Revista LITTERA N4

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LITTERA

Contos

Poemas

Entrevistas Crônicas

Lygia Fagundes Telles, desarrumando as nossas certezas

LITERATURA SEM

FRONTEIRAS

Escritores: DionísioMuzime

RanjithPostma

Parceria entre a LITTERA e “Cônego José Bento”. As produções dos jovens constituem um interessante mosaico de gêneros e tramas, que dão voz aos dilemas, percepções e questionamentosdesuageração.

Participaçãoespecial: Umcontode MenaltonBraff

EntrevistaEspecial comPauloLins, autorde“Cidadede Deus”eroteiristada TVGlobo

REVISTA Nª 4

Trazemos ao público a 4ª edição da revista LITTERA, que, a partir de junho/22,passaráaterperiodicidadetrimestral.

Comodestaquesmaisqueespeciais,temosumaentrevistaexclusivacomo escritor Paulo Lins, autor de “Cidade de Deus”, obra que deu origem ao filme internacionalmente conhecido. E ainda um conto inédito do escritor gaúcho Menalton Braff, vencedor do prêmio Prêmio Jabuti, no ano 2000, na categoria melhor livro de ficção, com “À Sombra do Cipreste”, e ganhador do Prêmio Machado de Assis, da Biblioteca Nacional, em 2020, por sua obra “Além do Rio dos Sinos”, como melhor romancebrasileiro.Doisgrandesmestres,dediferentesvertenteseestilos...

Naseção“DicadeLivros”,CamilaNavarroMottanosrecomendaumaobra da escritora estadunidense Patricia Highsmith, autora de thrillers magistralmente construídos.Ótimaleituraparaasfériasdejulho...

Em“LiteraturasemFronteiras”,leremosumcontodoescritorholandês RanjithPostma,traduzidoporJanOldenburg.Eaindacontamoscomacolaboraçãode DionísioMuzime,autormoçambicano,comdoisbelíssimospoemas.

Temos ainda como colaboradoras convidadas a escritora, professora e psicanalista EstherRosado,quenosfaladaobrafenomenaldeLygiaFagundesTelles, escritorafalecidarecentementeequeficarácomolegadoeinspiraçãoparaaspróximas gerações de escritores; Esther também assina dois “Minicontos Recontados”, em que refaz com brilhante originalidade três conhecidas narrativas da fascinante mitologia grega. E contamos ainda com o artigo da professora, redatora e escritora Salette Granato, com um texto questionador, sobre a importância do livre pensamento, do aprendizadoconstanteedapráticado“filosofar”.

É um conto ou uma crônica? Vera Figueiredo abre uma interessante discussãosobreasfronteirasentreosgênerostextuais,cadavezmenosmarcadas. Numapaletadecores,estilos, gêneroselinguagens,temosproduçõesde AdilsonRocha, AlisonSilva, AndréSiqueira,CarlosBuenoGuedes, CecíliadeAbreu Dellape, Joana Aranha, Larissa Ferreira, Pedro Paiva, Róbinson da Silva e Vera Figueiredo.

E,fechandoessaedição,apresentamosasproduçõesdosjovensestudantes daETECCônegoJoséBento:DéboraTeodoroSouza,GabrielCarneiroePedroPauloda SilvaMoraes.

Esperamosqueapreciemepermaneçamconosco!!Atéoutubro!

Oseditores:

PedroPaiva

VeraFigueiredo

EDITORIAL – Julho/2022

ÍNDICE

24

Entrevista especial PAULO LINS

Lygia Fagundes Telles, desarrumando as nossas certezas

04

Poemas

VITAL - 08

LARISSA FERREIRA

OLHOS DO VER E

RE-VERSO DO VER - 08

CARLOS BUENO GUEDES

ISTO - 09

ALISON SILVA

SUICIDÁRIO - 09

PEDRO PAIVA

VERMELHO - 09

Contos

MITOCONTOS RECONTADOS - 15

ESTHER ROSADO

CONTINHOS - 16

JOANA ARANHA

O CURUPIRA E OS FILHOS DO CORONEL18

PEDRO PAIVA

CRIATURAS DA NOITE - 20

VERA FIGUEIREDO

Crônicas

A TRAJETORIA - 33

ADILSON ROCHA

OLHA O GÁS - 34

PEDRO PAIVA

UM PASSEIO PELO PASSADO - 35

CECÍLIA REGINA DELLAPE

PRIMEIRO BEIJO - 36

ALISON SILVA

UM FIM DE TARDE PELA 5ª AVENIDA - 37

RÓBINSON DA SILVA (ROBINHO)

Escritorde “Cidade eDeus”e roteirista daGlobo.

Participaçãoespecial: Umcontode MenaltonBraff

13

GÊNEROS TEXTUAIS: AS FRONTEIRAS SE

DILUEM 21

Analogia contemporânea 10

Parceria entre a LITTERA e “Cônego José Bento”.As produções dos jovens constituem um interessantemosaicodegênerosetramas,quedão vozaosdilemas,percepçõesequestionamentosde suageração.

Dicas de Literatura

Pacto Sinistro

PatriciaHighsmith 32

LITERATURA SEM FRONTEIRAS

ESCAPE 39

RANJITH POSTMA

FALAR DE AMOR 42

DIA DA CRIANÇA 42

DIONÍSIO MUZIME

O MITO DA CAVERNA

Lygia Fagundes Telles, desarrumando as nossas certezas

“Ela escreve desarrumando nossas certezas, expondo nossos preconceitos, medos e desejos, às vezes sombrios, perversos e insanos, mas necessários para mostrarquesomoscapazesdosatosmaishumanose,ao mesmo tempo, vis e cruéis. Com isso, a autora fala da almahumana,darededeobstáculoscomqueohomem sedeparadiantedavida,domundo.”

(SuênioCamposdeLucena,professordaUNEB) Jáháalgumtempo,emalgumlugardanet,estavalendo umartigodoprofessorSuênioCamposdeLucena, da UNEB, quando deparei com o trecho que reproduzi acima.Aexpressãomaisencantadoradoartigoeraessa: “Ela escreve desarrumando nossas certezas( )”

Continueialerváriosartigos,masaquelaexpressãodo Lucenanãomesaíadacabeça.

Há muito conheço a obra de Lygia Fagundes Telles, mortanoiníciodestemêsdeabrilde2022,masnunca gostei tanto dela como agora, leitora contumaz que sou, apaixonada por literatura que sou. Leio sobre Lygia, a autora,oserhumano, e chego cada vez mais à conclusão de que deveria tê-lo feito há muitos e muitos anos. Reli, por esses tempos, o seu livro de contos AntesdoBaileVerde. Sempre imagino que este livro guarda as suasobras-primasno gênero conto: O menino-exemplardesvendamentodanaturezahumana, surpresaseangústiasdoviver-,OmoçodoSaxofone,A caçada – inquietante e bela narrativa – O Jardim Selvagem,Venhaveropôr-do-sol,Osobjetos. “Elaescrevedesarrumandonossascertezas(...)”Belae

“Finalmente pousou o olhar no globo de vidro e estendeuamão.

‒Tão transparente. Parece uma bolha de sabão, mas sem aquele colorido de bolha refletindo a janela, tinha sempre uma janela nas bolhas que eu soprava. O melhor canudo era o de mamoeiro. Você também não brincavacombolhas?Hein,Lorena?

Ela esticou entre os dedos um longo fio de linha vermelhapresoàagulha.Deuumnónaextremidadeda linha e, com a ponta da agulha, espetou uma conta da caixinhaaninhadanoregaço.Enfiavaumcolar ‒Quefoi?”

Uma cena e o leitor se sente instigado a continuar. O narradortambéméinstiganteeapresenta-seemterceira pessoa onisciente: tudo vê, traz à tona todas as sensações das personagens, sentimentos fundos e imensagamadeemoções.EstaéLygia:ocontourbano, deanálisepsicológica,oqueclaramenteaconsagrouna Geração de 45, em companhia de outros escritores comoClariceLispector.

Lorena enfia um colar e Miguel segura entre os dedos umglobodevidro;enquantoespialádentro,ocorremlhe lembranças da infância; a linguagem é também infantil (“tinha sempre uma janela nas bolhas que eu soprava”), mas de um lirismo pungente, doloroso quase:“Vocêtambém,nãobrincavacombolhas?

Ela não presta atenção a ele que, em princípio, assemelha-se a uma criança: “Ele abria a boca, tentando cravar os dentes na bola de vidro. Mas os dentes resvalavam, produzindo o som fragmentado de pequenascastanholas.

‒Cuidado,querido,vocêvaiquebrarosdentes!”

A advertência assemelha-se à de uma mãe e seus cuidados;Miguelsecomportacomoacriançaque,mais tarde descobriremos, a sua condição psíquica impõe e registra:

“Elerolouogloboatéafaceesorriu.

‒Aí eu compraria uma ponte de dentes verdes como o mar com seus peixinhos ou azuis como o céu com suas estrelas, não tinha uma história assim? Que é que era verdecomoomareseuspeixinhos?

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‒Ovestidoqueaprincesamandoufazerparaafesta.”

Massãocasadosambos,maridoemulherqueocupamo mesmo espaço - apartamento. Ele reclama da indiferença dela; Lorena escuta dele as queixas mais terríveis sobre a solidão e a sensação de desamor. Perguntando para que servia o globo de vidro, ela lhe diz que é um peso de papel. E o homem diz, num lamento:

“Mas se não está pesando nenhum papel- estranhou ele, lançando um olhar à mesa. Pousou o globo e inclinou-se para a imagem de um anjo dourado, deitado de costas, os braços abertos. – E este anjinho?

Oquesignificaesteanjinho?

Com a ponta da agulha ela tentava desobstruir o furo dacontadecoral.Franziuassobrancelhas.

‒Éumanjo,ora.

‒Eu sei. Mas para que serve? ‒ insistiu. E apressandose antes de ser interrompido: ‒ Veja, Lorena, aqui na mesaesteanjinhovaletantoquantoopesodepapelsem papel ou aquele cinzeiro sem cinza, quer dizer, não tem sentido nenhum. Quando olhamos para as coisas, quando tocamos nelas é que começam a viver como nós, muito mais importantes do que nós, porque continuam. O cinzeiro recebe a cinza e fica cinzeiro, o vidro pisa o papel e se impõe, esse colar que você está enfiando...Éumcolarouumterço?

‒Umcolar.

‒Podiaserumterço? ‒Podia.

‒Entãoévocêquedecide.Esteanjinhonãoénada,mas se toco nele vira anjo mesmo, com funções de anjo. –Segurou-ocomforçapelasasas.–Quaissãoasfunções deumanjo?

Ela deixou cair na caixa a conta obstruída e escolheu outra.Experimentouofurocomapontadaagulha.

‒SempreouvidizerqueanjoéomensageirodeDeus. ‒Tenho então uma mensagem para Deus ‒ disse ele e encostou os lábios na face da imagem. Soprou três vezes, cerrou os olhos e moveu os lábios murmurejantes. Tateou-lhe as feições como um cego. –Pronto,agorasim,agoraéumanjovivo. ‒Eoquefoiquevocêdisseaele?

‒Quevocênãomeamamais.”

Osobjetos,ohomemquesesente,foradesuasfunções de marido e em pleno estado de desamor, como um objetodistantedeseusverdadeirosmotivosdeexistir.

Vêm-me à cabeça as palavras do prof.

SuêniodeLucena,taiscomoascoloqueina epígrafe: Lygia escreve para desarrumar o pré-estabelecido, desarranjar certezas, mostrar a dor profunda da existência malograda.

Miguel e os objetos; comparado metaforicamente a eles,aindaquenãomencioneacomparação,continuaa dizerdasolidãodehomemexiladononão-amor:

“Elaficouimóvel,olhando.Inclinou-separaacaixinha decontas.

‒Adiantadizerquenãoéverdade?

‒Não, não adianta. – Colocou o anjo na mesa. E apertou os olhos molhados de lágrimas, de costas para elaeinclinadoparaoabajur –Veja,Lorena,veja...Os objetos só têm sentido quando têm sentido, fora disso... Eles precisam ser olhados, manuseados. Como nós. Se ninguém me ama, viro uma coisa ainda mais triste do que essas, porque ando, falo, indo e vindo como uma sombra, vazio, vazio. É o peso do papel sem papel, o cinzeiro sem cinza, o anjo sem anjo, fico aquela adaga ali, fora do peito. Para que serve uma adaga fora do peito? – perguntou e tomou a adaga entre as mãos. V o l t o u - s e s u b i t a m e n t e animado. – É árabe, hein, Lorena? Uma meia-luadepratatão aguda... Fui eu que descobri esta adaga, lembra? Estava na vitrina, quase que escondida debaixo de uma bandeja, lembra?

Ela tomou entre as pontas dos dedos o fi o d e c o r a l e balançou-o num movimentoderede.”

Para que serve uma adaga fora do peito? Este é o momento de antecipação: solene, intenso como um grito,agudocomolâmina...

Lorenaselembradabandejaquequistrazerdalua-demel, cujas alças eram cobrinhas se enroscando em folhasecipós,maisumsímbolofálicoqueseapresenta alémdaagulhaqueprocuraofurodaconta,estamulher quesefazdeesquecidaeamaisnadaprestaaatenção, buscandoresgatar-sedomarasmodaexistência,atecer um colar: “ umas cobrinhas com orelhas, fiquei apaixonadapelascobrinhas.”

E se queixa: era a lua de mel de ambos, mas estavam sem dinheiro e refere-se ao que trouxeram como “bugigangas”. Miguel suplicaqueelafalebaixoporquesenãooanjo vaicontarparaDeus.

Miguel está visivelmente abalado e ela pede

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Qualquer marca. Tinha uma com sabor de hortelã, era ardido demais e eu chorava de sofrimento e gozo. Minhairmãzinhaquetinhadoisanoscomiaterra. Elariu.

‒Quefamília!”

Miguelanunciaqueogloboéumabolamágica. “‒Voltada para a luz, ela enfiava uma agulha Umedeceu a ponta da linha, ergueu a agulha na altura dos olhos estrábicos na concentração e fez a primeira tentativa. Falhou. Mordiscou de novo a linha e com um gesto incisivo foi aproximando a linha da agulha. A pontaendurecidadofiovarouaagulhasemobstáculo. ‒Acópula.

‒Que foi? – perguntou ela, relaxando os músculos. Voltou-se satisfeita para a caixa de contas. – Que foi, amor?

‒Elecobriuoglobocomasmãos.Bafejousobreelas.

‒É uma bola de cristal, Lorena – murmurou com voz pesada. Suspirou gravemente. – Por enquanto só vejo assimumafumaça,tudotãoembaçado...”

Miguelconta,entãodeseusmedos:vêofuturonabola de cristal: o pai de Lorena entrando na sala, ela de vermelho, o pai insistindo para que ela internasse o marido, Lorena dizendo que Miguel estava melhor. Lorenachora,opaidizqueele,omarido,nãomelhorou coisanenhuma.ParaoespantodopaiedeLorena,entra na sala andando sobre as mãos, de cabeça para baixo. MasdestavezLorenanãoachagraçanenhuma,elaque sempreriadaspalhaçadasdele.

Lorena é pacienciosa e diz que não achara graça porque sempre tem medo que ele desabeequebrevasose copos. E também porque cai tudo dos bolsos.

Miguel senta-se na poltrona e relembra a lua-de-mel: haviaumlustrenavitrinadoantiquário,haviatambém umagravura.Lorenaestranha:

“‒Quegravura?

‒Aquela já carunchada, tinha um nome pomposo, Os Funerais do Amor, em italiano fica bonito, mas não sei mais como é em italiano. Era um cortejo de bailarinos descalços, carregando guirlandas de flores, como se estivessemindoparaumafesta.Masnãoeraumafesta, estavamtodostristes,osamantesseparadosechorosos atrásdoamormorto,ummenininhoencaracoladoenu, estendido numa rede. Ou num coche?... Tinha flores espalhadas pela estrada, o cortejo ia indo por uma estrada. Um fauno menino consolava a amante tão pálida,tãodolorida...

Elaconcentrou-se.

‒Essequadroestavanavitrina?

‒Pertodolustrequefaziablim-blim.

‒Sei, mas assim como você descreveu, é triste demais. Juroquenãogostariadeterumquadrodessesemcasa.

‒Maistristeaindaeraoanão.

‒Tinhaumanãonagravura?

‒Não,elenãoestavanagravura,estavaperto.

‒Maseraumanãodejardim?

‒Não,eraumanãodeverdade.

‒Tinhaumanãonaloja?

‒Tinha. Estava morto, um anão morto, de smoking, o caixãoestavanavitrina.Luvasbrancasesapatinhosde fivela. Tudo nele era brilhante, novo, só as rosas estavam velhas. Não deviam ter posto rosas assim velhas”.

E aparece a metáfora mais dolorosa da condição humana neste trecho: a do homem diminuído, o anão que ele jura ter visto dentro do caixão . Há um outro conto de Lygia, neste mesmo livro, em que o anão simboliza também a mesma coisa: O Moço do Saxofone; lá , os “anões de circo” ( o circo da própria vida?) aparecem, se enroscam, estão presentes como testemunhas mudas da degradação e a falta de perspectivasoudefidelidade.

Miguelinventaquequertomarchácombiscoitos.Não hábiscoitos,mashátorradas.Eleinsistenosbiscoitose diz que vai comprá-los. Lorena pede para ele pegar dinheiro na bolsa dela, sobre a cama. Abre a bolsa, aspira o perfume do lenço, mas deixa tudo no mesmo lugar.

Saiu pisando leve, evitou olhar para o espelho no elevador

QuandoLorenadescobriuoqueeleforafazer,oleitor tambémdescobre:

“‒Miguel, onde está a adaga?! Está me ouvindo, Miguel?Aadaga!

Eleabriuaportadoelevador

‒Estácomigo.

O porteiro ouviu e foi-se afastando de costas. Teve um gestodeexageradacordialidade.

-Umabelanoite!Vaipassearumpouco?

Eleparou,olhouohomem.Apressouopassonadireção darua.”

Afinal,umaadagasóéumaadagaseestiverdentrodo peito...

EstherRosado:

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Psicanalista,professora,ocupaa cadeira17,Profa.Philomena Pinheiro,daAcademia JacarehyensedeLetras.

Quarentena

Osobjetosconhecem osquartos,partes,cômodos, extensõesderemansos queabrigamtodaagente íntimadosilêncio isoladonaespera decadaserfechado.

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Poemas Vital.

Querer viver clichês na mesma veracidade que se almeja diplomas.

Se pressionar ao êxito numa via sem erros, mas esquece da realidade. Ninguém nasce pronta.

Não pode correr tanto sem dar atenção à respiração. Pela boca corre o risco de nunca sair as palavras guardadas no coração.

Desejos, sonhos e objetivos sem condenação ao corpo feminino.

A mínima importância se quer uma carreira bem sucedida ou filhos, talvez queira os dois, ou apenas jogar boliche.

A única preocupação deveria ser a felicidade.

Se eu me amo sendo quem sou, o resto é pura vaidade.

Poeta:

LarissaFerreira

OLHOS DO VER E RE-VERSO DO VER

Temos todos os olhos, aqueles que insistem de olhar para fora em que tudo parece estar a morrer os que olham para dentro espantados de esperanças, nos olhos de fora calamidades me encontram os de dentro buscam acreditar onde as vertentes das lágrimas tem seus próprios lagos, nos olhos de fora uma represa das covardias, no de dentro se invadem de coragem , os olhos de fora ainda enxugam palavras para serem o estar próximo das horas, nos olhos de fora a miopia das cores, no de dentro o bagaço incolor de ser um abismo aberto de rugas , no de fora sente a queda , no de dentro tropeço em cacos a ferir meus passos , no olhar de fora vejo mortes, no de dentro abraço a vida a ser o sobrevivente dos muitos olhares ainda a se perderem !

Poeta: CarlosBuenoGuedes

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Isto tem que acabar

Isto tem que morrer

Isto está sendo mais forte que eu Simplesmente isso

É o que eu mais odeio em mim

Amar, sem entender os porquês!

Isso me consome as entranhas

Me faz sentir coisas estranhas

Nós não deveríamos existir

Seria uma história a menos

Uma poesia nunca inventada

Uma saudade desolada

Não consigo mais explicar o que eu sinto

Só sei querer me encontrar, No seu olhar.

Isto não pode durar para sempre

Morra este sentimento

Ou que morram meus sentidos.

Pra não sentir sua pele

Pra não lembrar o seu cheiro

Para não beijar seu gosto

Para não ver seu brilho

Para não escutar a sua voz.

Quem somos nós?

Nós nos nós do Universo?

Em que verso nós nos realizamos?

Em que único momento

Nos entrelaçamos?

Quem vai contar a nossa história

O nosso filme de amor

Quem vai mostrar a beleza da cor?

Nossa história eu sei de cor.

Não corro mais ao encontro

Nem mesmo do desencontro

Sou apenas açoite

Nos versos da noite

A procurar entender,

Poeta:

AlisonSilva

SUICIDÁRIO

No pão falido De cada dia

Livrai-nos do horror Do país Que aqui se cria

Poeta: AndréSiqueira

Vermelho

Fogo que não quer parar! Às vezes azul, Às vezes laranja e muitas vezes vermelho! Nos traz calor e aconchego!

Poeta: PedroPaiva

Isto
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O MITO DA CAVERNA

Analogia contemporânea

O Mito da Caverna é uma metáfora do filósofogregoPlatãotentandoexplicaracondiçãode ignorância em que vivem os seres humanos aprisionadospelossentidoseospreconceitosqueos impedem de adquirir o verdadeiro conhecimento, conhecida também como Alegoria da Caverna ou CavernadePlatão,ametáforaintegraocapítuloVII daobra“ARepública”,escritaporvoltade380a.C. É um dos textos filosóficos mais debatidos e conhecidos pela humanidade, um diálogo entre as personagens Sócrates e Glauco, onde Sócrates responde a questionamentos de Glauco, na visão platônica.SócratespedeaGlaucoparaimaginarum grupo de pessoas vivendo numa grande caverna, combraços,pernasepescoçospresosporcorrentes, umaparedeimpedeosacorrentadosdeveremosque passam em frente ao fogo. A partir disso, Sócrates explicaaGlaucoqueumadessaspessoas,libertadas correntes, perceberia a verdadeira forma da realidade e deixaria a caverna e se voltasse para contaraosdemais,essesnãoseriamcapazessequer decompreendereomatariam.Então,alertaaGlauco queaspessoasdacavernasãomuitosemelhantesaos humanos; quanto à ignorância humana, há aqueles que são incapazes ou relutantes de procurar a verdade e a sabedoria. Simbolicamente, segundo Platão,acavernaseriaomundoondetodososseres humanos vivem; as sombras projetadas em seu interiorseriamafalsidadedossentidos;ascorrentes seriamospreconceitoseaopiniãoqueaprisionamos seres humanos à ignorância e ao senso comum; o prisioneirosignificariaentão,opapeldofilósofoeo desfecho trágico do ex-prisioneiro, uma referência ao ocorrido com seu mestre, Sócrates, acusado de corromper a juventude com seu pensamento questionador; o filósofo foi julgado e condenado à mortepelosatenienses.

porânea, o meu ponto Idiocracia:“Em 2005, Joe Bowers participar de um exper e o coloca em hibernação. experiência governamental cai no da no ano 2505 e encon mburrecida pelo comercialismo de massa e pela alienante programação de TV, que ele acaba sendo o cara mais inteligente do planeta. Agora, cabe a um cara pra lá de mediano colocar a evolução da raça humana de volta nos trilhos”. Umfilmesensacional quenosfazrefletirsobreofuturo.Podemoselencar algumas situações contemporâneas partindo do princípio da sociedade dividida em grupos que habitamemcavernas,isoladamente,habitamdentro de suas verdades, sem enxergar o outro e suas dificuldades, tendo a liberdade como justificativa; outroshabitamnoseuportoseguroconsolador,sem novosdesafios.Então,dentrodessecontextosocial, muitos querem liderar grupos ou dominar o mundo sem nunca terem saído de suas cavernas. Vamos subdividir a sociedade (partindo do pressuposto da sociedade dividida em classes). Vou citar quatro exemplos e comentá-los, impossível seria citar e comentar todos os grupos existentes, porque para mim, nasce um todo dia, basta observar os comentáriossobretudonasredessociais:1.Ouvem e não escutam. 2. Convictos de tudo. 3.Habitam ZonadeConforto.4.Creemquetudoestábem.

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1.Ouvem e não escutam: Você cita um livro, comenta sobre ele, planta a semente cultural, explica,convida,atéemprestalivro,masapreguiça dominaeolivrosevai.Mas,sefalarsobreavidados outros, os ouvidos se esticam e a curiosidade aparece. Então, volto aos heterônimos de Fernando Pessoa, que por ter tantos dentro de si, criou vários dele;aosContossemfechamentodeLygiaFagundes Teles, a maior contista do Brasil; ao excelente pianistaecompositorD.PedroI;ouatéomovimento Diretas Já, que resultou na nossa Constituição Cidadã, fazendo menção a Ulisses Guimarães e a Sobral Pinto, mas nada, todos fazem ouvidos moucosdemercadoreviram-seàaquelequetemum olho, porque em terra de cego quem tem um olho é rei! Ignoram aqueles que enxergam com os dois. Regras que precisam ser ouvidas e entendidas: Respeitosempre,nãoimportamasdiferençasenão faça ao outro o que não deseja que faça para você, simples, mas, não escutam.

2. Convictos de tudo: Pirâmides, jogos de azar, dinheiro digital, mercado sobe e desce, tudo sobe, tudo cresce, tudo desce, povo sua, povo chora, povo paga, nada tem, nada pode; não conhece sua história, não olha para o passado para construir o futuro, esse povo acredita emtudoevivenoprocessodetentativaeerro,sem reconhecer que os testes já foram feitos e já poderíamos estar na fase da tentativa e acerto. Somos sombras do passado! 3. Habitam zona de conforto: Filosofar pra quê? Você parece louca! Estudaraessaidade,praquê?Vocêtrabalhademais, estuda demais, pensa demais, lê demais! Homem nãogostademulherassim!Voltepracasa!Ninguém quersairdazonadeconforto,aprenderé“boring”!4. Creem que tudo está bem:Talvez sombras também habitem as redes sociais, um mesmo padrão, todos sãosombradealguém,todosiguais,tudocomfiltro, até a cultura tem filtro, frases e livros citados de autoresdesconexos,autoriaequivocada,todosnum padrão social, tudo politicamente correto. ParafraseandoProvérbios(Bíblia)àsavessas:Nada épermitido,mastudoconvémenãoousediscordar, poderásercancelado!

Sair da caverna é um desafio ignorado por muitosequandoalguémsaiequercompartilharsuas experiências e outra visão de mundo, atualmente, a penaéocancelamentoecomodisseLygiaFagundes

Telles na virada do século: "O duro ofício de testemunhar um planeta enfermo nesta virada do século. Às vezes, o medo. Quando perseguido, o polvosefechanostentáculosesoltaumatintanegra para que a água em redor fique turva e, assim, camuflado, ele possa então fugir. A negra tinta do medo. Viscosa, morna. Mas o escritor precisa se ver e ver o próximo na transparência da água. Tem de venceromedoparaescreveressemedo.Eresgatara palavra através do amor, a palavra que permanece como a negação da morte. Às vezes, a esperança. O homemvaisobreviver,eessacertezamevemquando vejo o mar, um mar que talhou com tanta poluição, embora! Mas resistindo..." Então, na minha simplicidade de iniciante, completaria: Não é possível acender uma vela dentro oceano da ignorância#salettegranato.Tudoaquidescritoéum simples talvez. Quem sou no mito da caverna? Sou aquela que saiu da caverna e vive descobertas diárias! Quem sou no mito da caverna, sem filtro? Observandoahumanidade:Omundoestátãochatoe desinteressante que acabo por querer voltar à caverna, expulsar seus habitantes, levar todos os livrosdomundoparaláeconvidarosolparaochá das cinco, claro, tendo a lua por testemunha, habitandonessenovolugar!

Granato AcademiaJacarehyensedeLetras Cátedranº10–PatronoRoberto DonizetedeSouza 11 LITTERA
Salette

Participação especial

c o m e n o r m e Ésatisfação e honra que apresentamos um conto inédito de MENALTON BRAFF, contista, romancista, professor de literatura.

E n t r e d i v e r s a s premiações recebidas e m s u a c a r r e i r a , destacam-se o Prêmio Jabuti, no ano 2000, na categoria melhor livro de ficção, com “À Sombra do Cipreste” e o prêmio Machado de Assis, da Biblioteca Nacional, em 2020, por sua obra “Além do Rio dos Sinos”, como melhor romance brasileiro.

Professoraepoetisa: VeraFigueiredo

O violinista Participação especial

Aportadoclubeeraumclarãodefestasobreo escurodanoitegaroenta,quandoatravesseiaruamuito perpendicular e apressado, pisando por cima de sua umidade.Malatingiacalçada,oladodelá,medeiconta de uma certa inflexão familiar naquele som que escapavapelasaberturasdosaguão.Nãopelamelodia, uma ária plangente e bela, executada com bastante freqüência por muitos violinistas. Não. O que me pareciafamiliareraaexecução.Euconheciaapenasum violinistacapazdearrancartaissoluçosdasnotasmais graves de seu instrumento, que se alternavam com gritos agudos e lancinantes Em suas mãos, o instrumentotinhaalma.

Só então me lembrei de que há mais de seis meses,desdeacrisedaOrquestraSinfônica,nãotinha tidonotíciasdoAntenorBraga,seujovemspala.Várias vezes fui visitá-lo no camarim e o encontrava sempre estudando como se fosse aquela sua primeira apresentação. Em minhas críticas no Diário, não me cansava de elogiar o talento que o jovem aliava a um estudomuitosério.Nãoseisemeculpoamimouàvida que levo pelo esquecimento, mas a verdade é que duranteestetempotodomuitopoucasvezespenseino meuamigo.

Mergulhei de rosto úmido na iluminação que jorrava do enorme lustre central, com suas cristalinas gotaspingentes,eseintensificavanosgrandesespelhos emtodaavoltadosaguão.Entregueioconvitenaporta e entrei, umas rugas de espanto riscando minha testa. Eraumafestadecasamento,meuDeus,acelebraçãode um consórcio amoroso, por que aquela música tão triste,apesardebela?

Muita gente conversava alegre e distraída no saguãoenquantooutrosjásubiamasescadariasparao salãoprincipal.Erguimeucorponapontadospés,nem assim, de onde estava, foi possível confirmar a identidade do violinista. Imitação tão perfeita do Antenorerabastanteimprovável.

.Me atirei na corrente dos que pretendiam chegar logo ao salão, movendo-me na direção da escadaria.

Depésobreoprimeirodegrau,AntenorBraga, ele mesmo, recebia com música os convidados para a festa.Trajearigor,omesmocomquemuitasvezesovi sobre o palco, em noites de gala. O público sim, o públiconãoeraomesmo.Aspessoaspassavamroçando pelo violinista, esbarrando nele sem lhe prestar qualqueratenção.Antenormantinhaosolhosfechados, imaginando-se, provavelmente, em uma daquelas noitadasquefizeramsuareputação.Elenãotocavapara aquelepúblico,eleosmantinhaforadeseuespaço.Ele tocavaparasimesmo,revivendoumpassadoextinto. Pareiemsuafrente,horrorizadocomoquevia, indignadocomacrueldadedodestino:omaiortalento comquecruzeinavidasubmetidoàindiferençadeum público que não era o seu. Cravei-me no granito da escada numa tentativa desesperada de proteger meu amigo de corpos mais pesados, com seus ouvidos de arame farpado. Em alguns momentos esqueci com os cotovelosasliçõesdeboasmaneiras.

Os últimos convidados subiam a escadaria, a música chegava ao fim. Não aplaudi, não disse nada, commedodoconstrangimento.Depoisdependuraros doisbraços,Antenorabriuosolhos,comosevoltassede umsonho,parecendonãosaberbemondeestava.Olhou em volta, tentando reconhecer aquele espaço tão estranho,atémereconhecerali,amenosdedoispassos. Piscoufundoefirme,enãoconseguiuevitarumaruga, que me pareceu de aborrecimento. Mas não, era pura vergonhaoqueelesentia.Comolharesrápidos,cheios de ângulos, examinou os arredores, procurando lugar onde se esconder Foi o que interpretei de seu visível mal-estar.

13 LITTERA

Antenor Braga, na minha frente e sobre o primeiro degrau da escadaria, sentiu-se acuado, provavelmente, sem poder evitar-me. Então fechou novamenteosolhoseseurostofoiperdendoacor

Fiquei com medo de que o Antenor fosse desmaiareolheiemvolta,procurandoalgumaidéiade socorro. Com estranha lentidão, ele voltou a segurar o violino entre o queixo e a clavícula, erguendo o arco preso pela mão direita até quase a altura da cabeça. E entãoparou.Seurostodealabastronãotinhamaisvida, apesar de sua expressão de sofrimento: os lábios apertados e imóveis, os olhos escondidos e duas rugas na testa. Sua última reação parece ter sido o desejo frustradodeencolher-se,dedesaparecer.Eentãoparou.

Ao me aproximar, o corpo todo úmido, mas agoradesuor,percebiqueelenãopodiaouvirseunome, queeurepetiaapavorado.Chegueiatocarsuamãocom meusdedos,quesemancharamdebrancocomoseele fossedegesso.

Ninguém por perto que testemunhasse minha inocência, eu não sabia mais o que fazer. Subir para o salãoefestejarcomosdemais,jánãoconseguiriamais. Avisar ao dono da festa o que estava acontecendo, foi uma idéia que me ocorreu, mas me acovardei, com medodequemejulgassemlouco.

Omundoperdeuasolidezeeu,oequilíbrio.Os balaústresdaescadariaoscilavam,oclubetodoparecia adernar. Pensei que fosse vomitar e me apoiei no corrimão. Eu ainda não tinha jantado e meu estômago vazionãorespondeu.

Assimquediminuiuavertigem,vireiascostase fugiparaagaroaescurasemolharumaúnicavezpara trás.

Já era madrugada quando penso que cheguei a cochilar Nãomelembrodeterfechadoounãoosolhos. Tudo era escuridão e esse detalhe não faria diferença. Até aquela hora, levantei-me diversas vezes: para enxugarosuorquemegrudavaopijamanocorpo,para tomarumanalgésicoquemealiviasseadordecabeça, para tomar um calmante que me livrasse das lembranças da véspera. Talvez tenha dormido meiahora,poucomais.

Tomei o café que a empregada preparou com muito barulho e desci para comprar os jornais do dia. Nenhuma nota, alusão nenhuma Falava-se do casamento, da elegância de seus convidados e da viagemdosnubentesparaoexterior.DoAntenorBraga, transformadoemrecepcionista,notícianenhuma.Não, nãotinhasidoumaalucinação,poissemelembravade tudo,dosdetalhesmaisinsignificantes.

Corri ao clube. Passava um pouco das nove quando atravessei a rua muito perpendicular e apressado e não foi sem certo gosto de pavor na boca que dei os primeiros passos no saguão. No pé da escadaria, sobre o primeiro degrau, havia apenas um vaso de cimento muito grande, onde uma cheflera solitárianãopercebeuminhaconfusão.

Umadasfaxineiraspassavatortacomumbalde namãoepuleinafrentedela.Senãotinhavistonadade estranhoalinoprimeirodegrau.Elameolhoucuriosa, sem entender muito bem minha pergunta, que repeti comnovasexplicações.Porfimamulherseabriunum sorrisomanso,ah,aquelaestátuadegesso.Poisentão,o caminhãodaprefeiturajátinhalevadoparaodepósito.

Escritor: MenaltonBraff
14 LITTERA
Contoretiradodolivro: ÀSombradoCipreste(1999)

Mitocontos recontados Contos

I.Sísifo

Mais um dia e Sísifo saltou da cama.Assim, pois mal amanhecera.

Pôsnochãoospéscumpridores eimaginou:depoisdo banho tiraria o carro da garagem e faria o mesmo percursodetodososdiasatéoprédiodoescritório. Nocaminho,buzinas.Ogostodocaféaindanaboca. Pensouquesesentiaigualasempre,carregandocomo seumapedraparaoaltodamontanha. E então, inesperadamente para ele próprio, em um cruzamentonuncavisto,mudouopercurso,acelerou. A música do carro estava altíssima, Jesus alegria dos homensdepropósito.

Desatouonódagravata,afrouxouocinto,desamarrou os cadarços do sapato, jogou a pasta e o celular pela janelaetomouumaestradanuncaantesimaginada. Aofimdela,podeveromarazuldodia;gritou ouvindo o mar, marulho. E riu. Gargalhou sem medo de o tomarempordoidovarrido.

Abandonandoocarro,pôs-seaandarcomseusligeiros pés, livre como se fosse voar sem nunca ter tido asas, esquecido,leve,ligeiramenteembriagadodealgonovo quejamaissentira:estavalivre,livre. Estavaabsolutamentefeliz.

II.ÍcaroeDédalo

Eles se chamavam assim: Dédalo , o pai, inteligente e perspicaz,jáentradonosquarentaanos;eÍcaro,ofilho, ummeninode14,osolhosazuiseocabeloruivo. Não se sabe por que diabos tinham a mesma preferência: jogar um game de nome Labirinto. Um jogoparaquemgostavadefugirdeumbichoesquisito chamado Taurominos, com cabeça de homem num corpodebovino.

O fim do jogo é sabido de todos os habitantes de Colossus, a cidade em que ambos moravam, cujo prefeito era um homem irascível: Cretos. Que fim do jogoeraesse?vocêmeperguntará...

Quem ganhasse, ah, quem ousasse ganhar, teria que saltar,nuempelo,dasescarpasdeColossusparaomar Ingreu Foi então que Dédalo, que era arquiteto, construiu a primeira asa deste planeta Ground-Earth. Umaparasieoutraparaofilho.

Edeasas,nuscomotinhamvindoaomundo,saltaram sobreoDelta-Egeu.Evoaram,esubiramparapertoda Estrelaenada,nemasas,nempenas,nemceraderreteu. Fugiram para a Ibéria e lá continuam até hoje.

Inventaram um outro fim para o game: a personagem SeuTeu mata Taurominos no Labirinto e uma aranha chamadaAdriadnefabricaumfioqueteceoutrastantas asas paraquemquerfugir.

Elá,eugaranto,hásemprealguémnelasinteressado.

III.ACaixa

Umdia,DoraPanrecebeuumacaixa.

Era o presente de Beus para o casamento dela com Piripeteus.Beusdisse:

-DoraPan,nadadeabriracaixa!Éproibido.Sódepois docasamento,hein?

Umdia,bemantesdocasamento,ficoucuriosa,abriua caixa proibida e dela saiu a Esperança que povoou e repovoou a Terra e encheu de alegria o coração dos homens.

Osmales,todos,ficaramdentrodacaixa. Comoésabido,oBemsemprevenceoMal. Pontofinal.

15 LITTERA
EstherRosado: Psicanalista,professora,ocupaa cadeira17,Profa.Philomena Pinheiro,daAcademia
JacarehyensedeLetras.

CONTINHOS

João e o Passarinho

OflautistaJoãogostavadetocartodososdias pelamanhãemseujardimapreciandoosoleos passarinhos. Umdiaumpassarinhopousouemseu ombroeficouvendoeletocar.Qualnãofoisua surpresaquandoopassarinhocomeçouacantarno mesmotomdasuaflautaeaomudardetomo passarinhotambémmudavaseucanto.Joãoeo passarinhoencantavamavizinhançaquecomo passardotempoformavaatéplateiaparaouviro duetodoJoãoeopassarinho.Masoburburinhoeos aplausosdosvizinhoscomeçaramaincomodar Todospediamumshowemumlugarmaior,poisera impressionanteaparceriadosdois.Depoisdemuita insistência,Joãoaceitouoconviteparafazerum únicoespetáculonoginásiodacidade.Oespaço lotou,tinhagentesentadaeempé,nasgaleriaseaté penduradanomurodoladodefora.Osdoisnão decepcionaram,arrasaram,levaramaplateiaàs lágrimas.MasdepoisdissoJoãovendeusuacasae comprououtrabemmaismodestanomeiodafloresta ondepoderiatocarsuaflautasossegado,na companhiasomentedoseuamigopassarinho.Mas qualnãofoisuasurpresaaoperceberqueaoredor estavaseformandoumanovaplateiadestavezde passarinhosmalocadosnosbarrancos,notelhadoda casaenosgalhosdasávoresaoredor.

A princesa Cecília

AprincesaCecília,quemoranumailhaegosta deervilha,écomoumaestrelaquebrilha. Étodadelicada,tãoamada,paraelaoamor bastava.Háquemdigaquechoravaquandodos bichosalguémjudiava,entristecia,eseucabelo arrepiava,oolholacrimejavaeeravaiaqueseouvia. Eumdiaquemdiria,ficoumuitoirritadacomaquela garotadaearmouumaciladapraquemdelazombava. Combinoucomospassarinhosdeacordarbem cedinhoefazerumarevoada,sobreaquelelugarzinho aondeiaameninada.Seoplanoeraassustar,saiu tudoperfeitoeagoralánailhaosbichostêmo respeito,ninguémusaestilingueeosninhossão preservados,osmeninosbrincamjuntocomosbichos sossegados.

Marquinho e o olho roxo

‒Marquinho,porquevocêestácomoolho roxo?

‒Porqueummarimbondovalentãome agrediu.

‒Eporquevocênãorevidou?

‒Porqueestavacomaganguedeleeeram muitos,todosparecidos,nãodescobriqualdeles me agrediuenãogostodebatereminocentes.

‒Ora,porquenãomechamou?

‒Paraquê?

‒Prapassarumapomadinha!

Escritora: JoanaAranha

16 LITTERA
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O CURUPIRA

Aonçajáestavaacuadapeloscãesda fazenda.OCoronelGomes,ocapatazGeraldoe oescravoZéseaproximamcomsuas espingardas.Aflorestaeradensaeescura.O coronelgritou:

—Amalditaéminha!

OTirodaespingardadocoronelsefezouvir emtodaamata.Ostrêscaçadoresseaproximaramdo felinomorto,umdoscãesmordeuaorelhadaonça,o capatazochutouedisse.

—Vai estragar a pele do coroné! Bicho madito!

O cão ladrou, os outros três cães o acompanharam nos latidos tristes e doloridos aos ouvidos.Zédisse:

—Parecicoisadocapeta.

—EstenegóciodeCapetanãoexiste!Disseo Coroneldandoumtiroparaoalto.

Os cães correram para dentro da floresta, e emtomaltodisse.

— Arranque o couro da bicha, pois, a noite estácaindo!

Ocapatazseaproximoudofelinomortoedo cinto retirou sua faca e no momento que ia fazer o corte.Algosegurousuamão,eraumgalhodeárvore, e com a faca tentou cortar outros galhos que iam se entrelaçando. Sua faca soltou-se de sua mão. O coronel e Zé tentaram correr, mas seus pés estavam presos por raízes. E o responsável, finalmente, apareceu,tinhadoismetrosdealturaseucabeloera um tipo de planta avermelhada. Seu corpo parecia ser feito de carne e madeira, em grande parte, era cobertoporfolhas,eparafinalizaradescrição,ospés eramviradosprátrás.

—Éocurupira!DisseZé,apavorado!

Oserdaflorestaseaproximoudaonça,tocou aferidaeamesmasefechou.Orabobalançoudeum lado para outro. O animal se levantou e correu para dentrodafloresta.

Elesevoltouparaocoroneleomesmoestava com a espingarda em punho, e mirou na cabeça do senhor da floresta. O curupira sorriu. Seus dentes eram como os espinhos das árvores, um sorriso demoníaco, e o coronel disparou sua espingarda. O tiro acertou na cabeça e o gigante caiu. O coronel respirou,tirouumafacadocinto, ecomeçouacortarasraízesqueprendiamseuspés, nesteinstanteZégritou:

—Coroné!Elelevantô!

Com sua espingarda o coronel atirou até acabar a munição. O curupira se aproximou e arrancouaespingardadocoroneleaquebroucomas mãos.ComaexpressãodeódiosevoltouparaZé.O escravojogousuaespingardaparabemlonge.

Comoscantosdosolhosogiganteolhoupara o capataz e os galhos que o prendiam começaram a apertar, e em alguns segundos suas pernas estavam quebradas.Osgalhosqueamordaçavamsesoltaram e os gritos de dor ecoavam seus braços também se quebraram. Ele desmaiou e, finalmente, o tórax foi esmagado.Então,foilevadopelosgalhosparaalgum lugardafloresta.

— Monstro! Disse o coronel! Hoje vou morrer! Você mata sem dizer uma palavra! Você é igual à floresta, talvez seja o espírito dela. Eu vou morrer! Mas não pense que vai sair vitorioso, já tenho tudo planejado, meus filhos vão derrubar árvore por árvore desta mata e abater todos os animaissilvestresequandoaúltimaárvorecair,você vai morrer! Não existe espírito sem corpo! E Tudo issovaivirarpastoparagado!

OcurupirasorriueolhouparaoescravoZée as raízes que o prendiam retornaram ao subsolo. Zé ficouparadosemsaberoquefazer,ecomumpequeno rosnado do curupira o fez correr para fora da floresta emdireçãodafazendadocoronel.

— Você quer que ele conte a história do curupiraquevenceuocoronel?

18 LITTERA
E OS FILHOS CO CORONEL

Nestemomento,ocurupiraagarrouocoronel com as duas mãos e o levantou. As raízes se arrebentarameospéssequebraram.Eleolevouatéa maior árvore das proximidades, o encostou a ela, galhos começaram a brotar em torno do coronel, o seucorpofoipresoeapenasseuolhoesquerdoficou visível. E o manto negro da noite caiu. O curupira deualgunspassosparatrásesetransformouemuma belaárvoredefloresavermelhadas.

Outro dia nasceu! Zé e os três filhos do coronel entraram na mata. O escravo mostrou exatamente onde tudo aconteceu, mas nada havia alémdegalhosquebrados,

—Éaqui!Tenhoceteza!Ocoronétavapeso aquieocapatazfoimortoali!

Osfilhosdocoroneleramdepelebemclarae cabelos negros. João Pedro, o mais velho e o mais baixoestudoudireitoemLisboaesóvoltouquandoo seu pai parou de enviar-lhe sua mesada. Carlos, o filho do meio, fez várias faculdades em Paris, não terminounenhuma.JáAntônionuncafoiàfaculdade trabalhou sempre com o pai, administrando as lavourasdecafé.

— Éaqui! DissenovamenteescravoZé!

— Zé!Setáenrascado!-DisseAntônio.

— Estahistóriadecurupiraéinventada!

— Éverdadi!Ocoronétavapesobemaqui comraiz!

— Uma sucuri ou uma onça a gente até acredita,mascurupira... DisseJoãoPaulo.

— Zé! Desde criança éramos amigos. Já encobrimuitacoisaerradaquetufizeste,masagora nãotemcomotedefender.-DisseAntônio.

—Eujuro,foiocurupira!

—Zé!Achoquevocênãomatouonossopai! Masfugiuquandoobichoatacou.-DisseCarlos.

—Sinhosinhoséverdadi!

—Vou te ajudar, Zé. Tá vendo aquela montanha?Láexisteumquilombo.Láosnegrossão livres.DisseAntônio.

—Quero ficá! Quero trabalhá na fazenda do coroné!

—Zé! Tu queres ser enforcado! - Disse Carlos.

—Sempre na direção da montanha. - Disse Antônio.

E Zé partiu em direção à montanha, ao quilombo,comlágrimasnosolhos.Ocoronelpreso dentro da árvore viu a tristeza de seu escravo, ao partirparaaliberdade.

—NossoirmãozinhoAntônio,republicanoe abolicionista!-DisseCarlos

— Se ele voltasse para a fazenda, seria enforcado pelos funcionários de nosso pai.RespondeuAntónio.

—Eseovelhovoltar? -PerguntouCarlos

—Ele não volta! - DisseAntônio. Ele não temidadeparaenfrentarafloresta.

— Agora é só dividir a fortuna do velho! DisseJoãoPedro.

—Eafazenda?-PerguntaCarlos

—Vai ser muito difícil vendê-la! É distante de tudo! Deixa para o curupira, que é melhor para todos.FinalizaAntônio.

Eostrêsfilhosretornaramparaafazenda.O coronel, preso pela árvore, viu e ouviu toda a conversadeseusfilhos.Aárvoredefloresvermelhas voltouaserocurupira,eseaproximoudaárvore,e olhou o avermelhado olho esquerdo do coronel por alguns segundos, e partiu para dentro da floresta. O corpo do coronel morreu de fome dentro da árvore.

Contista: PedroPaiva

19 LITTERA

“CriaturasdaNoite”

Composição:FlávioVenturini/LuizCarlosSá.

https://www.youtube.com/watch?v=SuPn-lHqPJY

Noite de inverno. Mabel sai do trabalho no mesmo horário em que os estudantes terminam suas aulas. Faz muito frio. Todos os que estão na rua provavelmentegostariamdeestaremoutrolugar Um colega a deixa perto do ponto de ônibus. Despedidas cordiaisemecânicas.Atravessaapraçaescura,atrásda luz que não acha. Resiste ao desejo absurdo de correr atéaavenidamenossombria,comosetivesse10anos novamente. Se fizer isso, vai ser vista como louca e chamaratençãodetodos.

Pessoasnacalçadaformamumpequenogrupo. Quase ninguém conversa. Há as luzes das telas de celulares, filtradas pelo branco da neblina fina que começa a cair. Ela se sente, por alguns segundos, num filme noir francês. Mas logo volta à realidade. É uma trabalhadora cansada, ainda usando o uniforme do supermercado,longedecasa,numanoiteincomumente gelada.Nessemomento,avisãodoparaísoéumprato desopaquente,umcobertormacioeachancededormir algumas horas, depois de ver TV Há alguns anos, na adolescência,jamaisimaginariaqueoÉdenpoderiaser construídocomtãopouco.

Observa as criaturas ao seu redor. Casacos, blusas grossas, gorros, cachecóis. Por alguma razão, fica evidente que quase nunca usam essas peças, que aquela paisagem e aquele momento é uma exceção na vida de todos, apesar de serem pessoas comuns, terminando uma terça-feira igual a tantas outras... Seu ônibus enfim surge ao longe...Mabel se sente aliviada, ao mesmo tempo com a incompreensível sensação de estar perdendo algo, deixando para trás uma preciosidadequejamaisserárecuperada.

DACANÇÃONASCEUMCONTO Professoraepoetisa: VeraFigueiredo

No ônibus, olhares de alívio e cansaço, a doce pazdamissãocumprida.Mabelsesentaaofundo,perto dajanela.

Observa as lâmpadas das ruas, a névoa formando um halo em seu entorno. O ônibus para noutroponto,maispessoasagasalhadas,encolhidas.Vê um casal jovem que parece discutir, com gestos incisivos. Imagina tratar-se de outra cena de filme, de personagens que depois chegarão a um final feliz, previsível. Um rapaz alto, carregando uma mochila pesada,senta-seaseulado,masparecenemaperceber, absorto naquilo que ouve pelos fones. O romance que Mabel imagina, iniciado numa estranha noite de inverno,nãovaiacontecer...

As ruas da cidade vão ficando para trás. As criaturas da noite descem uma a uma, com enorme expressãodealívio.

Chega a vez de Mabel. O coletivo se aproxima doponto.Mabelrefazmentalmenteoroteiroquesegue todasasnoites:andardepressa,carregarabolsajuntoao peito, fazer uma oração silenciosa, ter as chaves nas mãos antes de chegar ao portão de casa. Carrega um celularbarato,obatomcereja,umbombomamassadoe umanotade10.EtemacópiadoRG.Seforroubada,os prejuízos serão pequenos, pois foram calculados e preparadoscomantecedência.

Amoçasobeaviela,quasecorrendo.Pensanos pais, no irmãozinho. Falta pouco agora. E, por um segundo,elatemainexplicávelsensaçãodequeperderá algoparasempre...

Diante do portão, Mabel vê Diego, o irmão menor.Abreoportão.Antesdeentrarefecharaporta, olha pela última vez para a noite gelada lá fora, como paraumsonhoquelogovaisedissipar.

20 LITTERA

AS FRONTEIRAS SE DILUEM

E comum que professores de literatura ouçam de seus alunos as perguntas: “Isso que eu escrevi é um conto?” ou ““Como eu classifico esse texto?”, “O que eufaçoparaessetextovirarumacrônica?”

Temos a necessidade de enquadrar nossos escritos numformato,daraelesumafamília,umaclassificação. Ao analisar essa questão, devemos entender que primeiro nasceram os textos. Depois disso, foi feita a classificação.Ouseja,alivrecriaçãoliteráriaprecedeo enquadramento em determinado modelo. E nem sempreépossíveldelimitarumúnicogênero.

Tomemos como exemplo o capítulo inicial de Iracema, de José de Alencar, clássico do nosso Romantismo, em que encontramos uma prosa que se mistura claramente à poesia, sem que saibamos onde cadaumacomeçaoutermina:

“Verdes mares bravios de minha terranatal,ondecantaajandaianas frondesdacarnaúba;

Verdes mares que brilhais como líquida esmeralda aos raios do Sol nascente, perlongando as alvas praiasensombradasdecoqueiros.

Serenai verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco aventureiro manso resvaleàflordaságuas.

Ondevaiaafoutajangada,quedeixa rápida a costa cearense, aberta ao frescoterralagrandevela?

Onde vai como branca alcíone buscando o rochedo pátrio nas solidõesdooceano?”

GÊNEROS
TEXTUAIS:
21 LITTERA

Dificilmente, portanto encontramos um texto em queapenasumgêneroéidentificável,poisosformatos se mesclam, e um gênero serve como suporte a vários outros. Podemos colocar um poema numa carta. Ou umareceitadebolo.Talvezumaletradecanção.Num romance,háumainfinidadedesubgênerosenvolvidos.

Cabefazermosaquiumaimportanteobservação: esseraciocínio,obviamente,nãopoderiaseraplicado atextoscientíficosoulegais,porexemplo.Umabula deremédionãopodeconterumpoema.Umlivrode Químicanãopodeserescritodamesmaformaque umdeFilosofia.EaredaçãodoENEM,queexigeum textodissertativo-argumentativo,nãopodetrazeruma narrativa.Quandomencionoessadiluiçãoentreas fronteirasdegêneroselinguagens,refiro-me especificamenteaotextoartístico,literário,cujo objetivoéessencialmenteestético.

Aliteraturamodernacontribuicadavezmais paradissolveressasfronteirasentreosgêneroseas linguagens,pois,comasmídiasdigitais,novos gênerossãoconstantementecriadosemodificados, numprocessocontínuo.Temosblogs,postse stories emredessociais,comentáriosemsitesdenotícias, fóruns,e-mails,obraslançadasemplataformasde autopublicação. Ocorretambémcommaior frequênciaatransposiçãodeumgêneroparaoutro. Se,porexemplo,otextodeumblogpassaacompor umoutdoor,jápertenceaoutrogênero,poisas intençõescomunicativasserãodiferentes.Textos jornalísticosviram posts nasredessociais,ou podcasts.Imagens,palavrasesonsseunempara comporlinguagensinusitadas.

minicontos, por exemplo, aproximam-se da linguagemvelozemutifacetadadainternet,aindaque mantendooselementostradicionaisdotextonarrativo (personagens, enredo, narrador, tempo e espaço) Poesia e prosa se misturam. Novos formatos são experimentados. Alguns permanecem. Outros, serão descartados. Vivemos a era do instantâneo, do fugaz. Muitoseproduz,epoucopermanecerá.

Ou seja: os gêneros textuais não devem ser vistos como camisas de força. Na criação literária, a liberdade é elemento primordial. Se você escreve literatura, deixe que seu texto nasça livre. Naturalmente, seu estilo se encaminhará para um determinado gênero, se essa for uma característica de sua criação. E você se descobrirá contista, cronista, poeta. E ainda, dentro do vasto campo da poesia, poderá se identificar com o soneto, o haicai ou, quem sabe, com os versos livres permita-se explorar livremente as possibilidades. A literatura lhe permite fazer essa viagem, que é só sua, e trazer dela os elementosquesóvocêpodeescolher...boaviagem!

Os
Professoraepoetisa: VeraFigueiredo 22 LITTERA

PONTILHADO

Nos teus olhos vejo pontos, Pedaços incompletos, Frases soltas de um conto, Sem caminho ou rumo ceo.

Em você há um espaço, Que eu não posso alcançar, Um caco, um estilhaço, A metade de um luar.

Aexistência descrita em poesia, rimasecores,pelosolhosdeuma jovem dos anos 1980. As experiências,angústias,sonhose divagaçõesdealguémque,naera pré-internet,ouveLegiãoUrbana e U2, enquanto mergulha na literatura e dela faz o seu caminhoeasuarazãodeexistir. São poemas intimistas, mas universais; doces, mas rebeldes; rimados,maslivres;antigos,mas atuais.

CEREJAS Pelas cerejas

Escorre o licor... É sangue escarlate, Não mais chocolate. O sumo escorreu, Seu rumo perdeu... As frutas pequenas São vivas, apenas, Reluzem vazias, Assim como eu.

hps://www.amazon.com.br/JUVEN%C3%8DLIA-Vera-Figueiredoebook/dp/B07W87QFJR/ref=sr_1_1?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5 %BD%C3%95%C3%91&crid=1ESQWGXW736SP&keywords=Juven%C3%ADli a+vera&qid=1642994223&s=digitaltext&sprefix=juven%C3%ADlia+vera%2Cdigital-text%2C286&sr=1-1

Entrevista especial PAULO LINS

Quandoaliteraturaentrouem suavida?

Quandoeracriançaosmais velhoscontavamhistóriasna calçadadenoitenarua,meus pais,meusavós,osvizinhos! Contavamhistóriasefoiaí quemeapaixoneiporhistória, porliteratura.Erabem criançanãotinhatelevisão, computador, nãotinha internet,nãotinhanadadisso eouviahistóriasdosmais velhos,quecontavamparaa gente.

Comovocêvêaimportância daliteraturaearteemgeral navidadaspessoas?

Aarteépara desenvolvimentohumano,é paravocêseconhecere conhecerooutro,aarteéa verdadehumana,não necessariamente! Fernando Pessoadiziasenãoseise poesiaoufilosofia,ea filosofiaéaverdade,verdade humana,verdadedaquelas coisasquevãoficarevaiser verdadehoje,foiverdadea duzentosanosatrás,evaiser verdadedaquiaquinhentos anos,aliberdadeabsolutade cadaserhumano, Apoesia..a arteéparacontrolarseus sentimentos,paravocêse colocarnolugardooutro,é paravocê seenxergar na sociedade,que,mesmoem todasdiferenças,vocêéigual aoutroserhumano!aoutro serhumano!

FernandoPessoadizia senãoseisepoesiaou filosofia,eafilosofiaé averdade,verdade humana,verdade daquelascoisasque vãoficarevaiser verdadehoje,foi verdadeaduzentos anosatrás,evaiser verdadedaquia quinhentosanos

Vocêacreditaqueépossível todapopulaçãoteracessoà literatura?Oquepodeser feitoparaqueexistaesse acesso?

É...também,sefizesseisso,o mundoseriabemmelhor,não sóliteratura,mastambém ensino,domodogeral,o estudodomodogeral,ser dadoparatudomundo,étudo quenóstemos:umavisão socialistadascoisas,éque todomundotenhaacessoà escola,aoensinodeboa qualidade,quetodasas criançastenhamodireitoe possamterdireitoepossam ter(direito)aoensinoescolar formal

Comofoiversuavivência realsendoconhecida, primeiramente,emseulivro, CidadedeDeus,edepoisnas telas?

Foiumarealização,émuito difícilvocêpublicar,émuito difícilvocêfazerumfilme, umfilmeéumacoisadifícil derealizar. Émuitocaro, envolvemuitagente,entãofoi umarealizaçãomuito confortável,muitoboa,que aconteceucomigo.Foium resultadodeumesforço muitogrande!

24 LITTERA

Depoisde25anosdeCidade deDeus,comoéasualeitura davisãodapopulaçãoem relaçãoasuaobra?

Naverdademinhaintenção quandoescreviCidadede Deuseradiminuiraviolência, Naverdadeeunãoiaescrever umromance,eunãoiafazer umaobradearte,euiafazer umtrabalhodeantropologia. Comonãotinhamuita experiêncianalinguagem antropológica,euescreviem romance,queeramaisfácil paramim,maseuescrevi CidadedeDeusparadiminuir aviolência!Queas autoridadestivessemoacesso (aotexto)...ediminuira violência!

Qualaimportância,nosdias dehoje,abordarotemada vidanaperiferiaemseus roteiros? Éjustamenteomesmo intuito,aartecomo funcionandocomomissão,o queagentequerédiminuira pobreza,terquetodostem queteracessososbens matériasnecessáriosparaque vocêvivaconfortavelmente,o processodequemfazeste trabalhoéisto,seromelhor trabalhoouganharprêmios,é vocêpegarasociedadee combateradesigualdade sociais!

Comummundoatualcom tantospreconceitos,quala importânciada representatividadeemobras literáriasatuais?

Quemlê,apessoaquetem umhábitodeleitura,vaiter umaconsciênciapolíticabem maisapurada,Issoéfato!A nossagrandepreocupaçãoé quealiteraturachegueamais pessoas,nãosócomo entretenimento,mascomo umaquestãopolítica,paraa pessoaterconsciênciadesi mesmoedasociedadeaoseu redor!

Naverdademinha intençãoquando escreviCidadedeDeus eradiminuira violência,Naverdade eunãoiaescreverum romance,eunãoia fazerumaobradearte, euiafazerumtrabalho deantropologia.

Vocêacreditaquealiteratura deveriaestarnasescolas, criançaslendodeacordo com suafaixaetária;osjovens, no ensinomédio;criarum incentivomaiordentrodas escolas?Amãeeopainão leem,dificilmenteofilhovai ler?

Euconcordocomvocê,deve termaislivro,maisdebate, maissemináriossobre literaturanasescolas, presençadeescritores;os escritoresdeveriamiraos colégios,ogovernofinanciar isto,oestadofinanciaraida deescritoresparaconversar comascriançasparaterem maisconsciênciacrítica!

25 LITTERA

Comoéfeitootrabalhodo escritorparaaproduçãode umanovaobra?

Vocêtemqueacostumarcom estaideia,geralmentepode demorarmuitotempo,pode seràsvezesdeumahorapara outra,vocênãotemcontrole sobreisso,umacoisaque podedemoraranos,podeser deumahoraparaoutra,muito relativo!

Omercadoeditorialme parecehojemuitomais fechado,sefacilitoumuito paraescrevercoma informática,muitagente escrevendoepoucaseditoras querendopublicaralgonovo! Queincentivovocêdariaao novoescritor?

Quaisasmídiasvocêainda pretendeatingircomseus roteiroselivros?

Quenuncadesista!Sempre foidifícil!Nuncafoifácil publicarumlivro!Seapessoa gostarmesmodeescrever,ela nuncapodedesistir!Na verdadeosescritoresnunca desistem,elesvãocontinuar, elesnãovãodesistir,os escritoresnãovãodesistir! Entãoeunãotenhoconselho nenhum,porquequemgosta deliteraturanuncavai desistir!

Tudoqueforliteratura,for meiodecomunicação, audiolivro,livroescrito, televisão,cinema,internet, vouusartudoparamostraro meutrabalho;oqueeupuder usar

Existealgumtemaquevocê aindagostariadeabordarem seustrabalhos?

Não!Nãotemtema especifico,oqueaparecereo queforimportanteno momento,issovaimuitoda épocaqueagenteestá vivendooualgumacoisaque aconteçanaminhavida, talvez,pegueissopara escrever!

Quenuncadesista! Semprefoidifícil! Nuncafoifácil publicarumlivro!Sea pessoagostarmesmo deescrever,elanunca podedesistir!Na verdadeosescritores nuncadesistem,eles vãocontinuar,elesnão vãodesistir,os escritoresnãovão desistir!Entãoeunão tenhoconselho nenhum,porquequem gostadeliteratura nuncavaidesistir!

Roteirodaentrevista: GabrielaPaivaNogueira ePedroPaiva

26 LITTERA

O leitor atento se surpreende e comemora, ao perceber que a protagonista é contemplada com umaliçãodevaloresnãoefêmeros, que se quer ensinar à sociedade, geração após geração. São eles o respeito,aalteridadeeaempatia.

O livro é um presente para jacareienses e estrangeiros. Além de mostrar que as ciências física e matemáticapodemcontribuirpara transformar o passado num presente melhor, deixa o leitor curiosoparaentendermaissobrea vidadeLetícia.

Mitosbrasileiroscontadosemumoutroformato que nos levam a uma época remota e nos mostram figuras que fazem parte do imaginário coletivo: o coronel, os escravos, os índios, a mocinha bonita, o rapaz que volta da cidade, formado, para a casa dos pais. No meio disso tudo, um mosaico rico dos sentimentos e elementos que compõem a existência humana: amor,medo,morte,desejo,hipocrisia,ganância, maldade, vingança, arrependimento. Nas entrelinhas,críticassociaisimportantes.Nacena emqueorapazvaiaomanicômio,porexemplo, e encontra ali pessoas que simplesmente não eramaceitaspelasociedade.

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Prometeu

Doqueadiantaapromessainfundada?

Doqueadiantaaplantaçãomal-cuidada?

Doqueadiantaoamor?

Senavidavocêescolheuserummeroator.

Seaperdanãoteressuscita, Seeuestoutãoabatida, Seoseucorponãomaisrespira, Diga-meoqueaindatemotiva.

Senaescuridãovocêseperdeu, SeaalegriasetornouseuPrometeu*, Senahistóriavocêéojudeu…

Porquedizesqueoseucastigosoueu?

Agoraeusoudor,masjáfuiamor

Eu—suaalma—estoutentandoentender Porqueaosofrimento, Vocêdecidiuserender.

*Mitologiagrega

DéboraTeodoroSouza

EnsinoTécnicoemQuímicaIntegradoaoMédio

EtecCônegoJoséBento-Jacareí

LITTERA
28 LITTERA

A inconstância

Napequenasacadademinhacasa aosventosdanoitegelada estoudepéobservandoohorizonte sobospingosdachuvainconstante

Oefêmeroreflexodosprismascelestes juntoàsluzesdosinfindáveispostes comosaltosastrossemterrestreelo tristecenárioqueparamimétãobelo

Porqueéanoitesinônimodetristeza

Seencontramosdescansoemsuagrandeza?

Porquesãoosastrosenvoltosemescuridão sedaluzastrevastêmaversão?

Porqueéovermelhosinônimodefúriaeódio

Setambéméamorecuidado?

Porqueéachuvadepressiva

Senaáguaedaáguasefaznasceravida?

Qualseriaomotivodasduplicidades? aténossoplanetaseparamosemduasmetades Comoseriaobom,ruim?Ouaalegria,tristeza?

Talvezarespostaestejaemnossanatureza

Porqueéaluzafonteinefáveldaverdade

Seamesmacega,aoSolconcedevaidade.

Ahipocrisiadavidaestánoolhar,napequena lente masaculpanãoédela,poiselanãomente aculpaestánoprocesso,nainterpretação

Emcomoomundoécompreendido,anossa visão

Oolharnegativoéfoice,terrívelfuracão destróiedivide,espalhailusão porissoeuescolhoaboaparte comarazão,vejodoUniversoasuaarte

GabrielCarneiro

EnsinoTécnicoemQuímicaIntegradoaoMédio EtecCônegoJoséBento-Jacareí

LITTERA
29 LITTERA

- Eu te amo.

❤ - Para, não diz isso.

- Pq? É a verdade, eu amo você.

❤ Eu te odeio

❤ - É que eu não sei como dizer isso pra você.

- Ah, então você não gosta de mim, me desculpa.

❤ - Não! Não é isso, é que, é complicado, sabe?

- Se é tão complicado, pq não me ajuda a entender?

❤ - Não é tão fácil, você sabe de onde eu vim, sabe pelo que eu passei, você viu as cicatrizes.

- E o que isso tem a ver?

❤ - Olha, em casa, demonstrar afeto não era comum, digamos apenas que era mais fácil apenas dizer um "eu te odeio", do que "eu te..."

- Eu te amo?

❤ - É, isso mesmo.

- Quer saber? Que se dane, se não vai me amar, quero que pelo menos me odeie.

❤ - O que? Pq eu faria isso?

- Isso mesmo, se não vai falar que me ama, diga que me odeia.

❤ - Eu sabia que isso tudo era uma péssima ideia, me desculpa, eu vou embora.

- Não! Espera, não vai embora, deixa eu me explicar

❤ - Ok.

- Eu quero que você me odeie, a ponto de socar minha cara, com a sua boca.

❤ - O que?

- Isso mesmo, e eu vou te odiar tanto, que viu quebrar sua espinha, com os abraços mais apertados que eu conseguir.

❤ -Acho que entendi, nesse caso, prometo que vou te odiar a ponto de levantar todo dia feliz, só pra ver essa sua cara de tonto.

- E eu te odiarei tanto, que irei rir de todas as suas piadas idiotas.

❤ - Vou te odiar tanto, que ficarei amigo da sua mãe, só pra poder aparecer na sua casa todo almoço de domingo.

- E eu vou fazer questão de sentar do seu lado, apenas pra te irritar o tempo todo.

❤ - Prometo te odiar, a ponto de ficar sem ar toda vez que te ver.

- E eu ficarei vermelho de raiva, só de olhar pra essa sua cara linda, digo, idiota.

❤ - Vou te odiar tanto, que no seu casamento farei questão de estar na sua frente, só pra você ser obrigado a colocar um anel no meu dedo.

- E eu vou te odiar até estarmos velhinhos e sentados na varanda de casa fazendo fofoca sobre os vizinhos.

❤ -Allister. – Ace.

❤ - Eu te odeio. - Eu te odeio mais.

❤ - Eu te odeio muito mais.

- E eu odeio te odiar.

❤ - Prometo te odiar pra sempre.

- E eu também vou te odiar pra sempre.

PedroPaulodaSilvaMoraes

EnsinoTécnicoemQuímicaIntegradoaoMédio

EtecCônegoJoséBento-Jacareí

LITTERA

Jacareí,23demaiode2022

Caros(as)estudantes,

Minha mensagem é antes de tudo um pedido: não deixem a literatura morrer ou definhar Continuem escrevendo, lendo, compartilhando histórias. Continuem contando cada pedaço do seu dia num diário trancado a sete chaves.Desenvolvamumblog,escrevamumtextosobreumfilmeaqueassistiramousobreopratoespecialquesuaavó fez para o almoço de domingo. Descreva seu(sua) namorado(a) ou seu artista preferido em um poema. Está triste, indignado(a),revoltado(a),eufórico(a),apaixonado(a),entediado(a)?Transformeissonumtexto,aindaquesimples.A literatura,acreditem,éarteacessívelatodos.Paramim,elavestejeansecamiseta(oubabylook),nãoprecisadetrajede gala; está no cotidiano de todos nós. Claro que nem todos possuem talentos excepcionais, e, mesmo entre os mais habilidososcomaspalavras, poucosganharãofamaouriquezapormeiodasletras,éumfato.Mastodospodemosnos manifestaratravésdapalavraescritaereceberinfinitasexpressõesvindasdeoutraspessoas,numaviademãodupla.

Parareforçarminha“carta-manifesto-pedido”recorroaumasíntesedaquiloqueseacreditaseremasfunções daliteraturanavidadoserhumano.OfilósofoAristótelesdefiniutrêsdelas:acognitiva,acatárticaeaestética.Como passardotempo,outrosestudiosostrouxeramsuacontribuiçãoaessadiscussão,ampliandoalista,queficouassim:

1-Funçãopolítico-social:realizarcríticassociaisepolíticas.

2-Funçãocatártica:liberaremoçõesesentimentos.

3-Funçãoestética:geraradmiraçãopelobelo.

4-Funçãocognitiva:transmitirconhecimento.

5-Funçãolúdica:entreter,relaxar,envolver.

Quandoescrevemose/oulemos,portanto,exercitamosessasfunçõesevivenciamosaspossibilidadesqueelas nos trazem. De diversão; acesso à beleza de uma obra de arte; crítica social e/ou política; identificação com os sentimentos trazidos pela trama ou pelos personagens; transmissão de conhecimentos entre as pessoas, os povos e as gerações.

Sevocêéum(a)jovemqueapreciaaliteratura,quedevoralivros,queesperapelolançamentodanovaobrade seu autor preferido, que guarda seus livros com carinho, ou mesmo que os lê na versão digital, orgulhe-se disso e experimenteconhecernovosgêneros,autores,linguagens.

Se você escreve, seja em que gênero for, organize suas publicações, registre as datas, aprimore seus textos, estudesobreosgrandesmestres.Comoescritor(a),tambémvaleapenatentarnovosformatos,diversificarsuasfontesde inspiração e seu estilo. Não fique triste ou ansioso(a) em razão da dificuldade para divulgar seu trabalho literário. Grandesautores,comoCoraCoralina,escreveramdurantetodaavida,massóvieramapublicarumaobranamaturidade.

E,sevocêéum(a)jovemquenãogostadeleitura,esóbuscaoslivrosporobrigação,dêumachanceàsletras. Comececomalgunsminutosdeleitura,sobreumassuntodeseuinteresse.Váampliandoesselequeaospoucos.

Para encerrar, deixo meu agradecimento aos (às) estudantes que enviaram seus textos (contos, crônicas, poemas)parapublicação emnossarevistavirtual,a“Littera”,sobaorientaçãodaprofessoraElisiane.Recebemostextos dediferentesgêneroseabordagens,mas,emcomum,encontramosotalentoeainventividade. Renovomeuconvite, paraquemaisalunos(as)participemconosco.Precisamosdevocês,paraquealiteraturasobrevivaeserenove.

Vera LúciaFigueiredo Barbosa

ProfessoradeLínguaPortuguesaeLiteraturabrasileira,revisoradetextos,escritora,editoradarevista trimestral“Littera”.

31 LITTERA

Pacto Sinistro Dicas de Literatura

Publicadoem1950,olivroéosinônimodoquesepode entender por “suspense psicológico”. A trama é, sim, original, mas também é impactante por sua simplicidade.

AgrandesofisticaçãodeHighsmithéincrementaressa narrativa de poucos eventos chave e recheá-la com diálogo interno dos personagens, que refletem longamentesobrefatososatosextremoscometidos.De questionamentos filosóficos banhados de existencialismo ao simples jorro desconfortável de interjeiçõesagressivas,PactoSinistroéumaleiturano mínimo torturante, pouco menos de trezentas páginas de paisagens emocionais sombrias. Patricia deve ser comparada com fiódor Dostoiévski em um cenário urbano e dentro de um enredo do Gênero terror psicológico.Acatarse do final é imprevisível e seca e, porissomesmo,acerejadobolodessanarrativa.Olivro éempáticoeimpiedosoemumacontradiçãotornandoseumclássicoinstantâneo,virandoumgrandefilmede Hitchcoockapenasumanodepoisdeserpublicado. OarquitetoGuyHaines,emumaviagemdetrempara Metcalf tratando de seu divórcio com sua esposa Míriam, grávida de outro nome, conhece Charles Bruno,jovemalcoólatra,falastrãoedecomportamento maníaco Entre drinques e gentilezas contam suas próprias histórias que culminam em uma proposta de Bruno:elematariaMíriam,deixandoGuylivreemsua vida profissional e pessoal com sua namorada Anne Paulkner,enquantooHaineseliminariaSamuelBruno, que impedia o filho de ter acesso aos recursos financeiros de sua família. O arquiteto não acredita no planoeambossedespedem,mastemposdepoisopior aconteceemumanarrativacortanteeviciante.

CAMILANAVARROMOTTA 32 LITTERA
PatriciaHighsmith

Crônicas

A TRAJETÓRIA

Cadaumtemasuatrajetóriaecadaqual,asua história.

Estamosháalgumtemponascaminhadasdasnossas vidas;estaríamoschegandocadavezmaispertodo nossodestino?

Hámomentosemqueatéchegamosapensarem desistirporpassamosportortuosasestradas, pisandoembrasas,caminhosruins,viasdemuitopó, experimentamosdiferentesadversidades,desatamos tantosnós.

Jávivemostantascoisaseaindanãonosésuficiente; sofremostantasdecepções;caímos,choramoscom tantasdesilusões.Mastambémtivemosmuitas alegrias,muitomaisdoqueconseguimoslembrar; sorrimosàrevelia,brindamostantosmomentos, tantasvezespudemosfestejar.

Nemprecisahaverfestapragentesegarantirfeliz; Sóportersaúde,paz,emprego,amigos,família... Comosediz,nuncapodemoslamentar;jásetem muitodaquiloquesequis.Devemossempre lembrarqueanossavidanãoéfeitasódetristeza; temosumtantoconquistado,amores,viagens, conhecimentos,...Quantariqueza.

Cavalgadaslongas,diaspesados,lutassuadasedo‐lorosas;marchas,combates-combatidos,...perdas, perdidos.Conflitosinternos,travessiassufocantes, noitesdeinferno,sonhos,pesadelosdelirantes.

Ahsepudéssemosentender!Experiênciasdiárias; diferentesexperiênciasediferentesdiaspra suportar;comovencemostantasbatalhas?Como suportamostantasderrotas?Pancadasquetivemos deamortecer...Ahsepudéssemosnosdefender!

Àsvezespensamosqueooutrotemvantagens, achamosquenóssofremosmaisqueonossoirmão. Não,não,osofrimentoàsvezeséescolhaeas alegriaspodemestarnasnossasmãos.

Cadaqualnasuatrajetória,cadaumcomseufardo esuahistória.Naoháquemsejamelhor;nãosedeve consideraropior.

Todossofremosigualmentenanossatrajetória;cada umcomasuahistória.

Quandoolhamosprojardimdooutro,vemosoverde maisbrilhante;comparamosnossasvidas,enos consideramosmaisfaltantes.

Seeutenhoalgumafalta,meuirmãotambémtema sua,ninguémpodesercompleto,pois,semelanão hávidaqueseconstitua.

Entendersobreoquemefazsofrer,élição fundamental;sofrimentoàsvezeséfaltade entendimentoouatéopcional. Essassãoasnossastrajetórias.Sabersobremime sobreoquepossoter,fazer,alcançar;saberqueo menosàsvezesémais,queomaispodesermaior motivodefalta,maioremaissofrimento;nessecaso, quantidadenãoestáempauta.

Quemcaminhacomféterásuatrajetória amenizada;nessavidaéprecisoacreditaresaberque temmuitagentesofrendodemaneiraexacerbada. Trajetóriaimportanteéaqueladoamor;céu/inferno semprehá,independentedoquefor Essatrajetóriaésónossaequemaquiobemfizer, certamentegozarádemuitapazondeestiver. Semamornãoseconstrói;vidavazia,improdutiva;é passagemdesperdiçada,passaportepramásorte. Maséprecisoconstruiralgobomnessaestadia, criarlegadosquecorroborempraumavidademaior sentidoemaisalegria.

Estamostodosdepassagemcompradamas precisamosprepararnossanovatrajetória,nova morada.

Eoregistrodessavida,seráingressopraumaoutra bemmelhor;seseguirmosalgumasregrasealeido amor,quejásabemosdecor Mãosàobra,meusirmãosdefé.Corageméa ferramentaprorecomeçodeumanovahistória. DeemasmãosaoSantíssimoSenhordeNazaré; Eleiránosajudarnoreiníciodessaimportanteenova trajetória.

33 LITTERA
AdilsonRocha

OLHA O GÁS

Foimeuprimeiroempregocomcarteira assinada.Eraemempresaquerevendiabotijãode gás.Eraajudantedecaminhão,entregavaembares. Naqueletempoerapermitidoavendaembares. Entregavaadomicíliodecaminhãoounuma bicicleta.

Naqueletemponãotinhamúsicaoualtofalante,tinhaquesernogritomesmo,caminhandona frenteegritando:-"olhaogás",eocaminhãologo atrás.Minhadicçãoerahorríveleamaioriadas pessoasentendiam: -"Olllgaaaa".

EmumavendalánoParqueSantoAntônio, emumtipodecondomínio,subioprimeirolancede escadasenadadocliente.Subiosegundo,enadado cliente,oterceiro;esónoquartoandar,queconsegui deixarobotijãocheioedescercomovazio.

Nomesmodiativequesubirumaladeira, pequenocaminhodeterracommatodosdoislados. Nãohavianenhumadificuldadeatéaclientesoltaro botijãovazioladeiraabaixo.Tivequejogarobotijão cheionomatoepularovazio.

Acadadiadasemanaíamosaumbairro diferente,primeirashorasdetrabalhoeramas melhores,trocávamososbotijõesenascozinhas sempretinhaumamocinhatomandoseucafé.Eu trocavaobotijãoeàsvezesrolavaumapaquera.

Tudoissoacabouquandopasseiafazer entregasdebicicletalánobairroSãoJoão.As meninastomandocaféeramraras,entregavaum botijãoequandovoltavajátinhamoutrosdoisoutrês paraserentregues.Erarápidocomabicicleta.A minhadificuldadeeracomosnomesdasruas.

Certavez,quandochegueideumaentrega,eo rapazqueanotavaospedidosmepassououtro, pergunteiaele:-"Ondeficaestarua?",eele respondeu:-"Namesmaruaquevocêacaboude entregar".

Outrofatoquevaleapenarelatarfoiquando transportavadoisbotijõesnabicicleta,umatráse outronafrente,alinobairroJardimJacinto.Cortei caminhoporumavieladeparalelepípedose,de repenteouvioubarulho.Reduziavelocidadeda minhabicicleta,eobotijãoqueestavanagarupame ultrapassouechocou-secomummuroalipróximo. Meuúltimodiafoiumdosmaisinteressantes. TinhajogodaCopa,BrasilxFrança.Logodemanhã apareceuumsenhorencomendandoumbotijão,eo endereçoera"TravessadaAvenidaSantaHelena, númeroalgumacoisa".AtravesseitodaAvenidaSanta Helenaeentreinatravessa,enadadonúmeroalguma coisa.Volteicomobotijão.Osenhorapareceue confirmouoendereçoe,novamentechegueiláenada donúmerotal.Osenhorzinhovoltounarevendae xingoutodos.Paraminhasorteeuestavafazendo outraentregae,pelaterceiravez,monteiemminha bicicletaefuienfrentaraAvenidaSantaHelena. Naqueletemponãotinhamuitotrânsito.Na contramão,quandocontorneiumcaminhão estacionado,donadaapareceuumjaponêsde motocicleta.Foipneucontrapneu...Nãoseio tamanhodoimpacto,sóseiquearodadabicicleta, quediziamserdeaço,virouumoitoeobotijãofoi pararnascoxasdojaponês.Acreditoqueopobre motoqueironãotinhacartademotorista,medisse algumaspalavrasquenãopossoescrevernessa crônicaesumiu.Coloqueiobotijãonabicicletaefui empurrandoaatéatalTravessa.Descobriqueexistia aTravessadaTravessadaAvenidaSantaHelena.O senhortambémmedissealgumaspalavrasquenão possoescreveraqui.Pegueiobotijãovazio,ocheiojá estavapago.Deixeiabicicletaparaconsertare,com obotijãonascostas,volteiparaodepósito.Pedi demissãoefuiveroBrasilperderparaaFrança. Escritor:

PedroPaiva 34 LITTERA

UM PASSEIO PELO PASSADO

Joaquina da Silva, conhecida na cidade como Dona Quininha, hoje já em sua idade um pouco avançada,mascomamemóriaeconsciênciavivaz,láia ela caminhando no centro da cidade de Jacareí, o trânsito era intransitável, ela parou uns instantes em frenteàigrejadapraçaCondedeFrontin,umfilmefoi passandoemsuamente....Antigamente, bemali,estava alinhaférreadotremquecortavaacidadenomeioda praça; com o olhar triste, viu, onde hoje está a igreja Universal, antes era o Cine Rio Branco, que, para o delírio dos jovens da época, apresentava duas sessões nos finaisdesemana.

A mulher suspirou, Revirando para o lado, reviveuafonteluminosaquejorravasuaáguacoloridae brincava com o sorriso das crianças, dos moços e velhos. Rodopiando o corpo levemente, pôde sentir a sombra daAssociação Comercialcom seu alto-falante gigantee,fechandoosolhos,teveasensaçãodeouviro cantorRobertoCarloscantando“QueroqueTudoMais VáParaoInferno”,maselaestavaali,paradaemfrente à igreja do Bom Sucesso. Sem temer e esperar pelo cansaço, a senhora continuou a solitária caminhada e desceu a praça seguindo pela ruaAlfredo Shuring até cruzar os quatro cantos da cidade e alcançar a Praça Anchieta, parou em frente à igreja , a igreja da Matriz....pensounasuaadolescência, eraolugaronde brincava, o coreto lá estava, a banda tocava só em sua mente, era festa, e, nos velhos tempos, a festa da padroeiraNossaSenhoradaConceiçãoeraamaiorea mais frequentada festa da cidade. Dona Quininha delirou e quase dançou no meio da praça, esta já mudada, sem gosto de festa com seus comércios, escritórios e consultórios, em lugar dos casarões antigosdepropriedadedasilustresfamíliasmoradoras daépoca.

Agora, já sentindo o cansaço dominando seu corpo inclinou a cabeça para observar o jardim maltratado pelos vestígios da poluição dos carros, a lembrançadamãeveioemsuacabeça,elaquecuidava econversavacomasflores,aavóquecuidavacomzelo da igreja, dos meninos que brincavam no coreto nas tardes de domingo, seguindo seu pensamento longínquo, caminhou pelas ruas transformadas pelo tempo e pelo espaço, voltou para casa, abriu a porta, olhouparaamoçadoquadronaparededasala, e sua memória retornou ao tempo presente, sentou-se no sofá perto da janela, sentiu-se aliviada depois do passeiopelopassado,epor sentir-seemcasa,fechouos olhos,edestavez.DonaQuininhadormiuparasempre.

Escritora:

CecíliaReginaDellape

35 LITTERA

O Primeiro Beijo

Se tem uma coisa para qual eu vivo é o amor, aliás, hoje, com 32 anos, costumo dizer que eu não tenho mais coração para aventuras de amor.Aliás, na verdade, sempre sonhei com um único amor, aquele amor que durasse pra sempre. É, rapazes também sonham com um único amor, com casamento,sonham acordados, fazem planos, ficam bobos, choram e enlouquecem.Issomesmo,oamorromânticonãoésó "coisademeninas", meninostambémsonham.

Emboraeusempreacreditassenumúnicoamor, não foi o que aconteceu na minha vida, tive alguns amores, algumas paixões, algumas loucuras. Por isso nãoqueromaisamar,amarparamimémuitoperigoso. Porissopossocontarquetiveminhafasede"pegador"; nãoqueeumeorgulhedissohoje,poistudotemoseu preçoeconsequências.

Mexendo nas minhas memórias, me lembro de uma garota por quem me apaixonei, já era minha terceirapaixão,daquelaspaixõesàprimeiravista.Aos poucosnosaproximamos,nostornamosquaseamigos, foiquandoreveleiminhapaixãoporela,ficousurpresa ao ver sua foto como papel de parede no meu computador.Eralinda,cabeloslongos,negrosmaisque apróprianoite,seusolhoscastanhosescuros,foramos olhoscastanhosqueeumaisamei.

Depoisdefalardosmeussentimentos,disse quetambémimaginavacomoserianósdoisjuntos. Logopergunteioqueimpediadissoacontecer.Logo explicouquenuncahaviabeijadoaninguém,enão sabiacomoera,econfessouseumedo.Entãotentei acalmá-la,maspediuumtempoparapensar.Eeu, claro,deiessetempo.

Fiquei uma semana sonhando, e esperando, o tempo não passava, eu mal a via, mal nos falávamos, foi estranho, cheguei a acreditar que já tinha desistido. Decidi ir à casa dela, ela saiu no portão, e disse pra eu voltar para minha casa e esperar que, naquela noitinha, ela viria me dar a resposta.Espereimaisansiosodoquenunca,aquela seria uma das minhas maiores conquistas. Quando chegou, meu coração disparou; entrou sentou na cadeira, inclinou a cabeça para baixo, com os cotovelosnaspernaseasmãossegurandoacabeça. Euentãodesciaochãoefuiatéela,encosteiminha testanatestadela,olheinosolhosdelaeficamosnos olhando. Dava para eu ouvir o coração dela acelerado, e ela meio trêmula, sem dizer nada. Foi então que perguntei: "não vai dizer nada?" Ela me imitou, repetindo o que eu disse. Eu disse: "ah, vai meimitar?"Eladenovorepetiuoqueeufalei,então eu disse: "olha, não brinca com fogo", de novo ela repetiu minhas palavras. Eu disse mais uma vez: "então vai ser assim?" Ela repetiu de novo; pra acabar com a história, eu falei: "me beija", repetiu: "mebeija",eeuabeijei,penseicomigo:jáquevocê pediu…"

Comoeujáhaviaditoeujáhavia namoradoalgumasvezes.Masel...Aquelefoio primeirobeijodela,aquelefoinossoprimeiro beijo,aquelefoioprimeirobeijoqueeuameide verdade.

Cronista: AlisonSilva

36 LITTERA

UmFimdeTardepela 5ªAvenida

Faziafrio

Eraumbucólicofimdetardedeoutono

Amareladopelasfolhasquecaíamsuavemente

Omundogiravasobnossospés

Eagentenempercebia

Otempopassava...

Ecaminhávamosjuntospela5ªAvenida

Estávamosfelizes!

Falávamosdomundooudealgumapaixãoqueficou nopassado

Tentávamosjuntosunirtodasaspalavras

Quecaíramnovazio

Ecomelasescrevermosumafrasedeprotesto

Contrafaltadeamor Anoitecia...

Eadmirávamosasvitrines

Easluzesdosinfinitosletreiros

Queexplodiamacidadeemmilharesdecores Comoseestivéssemossonhando

Dentrodeumcaleidoscópio

Nosdeparávamoscomtodasaquelaspessoas

Sozinhoscontinuávamosacaminhar

Asaudadenosapertava

Deixando-nosvaziosnaquelasesquinasdistantes

Eentreumcaféeoutrolíamosasnotíciasnosjornais

Umadelasfalavadenossopaís

Lembramosdenossajuventude

Denossosamigos,nossosídolos

Tantossonhos!

Tudoficouparatrás

Mascaminhandoporaquelaavenida

Percebemosquenadahaviachegadoaofim

Mesmoquemuitoantes

Poeta: Róbinson da Silva

37 LITTERA
(Robinho)

São versos proibidos aos olhos, ardem como uma chama que não se apaga.Édoolhar,prestesapartir.Da surpresadoadeus.Daúltimapalavra, é tentar explicar o porquê de existir, existirem os sentimentos, os olhares queseprendemComosepudéssemos viver, o amor. Mas não é verdade, alguns amores não existiram pra seremvividos.

Ecomodesejarumarosa,amaislinda do mundo, e não poder tocá-la. Alguns olhares se cruzam, e grudam na memória e no coração, sem respostas,fazemocoraçãobatermais forte,semtermotivo?

Sinopse

Existevidaapósoamor?

Existevidaapósviciarnoteuolhar?

Euexistodepoisdisso?

Oqueexistedevocê?

Oqueexiste?

Existimos?

LITERATURA SEM FRONTEIRASO ESCAPE

Hoje comemoro meu trigésimo quinto aniversário, fico velho, mas não importa. A vida é maravilhosa, uma festa da cabeça. Me chamam, tem barulhodemais.

KayronVasco?Évocê?Tim?Quemestáaí?

Sen noção alguma. Meu nome é Timo Koster, bemsei,mechamamdeTim,prazer

"Você tem que escrever o livro da minha vida, Ranji,ok?Desdeocomeço."

Fui adotado do Brasil por pais holandeses e também com o resto da família mantenho um relacionamento bom. Em casa reina a felicidade. Realmente,tudoépossível,semtabus;minhainfânciaé ótima.Euamoaescola,quandoaindafuimuitojovem osprofessoresjáperceberamminhascapacidades.

"Tem que incluir isso, vejam de imediato o que euseifazercoisas."

Eu mesmo preferi ficar de pé na aula, falei por cimadetudo,foramrisosatétodomundoficardobrado. EuestavamaiselétricodoqueumapessoacomADHD dopada,amigodaescolatoda,edeaindamaispessoas na'colôniaagrícola'.

Quando consegui minha carteira de motorista recebi um capacitado Peugeot 106 GTI, com aqueles grandes guinchos por baixo. Eu poderia pedi-lo emprestadocomoincentivoparamelhorarosresultados naescola.Todobêbadoetal,euachei-meoreidabanda de40amigosladrões.Aquelecarromegarantiuqueeu pertencia.Nemcompletamentedesperdiçado,euleveia galeraparatodososlugaresedevolta.

Amadurei,comeceiapensar Tornei-mesensato, por assim dizer. Assim, eu troquei a bar-discoteca da colônia pelas festas hardstyle. Bebi litros de cerveja e farejeimontanhasdespeed,atéasseisdamanhã,tudo erapossível.

Meumelhoramigo,José,obompastor,vendoeu me destruir disse: "Vamos realizar teu sonho, um feriadonoBrasil".

Não conseguia dormir durante semanas. A melhorviagemdetodosostempos.

Voamos para Rio de Janeiro, minha cidade natal,semplanos,apenasnosdivertindocomosempre, sóquenomeupaísnatalcommeusirmãoseirmãs.

TodoslásóconversaramcomJosé.Carregaram as malas dele, eu carregava as minhas Quando estávamos em um restaurante, perguntaram-lhe o que queríamos comer, quando eu queria comprar algo, olhavamparaeleparapagar.Masquemerdaeraessa?

DequemeraafamíliaBrasileira?Nãodelenão,certo? Uma noite -- José estava roncando e eu não conseguiadormir--euencontreiumirmãonarua.Ele falou comigo, se parecia exatamente comigo. Eu tive umaconversa,mesentitãoàvontade.Superlegal. Começou-me a berrar o cara em tupi. Mas ele era tão magro quanto eu, sabe -- só que eu estou acostumadocomaquelescamponesesenormes--então lhe dei um murro. De repente, revelou-se que havia muitoscarasmagricelas.Leveiumchutenascostas,caí no asfalto. Todos pularam em cima de mim e bateram emmim.Quandomeouviramgritaremholandês,eles fugiramemtodasasdireções.Eeusangrandonarua. NaHolanda,todosdisseram:"Queterrívelpara você,Timo".

Paramim,tantofez. "Anotaissohem,queeunãomeincomodei."

Suavemente ouvi algo como: 'Não estrague tudo',masnementendidireto,entãosóparatercerteza queavanceiemergulheitãofundonadrogaquenunca maissubiàsuperfície.

Apartirdaqueleferiadofiqueiacordadofinsde semana inteiras, fui a qualquer festa. Depois fiquei na casadaspessoas,tudogiravaemtornodepapo,bebidae cocaína.

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Aatençãofemininaengasgava-me.Felizmente, meucomplexodeinferioridadeasespantoutodas.Eusó queriaumacoisa:lascar-mejuntoaosamigos.Fêmeas proibidas.

Graças a Deus, quando eu tinha vinte e sete anos, apesar daquela festa perpétua, eu havia conseguidoalgo:umfortevícioemcocaínaeumaconta bancáriavazia.

"Porsinal,nãocolocaissoaí."

Eu estava ancorado no fundo de poço, tão profundo que não conseguia ver a parte superior e estavainundadoatéaborda.

Estavameafogando.

Entãoouvidizerqueháalgonovo:oTinder.E se eu deixar uma mulher entrar no meu coração? De minhas inúmeras fotos de festa, escolho as mais impressionantes,porisso,estouaquiparaumdeleite.

"Sim Ranji, comigo se diverte, essa é a minha salvação."

As conversas são tão boas que as senhoras querem conhecer-me. Mas após o primeiro encontro elesmelargaram.Muitosensato.

UmanoiteeutenhoumencontrocomMatilde, que não quero estragar Então eu pego emprestado o BMW de um amigo e levo meu acompanhante a um restaurantebemacimadaminhanívelsocial.Alémdo adhd em meu corpo, tenho nervos na gargantae pô no nariz;souaindamaisselvagemdoquedecostume.Ela nãovênadaalémdemim.

Realmenteeu.

Eudesçoemminhasemoções,quemeinundam porela.Euajoaindamaislouco,gritomaisaltoeblefo aindamais.Desdequeelanãopercebaoquantoeusou umperdedor.

Quando a conta chega, meu aluguel acabou de ser pago, então ela tem que pagar. Eu sou tão tolo e agoraelatambémsabedisso.

Continuo exibindo-me. Nós rimos de nada, fazemos compras nessas saboarias, saímos. Eu penso nela o dia todo Posso dizer de tudo que não é mútuo.Matildesabiaqueeuviviaporcontaprópriahá anos. Mas eu tinha acabado de sair de casa por dois meses.

Eutambémtinhaumemprego,disseeu. Verdade,eusempretivetrabalho,embora estivessevagando;euestavaatuandoavintepor centodeminhacapacidade.Naquinta-feirameufim desemanacomeçouenasegunda-feiraeuesperava

Cadavezqueeupareciatãoestranhoqueelame perguntava se eu estava "sob a influência ou algo assim", eu afirmava que não estava me sentindo bem. Nodiaseguinte,euestavasempredepé,funcionando. Atéqueelamepegoucomfermentoempó.Ela não aceitou isso, ela era contra, nunca provou nada. Nemsequersaiu.

Pareicomessamerdatoda.Nãoqueriaperdê-la, estavaprontoparaumrelacionamento.

Não doeu nem eu ter que jogar o meu material na privada na frente dela. Ela me deu uma olhada por cimadoombro.

Eu tinha outro pacote no bolso que cheirei na mesmanoite.

Depois desapareci profundamente disfarçado. Já menti sobre muita coisa para muitas pessoas, agora mentiaindamaisparatodosesobretudoparaMatilde. Comodiversão,euescapeidacenadadroga,no melhormovimento.EucomproumacasaemZeewolde emoramosjuntos.Quandoadmiramosasluzesnoteto, eu sinto; é isso mesmo, sabes? Isto é o que eu quero, sempre. Nos joelhos peço-a em casamento. Sem anel, sem plano, só fala. O momento mais bonito da minha vida.Istoénosso,asestrelasestãodançandoaonosso redor.

Nossocasamentoserárealizadonoantigosalão municipalondemeusavóscasaram. Nossodiadecasamentoéamaldiçoadoporuma chuvatorrencialqueimpregnaatodos.

Cegos e surdos de amor, mudamos o banquete paraomoinhodomeupai.Osolestábrilhandoagora— há esperança para nós — e então a festa de todas as partesaindanãocomeçou.Todosestãolá,DJatrásdas mesasgiratórias,todososenfeites.

Após nove meses, nosso filho chegou E aparentementepodeseraindamaisfantástico;umanoe meio depois, chega o próximo. A vida sorri para nós "Ponhaumaemoticonsorridenteaí,Ranji".

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Uma ninhada minha dá um empurrão para se tornarumbompai.Matildemepuxaparaforadaravina. Euaamo,seuhumor,elaéumamãedetopo.Porisso, fugi o mais longe possível deles. Trabalho, amigos, ciclomotores; tudo veio primeiro, desde que não me apegaria. Realmente, abracei os três até a morte, mas nãoconseguicriarlaçoscomminhaprópriafamília.

Eu comprei minha casa no auge da crise econômica.Euavendinoaugedomercadopelopreço mais alto e comprei o palácio ao lado de meus sogros. Literalmente,umaportanacerca.Pátiodafrente,pátio de trás, eu pego meu antigo hobby; consertar ciclomotores.Porfim,conseguimeorganizar

Depois vieram as coisas em movimento. Matilde estava muito grávida do terceiro, estávamos compressa,entãoeuescapeiparaoceleirocomminha Gileraparacontinuarrespirando.

Eu estava completamente fora do planeta Overdose, ambulância a caminho. Nosso filho mais novo perguntou: "Onde está o papai? Ninguém conseguiameencontrar Eutambémmeperdi.

Depoisdeumasemana,Matildemeencontrou. Novamente.Emetrouxedevolta.Novamente.

Então eles me mandaram para a reabilitação. Tive dificuldades. Depois daquela briga, durante as férias,algumacoisahaviaestalado,aprendiedescobri que sentia falta de meus parentes de sangue no Brasil. Eu tive que procurar minhas raízes; quem é Kayron Vasco?

Subiaescadanointeriordomeupoço.Masera muitoalto,muitoíngreme,muitoescorregadio.Eunão ousavaamarninguém,queriafazê-loporcontaprópria. Apesar disso, eu posso fazer isso. É claro que posso fazer isso. No topo das escadas, estou limpo, limpoefrescocomoumbaldedelama.

"Porque eu não tenho que fazer isso sozinho, sabeRanji?"

Eu gosto de minha família, vejo como eles gostam de mim, a responsabilidade que eu costumava fugirdeagoramedáforça.

Claro,euaindaluto,sim,masnãotenhoapetite. Nossafamíliamedáasas,eunãoprecisodessamerda. Tenho ajuda que normalmente nunca aceitaria, meu adhdestásobcontrole.Meuempregadorsabedetudo. "Eusoubomnomeutrabalho,cara,sim."

Eu vejo minhas próprias capacidades e eles também as vêem. Eu mesmo me desenvolvi, ganhei diplomas,aindaestoucrescendo.

Entramos em águas mais calmas. Em 11-012021 é hora de celebrar novamente; nossa filha nasce. Elaéoanjoqueouçoedestavezeuentendoaltoeclaro: Nãoestraguetudo,papai.

Escritor: RanjithPostma

Tradução: JanOldenburg

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FALAR DE AMOR?

Acanetaflutuasobreopapel, Lânguidaecuriosa...

Parecepreguiçosa. Contemplaofirmamento CravejadodeestrelasBrilhantes

ealuanumadasfasesmaisbelas!

Porinstantes, Sinto-metocado porummágicoprazer Dever,

Decontemplar

Oespíritodanoite

Ealmasavoar!

Conectadaspelosfiosdoluar!

Envoltasemcor sobrenós, afalardeamor.

Ficosemvoz.

Nossoscoraçõessãoumsóunidossem laçonemnó.

Quepossofazer?

Éoamoraacontecer.

Sempalavrassuficientes Paratedizer.

Osolinvadeapalhota, Escrevendoesperança

Osonhoveste-se,imediatamente, Depromessasesorrisosdecriança.!

Levanto-mepaulatinamente. Abarcoobrilhodasflores, Expostasaomeuolharfranzido, Empafiadasporabelhasgenocidas.

Mergulhoomeuegonosdesamores

Eumavozaudazordena:

‒Recupereaconfiança Sorria,hojeéteudia Criança!

Umbrilhodiferenteencheu-meo olhardeternura...

Aindaháesperança, Paramim,sesoucriança, Então,alegro-memesmosemfartura.

ESCRITOR:

CRIANÇA! LITERATURA SEM FRONTEIRAS
DionísioMuzime 42 LITTERA

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