovardei, com medodequemejulgassemlouco.
          Omundoperdeuasolidezeeu,oequilíbrio.Os balaústresdaescadariaoscilavam,oclubetodoparecia adernar. Pensei que fosse vomitar e me apoiei no corrimão. Eu ainda não tinha jantado e meu estômago vazionãorespondeu.
          Assimquediminuiuavertigem,vireiascostase fugiparaagaroaescurasemolharumaúnicavezpara trás.
          Já era madrugada quando penso que cheguei a cochilar Nãomelembrodeterfechadoounãoosolhos. Tudo era escuridão e esse detalhe não faria diferença. Até aquela hora, levantei-me diversas vezes: para enxugarosuorquemegrudavaopijamanocorpo,para tomarumanalgésicoquemealiviasseadordecabeça, para tomar um calmante que me livrasse das lembranças da véspera. Talvez tenha dormido meiahora,poucomais.
          Tomei o café que a empregada preparou com muito barulho e desci para comprar os jornais do dia. Nenhuma nota, alusão nenhuma Falava-se do casamento, da elegância de seus convidados e da viagemdosnubentesparaoexterior.DoAntenorBraga, transformadoemrecepcionista,notícianenhuma.Não, nãotinhasidoumaalucinação,poissemelembravade tudo,dosdetalhesmaisinsignificantes.
          Corri ao clube. Passava um pouco das nove quando atravessei a rua muito perpendicular e apressado e não foi sem certo gosto de pavor na boca que dei os primeiros passos no saguão. No pé da escadaria, sobre o primeiro degrau, havia apenas um vaso de cimento muito grande, onde uma cheflera solitárianãopercebeuminhaconfusão.
          Umadasfaxineiraspassavatortacomumbalde namãoepuleinafrentedela.Senãotinhavistonadade estranhoalinoprimeirodegrau.Elameolhoucuriosa, sem entender muito bem minha pergunta, que repeti comnovasexplicações.Porfimamulherseabriunum sorrisomanso,ah,aquelaestátuadegesso.Poisentão,o caminhãodaprefeiturajátinhalevadoparaodepósito.
          Escritor: MenaltonBraff
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        Contoretiradodolivro: ÀSombradoCipreste(1999)
        
              
              
            
            Mitocontos recontados Contos
          I.Sísifo
          Mais um dia e Sísifo saltou da cama.Assim, pois mal amanhecera.
          Pôsnochãoospéscumpridores eimaginou:depoisdo banho tiraria o carro da garagem e faria o mesmo percursodetodososdiasatéoprédiodoescritório. Nocaminho,buzinas.Ogostodocaféaindanaboca. Pensouquesesentiaigualasempre,carregandocomo seumapedraparaoaltodamontanha. E então, inesperadamente para ele próprio, em um cruzamentonuncavisto,mudouopercurso,acelerou. A música do carro estava altíssima, Jesus alegria dos homensdepropósito.
          Desatouonódagravata,afrouxouocinto,desamarrou os cadarços do sapato, jogou a pasta e o celular pela janelaetomouumaestradanuncaantesimaginada. Aofimdela,podeveromarazuldodia;gritou ouvindo o mar, marulho. E riu. Gargalhou sem medo de o tomarempordoidovarrido.
          Abandonandoocarro,pôs-seaandarcomseusligeiros pés, livre como se fosse voar sem nunca ter tido asas, esquecido,leve,ligeiramenteembriagadodealgonovo quejamaissentira:estavalivre,livre. Estavaabsolutamentefeliz.
          II.ÍcaroeDédalo
          Eles se chamavam assim: Dédalo , o pai, inteligente e perspicaz,jáentradonosquarentaanos;eÍcaro,ofilho, ummeninode14,osolhosazuiseocabeloruivo. Não se sabe por que diabos tinham a mesma preferência: jogar um game de nome Labirinto. Um jogoparaquemgostavadefugirdeumbichoesquisito chamado Taurominos, com cabeça de homem num corpodebovino.
          
    O fim do jogo é sabido de todos os habitantes de Colossus, a cidade em que ambos moravam, cujo prefeito era um homem irascível: Cretos. Que fim do jogoeraesse?vocêmeperguntará...
          Quem ganhasse, ah, quem ousasse ganhar, teria que saltar,nuempelo,dasescarpasdeColossusparaomar Ingreu Foi então que Dédalo, que era arquiteto, construiu a primeira asa deste planeta Ground-Earth. Umaparasieoutraparaofilho.
          
    Edeasas,nuscomotinhamvindoaomundo,saltaram sobreoDelta-Egeu.Evoaram,esubiramparapertoda Estrelaenada,nemasas,nempenas,nemceraderreteu. Fugiram para a Ibéria e lá continuam até hoje.
          Inventaram um outro fim para o game: a personagem SeuTeu mata Taurominos no Labirinto e uma aranha chamadaAdriadnefabricaumfioqueteceoutrastantas asas paraquemquerfugir.
          Elá,eugaranto,hásemprealguémnelasinteressado.
          III.ACaixa
          Umdia,DoraPanrecebeuumacaixa.
          Era o presente de Beus para o casamento dela com Piripeteus.Beusdisse:
          -DoraPan,nadadeabriracaixa!Éproibido.Sódepois docasamento,hein?
          Umdia,bemantesdocasamento,ficoucuriosa,abriua caixa proibida e dela saiu a Esperança que povoou e repovoou a Terra e encheu de alegria o coração dos homens.
          Osmales,todos,ficaramdentrodacaixa. Comoésabido,oBemsemprevenceoMal. Pontofinal.
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        EstherRosado: Psicanalista,professora,ocupaa cadeira17,Profa.Philomena Pinheiro,daAcademia
          JacarehyensedeLetras.
          
              
              
            
            CONTINHOS
          
              
              
            
            João e o Passarinho
          OflautistaJoãogostavadetocartodososdias pelamanhãemseujardimapreciandoosoleos passarinhos. Umdiaumpassarinhopousouemseu ombroeficouvendoeletocar.Qualnãofoisua surpresaquandoopassarinhocomeçouacantarno mesmotomdasuaflautaeaomudardetomo passarinhotambémmudavaseucanto.Joãoeo passarinhoencantavamavizinhançaquecomo passardotempoformavaatéplateiaparaouviro duetodoJoãoeopassarinho.Masoburburinhoeos aplausosdosvizinhoscomeçaramaincomodar Todospediamumshowemumlugarmaior,poisera impressionanteaparceriadosdois.Depoisdemuita insistência,Joãoaceitouoconviteparafazerum únicoespetáculonoginásiodacidade.Oespaço lotou,tinhagentesentadaeempé,nasgaleriaseaté penduradanomurodoladodefora.Osdoisnão decepcionaram,arrasaram,levaramaplateiaàs lágrimas.MasdepoisdissoJoãovendeusuacasae comprououtrabemmaismodestanomeiodafloresta ondepoderiatocarsuaflautasossegado,na companhiasomentedoseuamigopassarinho.Mas qualnãofoisuasurpresaaoperceberqueaoredor estavaseformandoumanovaplateiadestavezde passarinhosmalocadosnosbarrancos,notelhadoda casaenosgalhosdasávoresaoredor.
          A princesa Cecília
          AprincesaCecília,quemoranumailhaegosta deervilha,écomoumaestrelaquebrilha. Étodadelicada,tãoamada,paraelaoamor bastava.Háquemdigaquechoravaquandodos bichosalguémjudiava,entristecia,eseucabelo arrepiava,oolholacrimejavaeeravaiaqueseouvia. Eumdiaquemdiria,ficoumuitoirritadacomaquela garotadaearmouumaciladapraquemdelazombava. Combinoucomospassarinhosdeacordarbem cedinhoefazerumarevoada,sobreaquelelugarzinho aondeiaameninada.Seoplanoeraassustar,saiu tudoperfeitoeagoralánailhaosbichostêmo respeito,ninguémusaestilingueeosninhossão preservados,osmeninosbrincamjuntocomosbichos sossegados.
          
              
              
            
            Marquinho e o olho roxo
          ‒Marquinho,porquevocêestácomoolho roxo?
          ‒Porqueummarimbondovalentãome agrediu.
          ‒Eporquevocênãorevidou?
          ‒Porqueestavacomaganguedeleeeram muitos,todosparecidos,nãodescobriqualdeles me agrediuenãogostodebatereminocentes.
          ‒Ora,porquenãomechamou?
          ‒Paraquê?
          ‒Prapassarumapomadinha!
          Escritora: JoanaAranha
          16 LITTERA
        
    
    
    
    
    
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            O CURUPIRA
          Aonçajáestavaacuadapeloscãesda fazenda.OCoronelGomes,ocapatazGeraldoe oescravoZéseaproximamcomsuas espingardas.Aflorestaeradensaeescura.O coronelgritou:
          —Amalditaéminha!
          OTirodaespingardadocoronelsefezouvir emtodaamata.Ostrêscaçadoresseaproximaramdo felinomorto,umdoscãesmordeuaorelhadaonça,o capatazochutouedisse.
          —Vai estragar a pele do coroné! Bicho madito!
          O cão ladrou, os outros três cães o acompanharam nos latidos tristes e doloridos aos ouvidos.Zédisse:
          
    —Parecicoisadocapeta.
          —EstenegóciodeCapetanãoexiste!Disseo Coroneldandoumtiroparaoalto.
          Os cães correram para dentro da floresta, e emtomaltodisse.
          — Arranque o couro da bicha, pois, a noite estácaindo!
          Ocapatazseaproximoudofelinomortoedo cinto retirou sua faca e no momento que ia fazer o corte.Algosegurousuamão,eraumgalhodeárvore, e com a faca tentou cortar outros galhos que iam se entrelaçando. Sua faca soltou-se de sua mão. O coronel e Zé tentaram correr, mas seus pés estavam presos por raízes. E o responsável, finalmente, apareceu,tinhadoismetrosdealturaseucabeloera um tipo de planta avermelhada. Seu corpo parecia ser feito de carne e madeira, em grande parte, era cobertoporfolhas,eparafinalizaradescrição,ospés eramviradosprátrás.
          —Éocurupira!DisseZé,apavorado!
          Oserdaflorestaseaproximoudaonça,tocou aferidaeamesmasefechou.Orabobalançoudeum lado para outro. O animal se levantou e correu para dentrodafloresta.
          Elesevoltouparaocoroneleomesmoestava com a espingarda em punho, e mirou na cabeça do senhor da floresta. O curupira sorriu. Seus dentes eram como os espinhos das árvores, um sorriso demoníaco, e o coronel disparou sua espingarda. O tiro acertou na cabeça e o gigante caiu. O coronel respirou,tirouumafacadocinto, ecomeçouacortarasraízesqueprendiamseuspés, nesteinstanteZégritou:
          —Coroné!Elelevantô!
          Com sua espingarda o coronel atirou até acabar a munição. O curupira se aproximou e arrancouaespingardadocoroneleaquebroucomas mãos.ComaexpressãodeódiosevoltouparaZé.O escravojogousuaespingardaparabemlonge.
          Comoscantosdosolhosogiganteolhoupara o capataz e os galhos que o prendiam começaram a apertar, e em alguns segundos suas pernas estavam quebradas.Osgalhosqueamordaçavamsesoltaram e os gritos de dor ecoavam seus braços também se quebraram. Ele desmaiou e, finalmente, o tórax foi esmagado.Então,foilevadopelosgalhosparaalgum lugardafloresta.
          — Monstro! Disse o coronel! Hoje vou morrer! Você mata sem dizer uma palavra! Você é igual à floresta, talvez seja o espírito dela. Eu vou morrer! Mas não pense que vai sair vitorioso, já tenho tudo planejado, meus filhos vão derrubar árvore por árvore desta mata e abater todos os animaissilvestresequandoaúltimaárvorecair,você vai morrer! Não existe espírito sem corpo! E Tudo issovaivirarpastoparagado!
          OcurupirasorriueolhouparaoescravoZée as raízes que o prendiam retornaram ao subsolo. Zé ficouparadosemsaberoquefazer,ecomumpequeno rosnado do curupira o fez correr para fora da floresta emdireçãodafazendadocoronel.
          — Você quer que ele conte a história do curupiraquevenceuocoronel?
          18 LITTERA
        E OS FILHOS CO CORONEL
        Nestemomento,ocurupiraagarrouocoronel com as duas mãos e o levantou. As raízes se arrebentarameospéssequebraram.Eleolevouatéa maior árvore das proximidades, o encostou a ela, galhos começaram a brotar em torno do coronel, o seucorpofoipresoeapenasseuolhoesquerdoficou visível. E o manto negro da noite caiu. O curupira deualgunspassosparatrásesetransformouemuma belaárvoredefloresavermelhadas.
          Outro dia nasceu! Zé e os três filhos do coronel entraram na mata. O escravo mostrou exatamente onde tudo aconteceu, mas nada havia alémdegalhosquebrados,
          —Éaqui!Tenhoceteza!Ocoronétavapeso aquieocapatazfoimortoali!
          Osfilhosdocoroneleramdepelebemclarae cabelos negros. João Pedro, o mais velho e o mais baixoestudoudireitoemLisboaesóvoltouquandoo seu pai parou de enviar-lhe sua mesada. Carlos, o filho do meio, fez várias faculdades em Paris, não terminounenhuma.JáAntônionuncafoiàfaculdade trabalhou sempre com o pai, administrando as lavourasdecafé.
          — Éaqui! DissenovamenteescravoZé!
          — Zé!Setáenrascado!-DisseAntônio.
          — Estahistóriadecurupiraéinventada!
          — Éverdadi!Ocoronétavapesobemaqui comraiz!
          — Uma sucuri ou uma onça a gente até acredita,mascurupira... DisseJoãoPaulo.
          — Zé! Desde criança éramos amigos. Já encobrimuitacoisaerradaquetufizeste,masagora nãotemcomotedefender.-DisseAntônio.
          —Eujuro,foiocurupira!
          —Zé!Achoquevocênãomatouonossopai! Masfugiuquandoobichoatacou.-DisseCarlos.
          —Sinhosinhoséverdadi!
          —Vou te ajudar, Zé. Tá vendo aquela montanha?Láexisteumquilombo.Láosnegrossão livres.DisseAntônio.
          
    —Quero ficá! Quero trabalhá na fazenda do coroné!
          —Zé! Tu queres ser enforcado! - Disse Carlos.
          —Sempre na direção da montanha. - Disse Antônio.
          E Zé partiu em direção à montanha, ao quilombo,comlágrimasnosolhos.Ocoronelpreso dentro da árvore viu a tristeza de seu escravo, ao partirparaaliberdade.
          —NossoirmãozinhoAntônio,republicanoe abolicionista!-DisseCarlos
          — Se ele voltasse para a fazenda, seria enforcado pelos funcionários de nosso pai.RespondeuAntónio.
          —Eseovelhovoltar? -PerguntouCarlos
          —Ele não volta! - DisseAntônio. Ele não temidadeparaenfrentarafloresta.
          — Agora é só dividir a fortuna do velho! DisseJoãoPedro.
          —Eafazenda?-PerguntaCarlos
          —Vai ser muito difícil vendê-la! É distante de tudo! Deixa para o curupira, que é melhor para todos.FinalizaAntônio.
          Eostrêsfilhosretornaramparaafazenda.O coronel, preso pela árvore, viu e ouviu toda a conversadeseusfilhos.Aárvoredefloresvermelhas voltouaserocurupira,eseaproximoudaárvore,e olhou o avermelhado olho esquerdo do coronel por alguns segundos, e partiu para dentro da floresta. O corpo do coronel morreu de fome dentro da árvore.
          Contista: PedroPaiva
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            “CriaturasdaNoite”
          Composição:FlávioVenturini/LuizCarlosSá.
          https://www.youtube.com/watch?v=SuPn-lHqPJY
          Noite de inverno. Mabel sai do trabalho no mesmo horário em que os estudantes terminam suas aulas. Faz muito frio. Todos os que estão na rua provavelmentegostariamdeestaremoutrolugar Um colega a deixa perto do ponto de ônibus. Despedidas cordiaisemecânicas.Atravessaapraçaescura,atrásda luz que não acha. Resiste ao desejo absurdo de correr atéaavenidamenossombria,comosetivesse10anos novamente. Se fizer isso, vai ser vista como louca e chamaratençãodetodos.
          Pessoasnacalçadaformamumpequenogrupo. Quase ninguém conversa. Há as luzes das telas de celulares, filtradas pelo branco da neblina fina que começa a cair. Ela se sente, por alguns segundos, num filme noir francês. Mas logo volta à realidade. É uma trabalhadora cansada, ainda usando o uniforme do supermercado,longedecasa,numanoiteincomumente gelada.Nessemomento,avisãodoparaísoéumprato desopaquente,umcobertormacioeachancededormir algumas horas, depois de ver TV Há alguns anos, na adolescência,jamaisimaginariaqueoÉdenpoderiaser construídocomtãopouco.
          Observa as criaturas ao seu redor. Casacos, blusas grossas, gorros, cachecóis. Por alguma razão, fica evidente que quase nunca usam essas peças, que aquela paisagem e aquele momento é uma exceção na vida de todos, apesar de serem pessoas comuns, terminando uma terça-feira igual a tantas outras... Seu ônibus enfim surge ao longe...Mabel se sente aliviada, ao mesmo tempo com a incompreensível sensação de estar perdendo algo, deixando para trás uma preciosidadequejamaisserárecuperada.
          DACANÇÃONASCEUMCONTO Professoraepoetisa: VeraFigueiredo
          No ônibus, olhares de alívio e cansaço, a doce pazdamissãocumprida.Mabelsesentaaofundo,perto dajanela.
          Observa as lâmpadas das ruas, a névoa formando um halo em seu entorno. O ônibus para noutroponto,maispessoasagasalhadas,encolhidas.Vê um casal jovem que parece discutir, com gestos incisivos. Imagina tratar-se de outra cena de filme, de personagens que depois chegarão a um final feliz, previsível. Um rapaz alto, carregando uma mochila pesada,senta-seaseulado,masparecenemaperceber, absorto naquilo que ouve pelos fones. O romance que Mabel imagina, iniciado numa estranha noite de inverno,nãovaiacontecer...
          
    As ruas da cidade vão ficando para trás. As criaturas da noite descem uma a uma, com enorme expressãodealívio.
          Chega a vez de Mabel. O coletivo se aproxima doponto.Mabelrefazmentalmenteoroteiroquesegue todasasnoites:andardepressa,carregarabolsajuntoao peito, fazer uma oração silenciosa, ter as chaves nas mãos antes de chegar ao portão de casa. Carrega um celularbarato,obatomcereja,umbombomamassadoe umanotade10.EtemacópiadoRG.Seforroubada,os prejuízos serão pequenos, pois foram calculados e preparadoscomantecedência.
          Amoçasobeaviela,quasecorrendo.Pensanos pais, no irmãozinho. Falta pouco agora. E, por um segundo,elatemainexplicávelsensaçãodequeperderá algoparasempre...
          Diante do portão, Mabel vê Diego, o irmão menor.Abreoportão.Antesdeentrarefecharaporta, olha pela última vez para a noite gelada lá fora, como paraumsonhoquelogovaisedissipar.
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            AS FRONTEIRAS SE DILUEM
          E comum que professores de literatura ouçam de seus alunos as perguntas: “Isso que eu escrevi é um conto?” ou ““Como eu classifico esse texto?”, “O que eufaçoparaessetextovirarumacrônica?”
          
    Temos a necessidade de enquadrar nossos escritos numformato,daraelesumafamília,umaclassificação. Ao analisar essa questão, devemos entender que primeiro nasceram os textos. Depois disso, foi feita a classificação.Ouseja,alivrecriaçãoliteráriaprecedeo enquadramento em determinado modelo. E nem sempreépossíveldelimitarumúnicogênero.
          Tomemos como exemplo o capítulo inicial de Iracema, de José de Alencar, clássico do nosso Romantismo, em que encontramos uma prosa que se mistura claramente à poesia, sem que saibamos onde cadaumacomeçaoutermina:
          “Verdes mares bravios de minha terranatal,ondecantaajandaianas frondesdacarnaúba;
          Verdes mares que brilhais como líquida esmeralda aos raios do Sol nascente, perlongando as alvas praiasensombradasdecoqueiros.
          Serenai verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco aventureiro manso resvaleàflordaságuas.
          Ondevaiaafoutajangada,quedeixa rápida a costa cearense, aberta ao frescoterralagrandevela?
          Onde vai como branca alcíone buscando o rochedo pátrio nas solidõesdooceano?”
          GÊNEROS
        TEXTUAIS:
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        Dificilmente, portanto encontramos um texto em queapenasumgêneroéidentificável,poisosformatos se mesclam, e um gênero serve como suporte a vários outros. Podemos colocar um poema numa carta. Ou umareceitadebolo.Talvezumaletradecanção.Num romance,háumainfinidadedesubgênerosenvolvidos.
          
    Cabefazermosaquiumaimportanteobservação: esseraciocínio,obviamente,nãopoderiaseraplicado atextoscientíficosoulegais,porexemplo.Umabula deremédionãopodeconterumpoema.Umlivrode Químicanãopodeserescritodamesmaformaque umdeFilosofia.EaredaçãodoENEM,queexigeum textodissertativo-argumentativo,nãopodetrazeruma narrativa.Quandomencionoessadiluiçãoentreas fronteirasdegêneroselinguagens,refiro-me especificamenteaotextoartístico,literário,cujo objetivoéessencialmenteestético.
          Aliteraturamodernacontribuicadavezmais paradissolveressasfronteirasentreosgêneroseas linguagens,pois,comasmídiasdigitais,novos gênerossãoconstantementecriadosemodificados, numprocessocontínuo.Temosblogs,postse stories emredessociais,comentáriosemsitesdenotícias, fóruns,e-mails,obraslançadasemplataformasde autopublicação. Ocorretambémcommaior frequênciaatransposiçãodeumgêneroparaoutro. Se,porexemplo,otextodeumblogpassaacompor umoutdoor,jápertenceaoutrogênero,poisas intençõescomunicativasserãodiferentes.Textos jornalísticosviram posts nasredessociais,ou podcasts.Imagens,palavrasesonsseunempara comporlinguagensinusitadas.
          minicontos, por exemplo, aproximam-se da linguagemvelozemutifacetadadainternet,aindaque mantendooselementostradicionaisdotextonarrativo (personagens, enredo, narrador, tempo e espaço) Poesia e prosa se misturam. Novos formatos são experimentados. Alguns permanecem. Outros, serão descartados. Vivemos a era do instantâneo, do fugaz. Muitoseproduz,epoucopermanecerá.
          Ou seja: os gêneros textuais não devem ser vistos como camisas de força. Na criação literária, a liberdade é elemento primordial. Se você escreve literatura, deixe que seu texto nasça livre. Naturalmente, seu estilo se encaminhará para um determinado gênero, se essa for uma característica de sua criação. E você se descobrirá contista, cronista, poeta. E ainda, dentro do vasto campo da poesia, poderá se identificar com o soneto, o haicai ou, quem sabe, com os versos livres permita-se explorar livremente as possibilidades. A literatura lhe permite fazer essa viagem, que é só sua, e trazer dela os elementosquesóvocêpodeescolher...boaviagem!
          Os
        Professoraepoetisa: VeraFigueiredo 22 LITTERA
        PONTILHADO
          Nos teus olhos vejo pontos, Pedaços incompletos, Frases soltas de um conto, Sem caminho ou rumo ce o.
          Em você há um espaço, Que eu não posso alcançar, Um caco, um estilhaço, A metade de um luar.
          
    Aexistência descrita em poesia, rimasecores,pelosolhosdeuma jovem dos anos 1980. As experiências,angústias,sonhose divagaçõesdealguémque,naera pré-internet,ouveLegiãoUrbana e U2, enquanto mergulha na literatura e dela faz o seu caminhoeasuarazãodeexistir. São poemas intimistas, mas universais; doces, mas rebeldes; rimados,maslivres;antigos,mas atuais.
          CEREJAS Pelas cerejas
          Escorre o licor... É sangue escarlate, Não mais chocolate. O sumo escorreu, Seu rumo perdeu... As frutas pequenas São vivas, apenas, Reluzem vazias, Assim como eu.
          h ps://www.amazon.com.br/JUVEN%C3%8DLIA-Vera-Figueiredoebook/dp/B07W87QFJR/ref=sr_1_1?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5 %BD%C3%95%C3%91&crid=1ESQWGXW736SP&keywords=Juven%C3%ADli a+vera&qid=1642994223&s=digitaltext&sprefix=juven%C3%ADlia+vera%2Cdigital-text%2C286&sr=1-1
          
    
              
              
            
            Entrevista especial PAULO LINS
          
    Quandoaliteraturaentrouem suavida?
          Quandoeracriançaosmais velhoscontavamhistóriasna calçadadenoitenarua,meus pais,meusavós,osvizinhos! Contavamhistóriasefoiaí quemeapaixoneiporhistória, porliteratura.Erabem criançanãotinhatelevisão, computador, nãotinha internet,nãotinhanadadisso eouviahistóriasdosmais velhos,quecontavamparaa gente.
          Comovocêvêaimportância daliteraturaearteemgeral navidadaspessoas?
          Aarteépara desenvolvimentohumano,é paravocêseconhecere conhecerooutro,aarteéa verdadehumana,não necessariamente! Fernando Pessoadiziasenãoseise poesiaoufilosofia,ea filosofiaéaverdade,verdade humana,verdadedaquelas coisasquevãoficarevaiser verdadehoje,foiverdadea duzentosanosatrás,evaiser verdadedaquiaquinhentos anos,aliberdadeabsolutade cadaserhumano, Apoesia..a arteéparacontrolarseus sentimentos,paravocêse colocarnolugardooutro,é paravocê seenxergar na sociedade,que,mesmoem todasdiferenças,vocêéigual aoutroserhumano!aoutro serhumano!
          FernandoPessoadizia senãoseisepoesiaou filosofia,eafilosofiaé averdade,verdade humana,verdade daquelascoisasque vãoficarevaiser verdadehoje,foi verdadeaduzentos anosatrás,evaiser verdadedaquia quinhentosanos
          Vocêacreditaqueépossível todapopulaçãoteracessoà literatura?Oquepodeser feitoparaqueexistaesse acesso?
          É...também,sefizesseisso,o mundoseriabemmelhor,não sóliteratura,mastambém ensino,domodogeral,o estudodomodogeral,ser dadoparatudomundo,étudo quenóstemos:umavisão socialistadascoisas,éque todomundotenhaacessoà escola,aoensinodeboa qualidade,quetodasas criançastenhamodireitoe possamterdireitoepossam ter(direito)aoensinoescolar formal
          Comofoiversuavivência realsendoconhecida, primeiramente,emseulivro, CidadedeDeus,edepoisnas telas?
          Foiumarealização,émuito difícilvocêpublicar,émuito difícilvocêfazerumfilme, umfilmeéumacoisadifícil derealizar. Émuitocaro, envolvemuitagente,entãofoi umarealizaçãomuito confortável,muitoboa,que aconteceucomigo.Foium resultadodeumesforço muitogrande!
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        Depoisde25anosdeCidade deDeus,comoéasualeitura davisãodapopulaçãoem relaçãoasuaobra?
          
    Naverdademinhaintenção quandoescreviCidadede Deuseradiminuiraviolência, Naverdadeeunãoiaescrever umromance,eunãoiafazer umaobradearte,euiafazer umtrabalhodeantropologia. Comonãotinhamuita experiêncianalinguagem antropológica,euescreviem romance,queeramaisfácil paramim,maseuescrevi CidadedeDeusparadiminuir aviolência!Queas autoridadestivessemoacesso (aotexto)...ediminuira violência!
          Qualaimportância,nosdias dehoje,abordarotemada vidanaperiferiaemseus roteiros? Éjustamenteomesmo intuito,aartecomo funcionandocomomissão,o queagentequerédiminuira pobreza,terquetodostem queteracessososbens matériasnecessáriosparaque vocêvivaconfortavelmente,o processodequemfazeste trabalhoéisto,seromelhor trabalhoouganharprêmios,é vocêpegarasociedadee combateradesigualdade sociais!
          Comummundoatualcom tantospreconceitos,quala importânciada representatividadeemobras literáriasatuais?
          Quemlê,apessoaquetem umhábitodeleitura,vaiter umaconsciênciapolíticabem maisapurada,Issoéfato!A nossagrandepreocupaçãoé quealiteraturachegueamais pessoas,nãosócomo entretenimento,mascomo umaquestãopolítica,paraa pessoaterconsciênciadesi mesmoedasociedadeaoseu redor!
          Naverdademinha intençãoquando escreviCidadedeDeus eradiminuira violência,Naverdade eunãoiaescreverum romance,eunãoia fazerumaobradearte, euiafazerumtrabalho deantropologia.
          Vocêacreditaquealiteratura deveriaestarnasescolas, criançaslendodeacordo com suafaixaetária;osjovens, no ensinomédio;criarum incentivomaiordentrodas escolas?Amãeeopainão leem,dificilmenteofilhovai ler?
          Euconcordocomvocê,deve termaislivro,maisdebate, maissemináriossobre literaturanasescolas, presençadeescritores;os escritoresdeveriamiraos colégios,ogovernofinanciar isto,oestadofinanciaraida deescritoresparaconversar comascriançasparaterem maisconsciênciacrítica!
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        Comoéfeitootrabalhodo escritorparaaproduçãode umanovaobra?
          Vocêtemqueacostumarcom estaideia,geralmentepode demorarmuitotempo,pode seràsvezesdeumahorapara outra,vocênãotemcontrole sobreisso,umacoisaque podedemoraranos,podeser deumahoraparaoutra,muito relativo!
          Omercadoeditorialme parecehojemuitomais fechado,sefacilitoumuito paraescrevercoma informática,muitagente escrevendoepoucaseditoras querendopublicaralgonovo! Queincentivovocêdariaao novoescritor?
          Quaisasmídiasvocêainda pretendeatingircomseus roteiroselivros?
          Quenuncadesista!Sempre foidifícil!Nuncafoifácil publicarumlivro!Seapessoa gostarmesmodeescrever,ela nuncapodedesistir!Na verdadeosescritoresnunca desistem,elesvãocontinuar, elesnãovãodesistir,os escritoresnãovãodesistir! Entãoeunãotenhoconselho nenhum,porquequemgosta deliteraturanuncavai desistir!
          Tudoqueforliteratura,for meiodecomunicação, audiolivro,livroescrito, televisão,cinema,internet, vouusartudoparamostraro meutrabalho;oqueeupuder usar
          Existealgumtemaquevocê aindagostariadeabordarem seustrabalhos?
          Não!Nãotemtema especifico,oqueaparecereo queforimportanteno momento,issovaimuitoda épocaqueagenteestá vivendooualgumacoisaque aconteçanaminhavida, talvez,pegueissopara escrever!
          
    Quenuncadesista! Semprefoidifícil! Nuncafoifácil publicarumlivro!Sea pessoagostarmesmo deescrever,elanunca podedesistir!Na verdadeosescritores nuncadesistem,eles vãocontinuar,elesnão vãodesistir,os escritoresnãovão desistir!Entãoeunão tenhoconselho nenhum,porquequem gostadeliteratura nuncavaidesistir!
          Roteirodaentrevista: GabrielaPaivaNogueira ePedroPaiva
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        O leitor atento se surpreende e comemora, ao perceber que a protagonista é contemplada com umaliçãodevaloresnãoefêmeros, que se quer ensinar à sociedade, geração após geração. São eles o respeito,aalteridadeeaempatia.
          O livro é um presente para jacareienses e estrangeiros. Além de mostrar que as ciências física e matemáticapodemcontribuirpara transformar o passado num presente melhor, deixa o leitor curiosoparaentendermaissobrea vidadeLetícia.
          
    Mitosbrasileiroscontadosemumoutroformato que nos levam a uma época remota e nos mostram figuras que fazem parte do imaginário coletivo: o coronel, os escravos, os índios, a mocinha bonita, o rapaz que volta da cidade, formado, para a casa dos pais. No meio disso tudo, um mosaico rico dos sentimentos e elementos que compõem a existência humana: amor,medo,morte,desejo,hipocrisia,ganância, maldade, vingança, arrependimento. Nas entrelinhas,críticassociaisimportantes.Nacena emqueorapazvaiaomanicômio,porexemplo, e encontra ali pessoas que simplesmente não eramaceitaspelasociedade.
          h ps://www.amazon.com.br/Meus-P%C3%A9s-Virados-CaminhamDificuldade/dp/6500104544/ref=tmm_other_meta_binding_swatch_ 0?_encoding=UTF8&qid=1643155208&sr=1-1
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            Prometeu
          Doqueadiantaapromessainfundada?
          Doqueadiantaaplantaçãomal-cuidada?
          Doqueadiantaoamor?
          Senavidavocêescolheuserummeroator.
          Seaperdanãoteressuscita, Seeuestoutãoabatida, Seoseucorponãomaisrespira, Diga-meoqueaindatemotiva.
          Senaescuridãovocêseperdeu, SeaalegriasetornouseuPrometeu*, Senahistóriavocêéojudeu…
          
    Porquedizesqueoseucastigosoueu?
          Agoraeusoudor,masjáfuiamor
          Eu—suaalma—estoutentandoentender Porqueaosofrimento, Vocêdecidiuserender.
          *Mitologiagrega
          DéboraTeodoroSouza
          EnsinoTécnicoemQuímicaIntegradoaoMédio
          EtecCônegoJoséBento-Jacareí
          
    LITTERA
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            A inconstância
          Napequenasacadademinhacasa aosventosdanoitegelada estoudepéobservandoohorizonte sobospingosdachuvainconstante
          Oefêmeroreflexodosprismascelestes juntoàsluzesdosinfindáveispostes comosaltosastrossemterrestreelo tristecenárioqueparamimétãobelo
          Porqueéanoitesinônimodetristeza
          Seencontramosdescansoemsuagrandeza?
          Porquesãoosastrosenvoltosemescuridão sedaluzastrevastêmaversão?
          Porqueéovermelhosinônimodefúriaeódio
          Setambéméamorecuidado?
          Porqueéachuvadepressiva
          Senaáguaedaáguasefaznasceravida?
          Qualseriaomotivodasduplicidades? aténossoplanetaseparamosemduasmetades Comoseriaobom,ruim?Ouaalegria,tristeza?
          
    Talvezarespostaestejaemnossanatureza
          Porqueéaluzafonteinefáveldaverdade
          Seamesmacega,aoSolconcedevaidade.
          Ahipocrisiadavidaestánoolhar,napequena lente masaculpanãoédela,poiselanãomente aculpaestánoprocesso,nainterpretação
          Emcomoomundoécompreendido,anossa visão
          Oolharnegativoéfoice,terrívelfuracão destróiedivide,espalhailusão porissoeuescolhoaboaparte comarazão,vejodoUniversoasuaarte
          GabrielCarneiro
          EnsinoTécnicoemQuímicaIntegradoaoMédio EtecCônegoJoséBento-Jacareí
          
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