REVISTA LITTERA N 5

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LITTERA REVISTA Nº 5 120 anos de Os Sertões* Cincoprofessoras entrevistamaSecretária deEducaçãodo municípiodeJacareí, MariaThereza Cyrino. Contos Poemas Entrevistas Quadrinhos Crônicas Parceria entre a LITTERA e “Cônego José Bento”. As produções dos jovens constituem um interessante mosaico de gêneros e tramas, que dão voz aos dilemas, percepções e questionamentosdesuageração. Aurora sem Dia, conto de Machado de Assis EUCLIDES DA CUNHA

Aexistência descrita em poesia, rimasecores,pelosolhosdeuma jovem dos anos 1980. As experiências,angústias,sonhose divagaçõesdealguémque,naera pré-internet,ouveLegiãoUrbana e U2, enquanto mergulha na literatura e dela faz o seu caminhoeasuarazãodeexistir. São poemas intimistas, mas universais; doces, mas rebeldes; rimados,maslivres;antigos,mas atuais. PONTILHADO

Nos teus olhos vejo pontos, Pedaços incompletos, Frases soltas de um conto, Sem caminho ou rumo
você
espaço, Que eu não posso alcançar, Um caco, um estilhaço,
CEREJAS Pelas cerejas Escorre o licor... É sangue escarlate, Não mais chocolate. O sumo escorreu, Seu rumo perdeu... As frutas pequenas São vivas, apenas, Reluzem vazias, Assim como eu. hps://www.amazon.com.br/JUVEN%C3%8DLIA-Vera-Figueiredoebook/dp/B07W87QFJR/ref=sr_1_1?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5 %BD%C3%95%C3%91&crid=1ESQWGXW736SP&keywords=Juven%C3%ADli a+vera&qid=1642994223&s=digitaltext&sprefix=juven%C3%ADlia+vera%2Cdigital-text%2C286&sr=1-1
ceo. Em
há um
A metade de um luar.

Chegamos com muita alegria à 5ª edição da revista LITTERA. Literatura, cultura e arte, numaabordagemsimples,semabrirmãodaprofundidade!

DestacamosnessaediçãoaentrevistacomaSecretáriadeEducaçãodomunicípiodeJacareí, MariaTherezaCyrino.Educação,sabemos,ésempreprioridadeeassuntodointeressedetodos. Assim,cincoprofessorasformularamasperguntas,queabordamatrajetóriadeMariaThereza,sua atuaçãocomosecretária,aconcepçãodeJacareícomo“CidadeLeitora”eosnovosprojetospara áreadaeducaçãonomunicípio.

Em“DicadeLivros”,CamilaNavarroMotta,nossaespecialistaemliteraturaestrangeira, escreve sobre “Paris é uma Festa”, do célebre escritor estadunidense Ernest Hemingway. Vale a penaleraanálisedeCamila.ElerHemingway,claro!

Nossacolaboradora,EstherRosado,professora,escritoraepsicanalista,trazumartigoem que lança novas luzes sobre o épico “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, obra grandiosa, que completaumséculoecontinuaatualíssima.

Temos ainda um depoimento de NazareLelé Gonçalves, contadora de histórias, sobre a importância de sua arte e sobre como esse trabalho pode auxiliar no aprendizado e formação das pessoas,especialmentedecriançasejovens.

Maisumavez,apresentam-seostextosdosjovensalunosdaETEC“CônegoJoséBento”, numa mescla interessante de gêneros, estilo e temas, que representam a voz da nova geração na literatura.Dessavez,asautoraspublicadossão:CamiladeFátima,MariaClaraLapae Sabrina Brito. Vou contar um segredo: selecionar os textos é sempre uma tarefa árdua, devido à alta qualidadedasproduçõesdosestudantes.

EDITORIAL –dezembro/2022
A LITTERA, 5ª edição, conta ainda com o auxílio luxuoso de André Siqueira, Carlos BuenoGuedes,CecíliadeAbreuDellape,LarissaFerreira,PedroPaiva,ThoméThemístoclesMadeira,VeraFigueiredoeWaldirCapucci,emdiferentesgênerosetemas. Leiamcomcarinho.Arevistaédetodos Atéapróxima!! Oseditores: PedroPaiva VeraFigueiredo
ÍNDICE 120 anos de Os Sertões Pág.06 O SEMÁFORO - PAG16 Prazer,eu sou a desenhista. PÁG 17 Cincoprofessorasentrevistama SecretáriadeEducaçãodo municípiodeJacareí, MariaTherezaCyrino. PÁG21 A DE E CONTAÇÃO HISTÓRIAS SUAS CONTRIBUIÇÕES A PARA APRENDIZAGEM NazareLelé GonçalvesPÁG24 Aurora sem Dia, conto de Machado de Assis - pág 27 Dica de Leitura: Pariséumafesta–ErnestHemingway pág 30 SEM TÍTULO PÁG 18
POEMAS CANÇÃODAPRIMAVERAPÁG19 CECÍLIAREGINA Tentonãomedistrair PÁG19 LarissaFerreira
PÁG19 PedroPaiva CONJUNÇÕES CONCESSIVAS PÁG 20 VeraLúciaFigueiredo PALAVRAS&SUCATASPÁG20 CarlosBuenoGuedes HEITORTEM6ANOSpág20 AndréSiqueira CRÔNICAS “ É A D HOJE O DI A BESTA” PáG 11 A CASA DA FALÉSIA PáG 12 A ÚNICA COISA QUE GUARDEI COMIGO PáG 12 “Osapatinhodejudeu daminhamãe”PÁG13 “A casa é sua” PÁG 14 BoLiNHos CaiPiRaS Somo caipiras do Vale do Paraíba. pag 25 Pequena Flor Sabedoria pág 31 Pedro Paiva CONTOS MORcego, morceguinho... PÁG32 ESTHERROSADO ThoméThemístocles-Madeira WaldirCapucci ThoméThemístocles-Madeira CecíliaDeAbreuDellape VeraLúciaFigueiredo
Abayomi

ARTIGO

120 anos de Os Sertões*

AoserenviadoaCanudos como correspondente pelo jornal A Província de São Paulo(hoje,OEstadodeSão Paulo), em agosto de 1897, mal sabia o engenheiro Euclides da Cunha que escreveria, em decorrência disso, um dos mais importantes livros da literaturabrasileira.

Exatamente há 120 anos, nodia2dedezembrode1902, era publicado - pela Editora LaemmertS/A-olivroquefoi marco de uma época e que, ainda hoje, revela-se como uma fascinante leitura, disposto a pôr a nu um dos acontecimentos mais dramáticos da História do Brasil republicano: a Guerra de Canudos.

Euclides da Cunha denominou-o Os Sertões e, escrevendo-o, passa a ser o primeiro escritor brasileiro a fixar em sua obra a existência de"doisBrasis"distintosentre si, separados por geografia distinta: o Brasil do sertão, pobre e miserável, e o do litoral, que ostenta uma riqueza facilmente observável, mas que se mantém sob a tutela de uns poucos.

Olivroéobradifícil; em primeiro lugar porque é quase impossível reduzi-loaumsóestiloou gênero literário, resultante que é de reportagem,ensaiocrítico e científico, ficção e literatura, panfleto informativo, impregnado do Positivismo, de l i n g u a g e m c u i d a d o s a m e n t e elaborada, classificada muitas vezes como "barroco científico", dado o número exorbitante de contrastes, antíteses e paradoxos usados para interligaros"doisBrasis" euclidianos.

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Nele,oescritordescrevealutanaregiãoNordeste da Bahia, encravada no Vale do rio Vaza barris, ladeadapelasserrasdoCocorobóedoCambaio:élá, em Canudos , que 20.000 habitantes liderados por Antônio Conselheiro, um líder messiânico, fanático religiosoe(comoseimaginavaàépoca)sebastianista, que ocorrerá o maior genocídio brasileiro . Quando , finalmente, o Exército, comandado pelo próprio Ministro da Guerra, Marechal Carlos Bittencourt, invade o arraial no dia 5 de outubro de 1997, está findada uma "Campanha" trágica, assentada de um lado no combate a um foco de resistência monarquista(?) e , do outro, das mazelas provocadas peloisolamentosocial,aignorância,afome,adureza do meio, a vida sofrida do sertanejo objeto de um coronelismo(quase)feudal,àmargemdaHistória.

Éprecisoobservaraquique,apósterassistidoao final daquela "Campanha", o escritor registrou seu repúdio àqueles acontecimentos, observando que lamentavahavernascidonoBrasil.

Ecoa,ainda,entrenós,adecepçãodeEuclidesda Cunha,aofinaldaquelabatalha:"Emvezdemandaro Exército,deveriammandarmestresdeescola.»

A "Troia de taipa"

O gosto pelas m e t á f o r a s históricas fez com que Euclides da Cunha inúmeras vezes designasse Canudos como "a Tróia de taipa".

E n ã o e r a , c e r t a m e n t e , distintodissoovilarejodeBomJesus,regiãodeBelo Monte,apelidadode"Canudos"emdecorrênciadeas mulheres, assim que chegaram ao lugar, fabricarem uns"pitos"(cachimbos)desaibroqueimado,aosquais incorporavam uma haste longa dos "canudos" que vicejavam nas margens do Vaza-barris. Vendidos nas feiras de Juazeiro do Norte, incorporados a eles , os cachimbos,ostais"canudosdepitos"deramorigemao nome da região, sustentaram a fome daquela populaçãoenomearamaprópriaguerra,umadasmais cruentaspassagensdenossahistória.

A divisão da obra

Há quem afirme serem Os Sertões obra meramentesociológica;antesqueapenas isso, é um grande legado literário. Está certo que sua linguagem é "difícil" e tendeparaosolene,mascompreensível, tecidasobaóticadeterminista,detalhada como convém a um registro desta natureza. Grandiosamente composta, monumental, está dividida em três partes:ATerra,Ohomem,Aluta

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I. A terra:

II. O homem

"Barbaramente estéreis; maravilhosamente exuberantes..."

Naprimeirapartedeseulivro,oescritortraçaum primoroso e bem detalhado perfil das condições geográficas brasileiras. Era de esperar que esse engenheiro militar, com profundos conhecimentos geográficos e geológicos, em botânica e etnologia, estampasseumaespéciedetratadodescritivodenosso paíse,sobretudo,nordestino.

"Então,atravessiadasveredassertanejasémais exaustivaqueadeumaestepenua.

Nesta,aomenos,oviajantetemodesafogodeum horizontelargoeaperspectivadasplanurasfrancas.

Ao passo que a caatinga o afoga; abrevia-lhe o olhar; agride-o e estonteia-o; enlaça-o na trama espinescente e não o atrai; repulsa-o com as folhas urticantes, com o espinho, com os gravetos estalados em lanças; e desdobra-se-lhe na frente léguas e léguas, imutável no aspecto desolado: árvores sem folhas, de galhos estorcidos e secos, revoltosos, entrecruzados, apontando rijamente no espaço ou estirando se flexuosos pelo solo, lembrando um bracejar imenso, de tortura, da flora agonizante... "(frag.)

Euclides da Cunha pretende demonstrar, nesta segundapartedeseulivro,umestudoétnicobrasileiro: aqui aparecerão citados os formadores da etnia nacional: o índio, o negro e o branco português e o resultado da miscigenação, uma sub raça de "mestiços" advindos dos elementos inferiores e superiores.Paraele, amestiçagemtendea,sobaótica do Evolucionismo, criar seres decaídos, sem a força ancestral dos selvagens nem a energia intelectual dos ancestraissuperiores.

Já antecipando o conflito de Canudos, exporá a genealogia de Antônio Conselheiro, cujos ancestrais davam-se a práticas de crimes e vinganças de toda a sorte. É assim que indica os habitantes da região: brutos, truculentos, violentos. Essa mistura que acentuadefeitosvaifazerpartedoséquitoquecircunda Conselheiro: Manuel Quadrado, Antônio Beatinho, Pedrão, Pajeú, JoãoVenâncio, Raimundo Boca-Torta, JoãoAbade.Todospredispostosaocrime,ladroagem, assassinatosefurtos.

"O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.

A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizaçõesatléticas.

''E desgracioso, desengonçado, torto. HérculesQuasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gigante e sinuoso, aparenta a translação de membros desarticulados. Agrava-se a postura normalmente abatida,nummanifestardedisplicênciaquelhedáum caráter de humildade deprimente. A pé, quando parado, recosta se invariavelmente ao primeiro umbral ou parede que encontra; a cavalo, se sofreia o animal para trocar duas palavras com um conhecido, cai logo sobre um dos estribos, descansando sobre a espendadasela.Caminhando,mesmoapassorápido, não traça a trajetória retilínea e firme Avança celeremente, num bambolear característico, de que parecem ser o traço geométrico os meandros das trilhas sertanejas. E se na marcha estaca pelo motivo maisvulgar,paraenrolarumcigarro,bateroisqueiro, ou travar ligeira conversa com um amigo, cai logocai é o termo - de cócoras, atravessando largo tempo numaposiçãodeequilíbrioinstável,emquetodooseu corpo fica suspenso pelos dedos grandes dos pés, sentado sobre os calcanhares, com uma simplicidade aumtemporidículaeadorável. Éohomempermanentementefatigado."

É esta a partição mais significativa da obra.Aqui, Euclides da Cunha, investido de seu papel de correspondente do jornal A Província de São Paulo, narrará em detalhes o que era o arraial, povoado por 20.000almas,sobacustódiareligiosadoConselheiro.

As múltiplas investidas do Exército, as profecias ("O sertão vai virar mar e o mar virar sertão") : um D. Sebastiãoapareceriacomseuexército,saídodasondas domar,ecortariaacabeçado"dragãodamaldade".

Mas D. Sebastião não veio ao sertão baiano: os sonhos,muitasvezes,sãosonhadosemvão...

Aoseapresentardiantedatropanodia5deoutubro de1897,oajudantedeordensdeConselheiro,Antônio "Beatinho" tirou o gorro azul de listras brancas e anunciouquevinhaseentregar.Inquirido,reveloualgo quefezrirossoldados:"OnossobomConselheiroestá noCéu..."MorreraobomConselheirodeumasimples "caminheira", expressão horrenda, no dizer de EuclidesdaCunha,paradesignaradisenteria.

O homem que não se rendera durante meses de privações fora morto por uma simples disenteria, naquele sertão baiano, em plena primavera quente de 1897...

"Fechemosestelivro. Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro, apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cincomilsoldados.

III. A Luta

"Faleceraa22desetembro AntônioConselheiro. Alioencontrounumamanhã AntônioBeatinho. Estavarígidoefrio,tendo aconchegadoaopeitoumcrucifixo deprata."

Forremo-nos à tarefa de descrever os seus últimos momentos Nem poderíamos fazê lo Esta página, imaginemo-la sempre profundamente emocionante e trágica;mascerremo-lavacilanteesembrilhos. Vimos como quem vinha uma montanha altíssima. Noalto,apardeumaperspectivamaior,avertigem... Ademais, não desafiaria a incredulidade do futuro a narrativa de pormenores em que se amostrassem mulheres precipitando se nas fogueiras dos seus próprioslares,abraçadasaosfilhospequeninos?

E de que modo comentaríamos, com a só fragilidade da palavra humana, o fato singular de não aparecerem mais, desde a manhã de 3, os prisioneiros válidos colhidos na véspera, e entre eles aquele Antônio Beatinho, que se nos entregara, confiante - e a quem devemos preciosos esclarecimentos sobre esta faseobscuradenossahistória?

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Caiu o arraial no dia 5. No dia 6 acabaram de o destruir desmanchando lhe as casas, 5 200, cuidadosamentecontadas.

(...)

"Antes, no amanhecer daquele dia, comissão adrede escolhida descobrira o cadáver de Antônio Conselheiro.

Jazia num dos casebres anexos à latada, e foi encontrado graças à indicação de um prisioneiro. Removida breve camada de terra, apareceu no triste sudário de um lençol imundo, em que mãos piedosas haviam disparzido algumas flores murchas, e repousandosobreumaesteiravelha,detábua,ocorpo do "famigerado e bárbaro" agitador. Estava hediondo. Envolto no velho hábito azul de brim americano, mãos cruzadas no peito, rosto tumefacto e esquálido, olhos fundos cheios de terra mal o reconheceram os que mais de perto o haviam tratado duranteavida.

Desenterram no cuidadosamente. Dádiva preciosa-únicoprêmio,únicosdespojosopimosdetal guerra! - faziam-se mister os máximos resguardos para que se não desarticulasse ou deformasse, reduzindo-se a uma massa angulhenta de tecidos decompostos.

Fotografaram-no depois. E lavrou-se uma ata rigorosa firmando s sua identidade; importava que o país se convencesse bem de que estava afinal extinto aqueleterribilíssimoantagonista.

Restituíram-no à cova. Pensaram, porém, depois, emguardarasuacabeçatantasvezesmaldita-ecomo fora malbaratar o tempo exumando-o de novo, uma faca jeitosamente brandida, naquela mesma atitude, cortou-lha;eafacehorrenda,empastadadeescarase de sânie, apareceu ainda uma vez ante aqueles triunfadores.

Trouxeram depois para o litoral, onde deliravam multidões em festa, aquele crânio. Que a ciência dissesse a última palavra. Ali estavam, no relevo de circunvoluções expressivas, as linhas essenciais do crimeedaloucura...»

O livro Os Sertões é, ainda hoje, uma obra incomparável.

Em sua última parte, sobretudo, existe nele o pulsardeumacontecimentoépico:a"Tróiadetaipa", comooquisEuclidesdaCunha,élembrançatrágicada barbárieedaignorância.

Em Canudos e para dentro dela, convergiram forças absolutamente incontroláveis: a ignorância, a violênciaeofanatismoreligioso;poroutrolado,mais ignorância,maisviolência...

Morreram,emCanudos,cercade25000pessoas. Euclides da Cunha soube registrar a face trágica daquela gente, dos soldados e, sobretudo, as ações daquelascriaturasquehojesão,paranós,apenasparte dahistóriadestepaís.

Masamisériadeambosostemposé,noentanto, sempreamesma.

Como sempre são os mesmos objetivos que movemhomenseguerrasinsanas.

*Esther Rosado Aautoraéescritoraepsicanalista

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É A D HOJE O DI A BESTA”

Algumas casas e muros amanheceram pichados com a frase em letras garrafais, não ficando incólumes sequer templos religiosos e o frontispício da prefeitura. Para aquele lugar pacato,deumpovomuitosimplesecomextrema religiosidade, tamanho vandalismo causou estupefação. Parte dos moradores apavorou-se commedodotinhoso,eoprefeitoconvocouuma reunião para acalmar os populares e dar um fim naquelabulhapormedododemônio. Imperioso interpretar o significado das palavras-disseele.

Fez um discurso complicado e passou o megafone aos líderes religiosos para que acalmassemopovaréu.Opadrecitoupassagens bíblicas e o mesmo fizeram os pastores, mas as pregações confundiram ainda mais. Um tinha ditotratar-sedesinalparaatestaraproporçãode fé existente no lugarejo, enquanto outro alegou serumaaçãodivinaparacastigarosnãotementes e um terceiro afirmou que bastava uma corrente de orações para afastar qualquer presença maligna naquele pedaço encantado do mundo. Foiestaúltimaatesemaisacatada,easmulheres eidososseguiramparaorarsobasasasprotetoras etetossagradosdesuascongregações.

Maliniciadooperíodonoturno,anoveladas sete ocupava a atenção dos moradores quando o silêncio foi quebrado pelo som estrépito do bar central. Dito Folgado, de maneira insólita, era o causador de tamanho alarido. Comemorava sua ascensão à classe dos ricos graças a bolada que receberia oriunda de acertos nos jogos daquele dia. Toda a bebida consumida corria por sua conta.

Crente no palpite contido nas pichações decidira arriscar alto. E reservou para si os bilhetes da Loteria Federal com final 66, e ainda apostouvultosasomanojogodobicho,cravando acentena666,númerodabesta,eogrupo17,do macaco, tudo no primeiro prêmio. E o resultado do sorteio lhe fora amplamente favorável; deu macaconacabeçacomamilhar8666.

Sendo um simples comerciante, e não uma autoridadeciviloureligiosa,lógicoqueninguém pensouemconsultá-lo.Antesotivessemfeito,foi o único a interpretar sabiamente a frase apocalípticanaquelesábado.

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WaldirCapucci

A CASA DA FALÉSIA A ÚNICA COISA QUE GUARDEI COMIGO

Nodia24defevereirode1991,decidiqueia parardefumar Assim,desupetão,sempensar muito.Ligueiparaumamigo,dissequeiapassar paraeletodaaminhacoleçãodepiteiras,cachimbos eisqueiros.Elesóacreditouquandotudoestavanas mãosdeleemesmoassimmeolhoudesoslaio.Não pensemque,noafãdeparar,passeitudoparaele. Somenteumacoisaeudeixeicomigo,algoespecial, queeunãoqueriamedesfazer.Nessedia,foiaúnica coisaquesobrounagaveta,umsobrevivente,que atravessoumaistempodoquesepodeimaginar.

Estavalá,olatãoaindabrilhando,nojeitode feituradeimproviso,comobemeranaqueletempo. Ocorpodocartuchoaindaestavalá,apedrano lugareopequenodiscodebordadepederneira, furtodealgumartesãobissexto,quedorústicofez umapeçabemoriginal.Sim,éisso,caros,um isqueiro,dadopormeubisavô,veteranodaIGuerra, feitodeumcartuchodemunição,deforma rudimentar,masdava´prasentir,ainda,aenergia queemanavadaquelapeça,comosetodasos combateseescaramuçasaindaecoassemnaquela pequenapeça.OZippo,maisrecente,deixeique fossecomoAugusto,masomaisantigo,domeu bisavô,ficou,noquererquepartedeleainda estivessecomigo.

Ficouemcimadamesadecabeceira,aolado dorádiorelógio,durantetodootempoemquemorei emSãoLuís,e,quandomemudeipraSãoPaulo,me acompanhouemtodasasperipéciaseestáguardado emumacaixa,juntocomalgumasdasminhas canetas;devezemquandoomanuseio,comoquea evocar,nopensamento,asmemóriasguardadas. Virouumtalismã,queficacomigocomouma proteçãocontraqualquerintempérie. Éoiniciador,porassimdizer,dealgumas lembrançasqueaindapasseiampormim.

Eraminfânciasvibrantes,iluminadas, Mãosdadas,sorrindo,viamomardoalto,por vezesencrespado,porvezesliso,apascentado,até que,delonge,umadelasdizia:“olha,olhao esguicho,elaschegaram“

Eraoespetáculomaisesperado,achegadadas baleias,quevinhamemrotadealimentoe procriação,osesguichosemfesta,ossaltose corcoveionaespumad'água,osolmisturandoas coresnodescampado,osverõessendoarazãode todasasalegrias.

Deinfânciasaadolescências,mundosadultos quechegavam,maselassempretinhamnacasa,nos verõesdecoreseventos,nomarquetraziaas baleias,esguichosdefesta,comoaaliviarascoisas doidas,asmágoas,astristezas;sempredemãos dadas,acasatraziadevoltaossorrisos,oventonas falésias,osol,tudoerafelicidade.

Hoje,juntasprasempre,nosaldaterra,nosal domar,aindavelam,nodescampado,osverõesde solecores,osesguichosdasbaleiasaindaasaudara estação,acasaaindanoalto,ecoseternosdevidas felizes.

12 LITTERA
ThoméThemístocles-Madeira

“Osapatinhodejudeu daminhamãe”

Quandoemcriança,ouviaaminhamãeconversando comasflores,comoseasfloresfossemcriançase precisassemdeorientações,aminhamãeeramuito severa,espantava asborboletas,porqueestas enquantolagartadevoravamasfolhasdasplantas quecomtantocuidadoezeloeramtratadasporela; asvizinhasquenãoconseguiamcuidardesuas plantaseasdeixavamquasemortas,logolevavamnasatéaminhamãeparaqueelaasdevolvesse formosaseviçosas,elaeracomoumamédicadas plantas,ouumasimplescuidadoradeplantas,pois, emnossacasa,asplantaseramasprotagonistasda família.Observandoarelaçãoqueaminhamãe tinhacomsuassamambaias,renda-portuguesa, gerânio,flor-de-maio,avencaeoutrastantas, aprendiaterumoutroolharparaavida,aprendi comelaqueexistiaumoutromundo,foradeste mundo.Ela,noentanto,apesardetantalutaelida, faziasuatravessiaaoentrarnomundodasflores; aprendicomelaaimportânciadascoisas desimportantesesimples.Comsuasmãos,minha mãereproduziafloresemvasos,mudandosempre praláepracá,eerampresentessempreoferecidosa alguém.Navarandadesuacasahaviaumvaso enormecomumaorquídeaqueelachamavade sapatinho de judeu.Quandocriança,nãoentendia essecodinome,leveimuitotempoobservandominha mãe,cuidandodossapatinhoscomtantocarinho,e eupensava:porqueseráqueelaconversacom aquelesapatinhoeaindaochamadejudeu?Cheguei atéapensarquenossafamíliatinhaalgoavercoma origemjudaica,descobrimaistardequeerasóo formatodaorquídeaquepareciaumsapatinhoque osjudeususavam.

Depoisqueminhamãesedespediudessemundo e foi morar em seu jardim predileto, e suas coisas foram distribuídas, eu herdei o vaso do sapatinho de judeuecomoelaeuoreproduziemoutrostrêsvasose todososanos,quandoacabaooutono,elescomeçama florir, e os vasos ficam repletos de sapatinhos. O ensinamentoeapoesia dossapatinhosdejudeusãoa maiorherançaqueeurecebidavidaedaminhamãe.

CecíliaDeAbreuDellape 13 LITTERA

“A casa é sua”

Composição:ArnaldoAntunes

https://www.youtube.com/watch?v=Y-xVpQ1KRWw&t=319s

As casas são muitas. Algumas nas cores da moda. Outras, sem pintura, o reboco a mostrar uma eternaejánemnotadaincompletude.Váriasdelassão solenes,sérias,devidroeaço.Outrasparecemsaídas decontosdefadas,commargaridasnojardimejanelas com cortinas rendadas. Há casas que não são casas, são apartamentos, mas mesmo assim alguém que ali moranosconvida:“vailáemcasa.” Certascasasparecemquesaíramdenovelasou filmes,sempretãoarrumadaseimpecáveis,semnada fora do lugar. Outras, são meio caóticas, com livros por todo canto, como a minha, ou plantas espalhadas pelos cômodos, ou os objetos de trabalho de seu morador(Tintas?Martelos?Novelosdelã?Madeiras e ferramentas? Pranchetas?), que teimam em sair de seu habitat e invadir os espaços ao redor Ao que parece, o ocupante, ao contrário dos visitantes, encontra uma lógica cartesiana nesse seu caos particular. Se há crianças na casa, então, o “impecável” torna-se quase tão difícil quanto encontrarumpolíticohonesto...

Háascasascomperfumes.Adosmeusavós,no Jardim Jacinto, tinha um cheiro doce de frutas misturadas.Hoje,semprequevouàfeira,voltoàquela casa, puxada pelo aroma dos abacaxis, mesclado ao das bananas-maçãs e das goiabas maduras. Também hácasascomperfumesdeflores,madeiraenvelhecida, cachorromolhado,roupasendopassada.

Háasmansões,deondeparecesemprequesairá um chofer uniformizado, a conduzir a “madame”. E também as casinhas simples, os “puxadinhos”, onde moramosqueconstroemdefatoopaís.

Existemascasascomdiversoscômodos,ondese podefazerumabiblioteca;talvezumasaladeleitura, oudeginástica.Talvezpossasercriadoumjardimde inverno,algoquesempreacheieleganteepoético.Via sempre um deles, quando levava meus filhos ao consultóriodoDr.Arlindo,opediatra. Eháascasas pequenas, em que muitas pessoas resolvem seu dia a dia em espaços minúsculos, sem direito a preciosos momentosdesolidãoeprivacidade.

Em algumas casas, há barulho todo o tempo. Pessoas falam, bebê chora, cachorro late, panela de pressão apita, rádio toca rock. Em outras, há um silêncio confortável,de passos leves e sons suaves. E quanto aos que moram sozinhos, cabe lembrar, nem sempre são solitários. A solidão não se fixa na casa, masnaalma.

Acasa tem momentos.Agitação no fim da tarde, quandotodosvoltamdeseusafazeresesereúnem.O silêncionofechardanoite.Aagitaçãodamanhã,queé diferente,temseutompeculiar.

14 LITTERA

Acasaviveglóriasetragédias.Ficafelizcomo cobertor novo que espera pela visita há muito distante. Ou com a sacola da maternidade, desfeita sobreacama.Resplandececomachuvaquelhebate notelhadodepoisdemesesdeseca.Torna-seescurae pesada quando algum de seus habitantes parte para sempre. A pessoa ausente parece impregnada nas paredes, nas roupas, nos lugares que ocupava antes. Entrar numa casa em luto recente é um exercício de coragem.Evoltaraoquartodequemsefoiéumadas piores sensações da vida, que só o tempo ameniza. Depois ficam as fotos, as lembranças, um restinho insistentededor,dominadapelaforçadavidaedosol quebateláfora.

Háalgocomumentreascasas.Todas(ouquase) têm fogão, pia, mesas, cadeiras, camas. A forma, a disposição e a quantidade desses elementos, e de outros menos básicos, permitem combinações infinitasesempreexclusivas.Eu,porexemplo,nunca entendi a função da mesa de centro. Para que uma mesinha baixa, no meio da sala? Da mesma forma, muitosachariamabsurdaamaneiracomo“organizo” meu espaço. Que não é só meu, aliás. E chegamos aquiaoutrodilemadahumanidade:comoconciliarna mesma casa as manias e preferências de seus moradores? Uns bagunceiros, outros organizados. UmtemalmadeHumanas;aoutra,deExatas. Você guardaacolanagaveta,masalguémalevaparaoutro lugar, e por lá fica. Você sai para atender à porta e, quandovolta,ocopodesucojásumiudolugaronde haviasidodeixadominutosatrás. Ocachorrofazxixi na almofada, não respeita as regras estabelecidas democraticamente.Quemnãogostadelerreclamado excesso de papéis tomando os ambientes. Há os clichês: dizem que todos os maridos deixam toalhas molhadassobreacamaeque quasetodasasmães umdiajápronunciaramafatídicafrase:“senãotirar essasporcariasdaqui,voujogarnolixo”.Eujáouvie jáfalei...

Acasaéorefúgiosaboroso,asopafumegantena noitedeinverno.Ouéparaondenãoqueremosvoltar, depois de uma discussão com outro ocupante, ou quandoládeixamosumproblemaguardado...

Acasaéumdireitogarantidoporlei,estáescrito, mas,paraalguns,torna-seumsonhosomente,“osonho da casa própria”. Penso que todos deveriam ter a condição de dizer a um amigo, familiar ou vizinho, a frasequedátítuloàcançãodeArnaldoAntunes,eque inspirouessacrônica:“Acasaésua!”.

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Texto:VeraLúciaFigueiredo Foto:Wikipédia

O SEMÁFORO

Parei! Mas tudo ao meu redor continua em movimento, os pneus deslizam depressa no asfalto quente por conta do calor; adolescentes felizes com casquinhas de sorvete em suas mãos vêm dando risada,eseempurrando,umjeitoesquisitodebrincar; a menina de calça jeans e moletom caminhando à frente deles está claramente incomodada com o barulho, talvez, do fone vermelho que cobre completamentesuasorelhas,tenhaacabadoabateria, eagoraservesomentecomoumabafadordobarulho, numa tentativa de fugir da realidade barulhenta e caótica;senhoresdeidade,umpoucoatrásdemimem uma praça, jogam dominó com uma animação contagiante,quefazparecercomoseaquelejogofosse afinaldaCopadoMundo.Napraçaemqueestavam, também havia ipês amarelos que adicionaram um charmeaolugarcomaluzdosolpassandoentresuas flores, a cada brisa suave de verão, uma daquelas delicadaspétalascaía.

Agora,oscarrosjánãoandavam,porisso era fácil de perceber o diferente mundo que acontecia dentro de cada carro: em um havia uma família, um homem com o senho baixo, os olhos cerrados, uma mulher, que olhava vagamente a janela, com o pensamento longe, e duas crianças que dormiam profundamentenascadeirinhasdobancotraseiro;em outro carro, havia somente uma moça, com o semblantecalmo,bembaixoeuconseguiaouviruma sinfoniavindodoveículo,aoseulado,umamochilae umablusacomalgoescrito,nãoconseguiler;maisao longe se via um carro com uma agitação no seu interior,quandoforceimeusolhos,pudever,erauma senhora de idade com um filhote de dálmata, a diferença de energia era cômica, mas a paciência da velhaeraacalentadora,acadapulodopequenocão,a senhoradavaumsorrisoeumarisada.

Osinalabrenovamente...eeunãoatravesseia rua.

MariaClaraLapa 3ºEtimQuímica

LITTERA
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Prazer,eu sou a desenhista.

Em um ateliê, uma desenhista estava em sua mesa, pensando em como agradar seu professor e conseguiranotaqueprecisavaparaotrabalho.Tentou umacríticasocial,masnãoeraoqueelequeria.Tentou explorar o que aprendeu sobre a anatomia humana, "bonito",seuprofessordisse,"masaindanãoéoque quero". Na última vez, tentou algo que seu professor demonstrava amar e resolveu desenhar o mestre em uma biblioteca, "muito bem elaborado e bem feito", eledisse,"masaindanãoéoquequero".

Agora, a desenhista se encontra em lágrimas, seperguntandooquefazerparaseuprofessoragradar, enfim ela pega seus desenhos de quando era apenas uma garotinha, sem nada com o que se preocupar, desenhava o que viesse na mente e no coração. Um sorrisoseabreemseuslábios,umaluzapareceemsua mente, a inspiração invade sua mente e a garota desenhistareaprendeadesenharcomocoração.Elase recosta na cadeira e encara o desenho já pronto. "Como é possível enxergar tantos sentimentos em apenasumdesenho?",elapensa.

Mais uma vez ela segue em direção ao seu professor, mais uma vez ela lhe entrega seu desenho, mais uma vez a ansiedade a invade. "É um belíssimo desenho", ele diz olhando fixamente para a obra, "agora,sim,éoqueeuqueria",eledizelogofinaliza: "estou orgulhoso de você, mas caso você precise conversar, vá à minha sala". Ela o olha com os olhos marejadoseoagradece.

Aquelafrase,aquelapequeninafrase,eratudo oqueelamaisprecisavaouvirnessesúltimosdias.

Prazer,eusouadesenhista.

CamiladeFátima–1ºEtimAdministração LITTERA 17 LITTERA

Soumulher,ehojeeumorri Indoaotrabalho, Umhomemveioemdisparada "Quesejaapenasumassalto"eutorci Fuiterrivelmenteabusada

Soumulher,ehojeeumorri Termineicommeunamorado Elenãoaceitou "Nãoserámaisdeninguém,entendeuorecado?" Eentãocegamentemematou

Soumulher,ehojeeumorri Estavaemcasa Nãousavaroupascurtas Nãooprovocara Nãopudemedefender, Poisaindausavafraldas

Soumulher,ehojeeumorri Tenteinãolevaraculpa,masnãoconsegui Soumulher,souvítima Emeunome?ÉEstatística

SabrinaBrito

LITTERA 18 LITTERA
3ºEtimAgropecuária

poemas

CANÇÃODAPRIMAVERA

MEUJARDIMESTÁFLORIDO PORQUEOJARDINEIROÉMEUAMOR FOINAPRIMAVERAQUEGANHEIALUZ ÉNAPRIMAVERAQUEMERENOVO EMEBUSCONOPÓLENDAFLOR

MEUJARDIMESTÁFLORIDO LÁFORAHÁGUERRAEHORROR MEUCORAÇÃOBATETEMIDO NOCOMPASSOENOSENTIDO NOSONHODEVERASFLORES NAMANHÃDAPRIMAVERA VENCENDOTODOTEMOR

MEUJARDIMSEMPREFLORIDO JARDINEIROMEUAMOR ALUZQUEAPRIMAVERAMEDEU GUARDOCOMOUMSEGREDO NUMCANTODEUMCAMPOFLORIDO SONHANDOCOMUMMUNDOSEMDOR. CECÍLIAREGINA

Tentonãomedistrair

Masvezououtraéinevitávelsairdoeixo, chegacomoumarotaçãocomofusohorário diferente. Ficaodilema Apressarosponteirosoufazerpausa inteligente? Nemtudooquechocanossomundointerior émeroacidente. Masescolherseprotegernãoésinônimode desprazer, atodecente.

Desapegardeserintensamente Porémviver,independente.

Ferreira

Abayomi

Nosescurosporões dosnaviosnegreiros, pobresmães sequestradas, desacomodadas, eacorrentadas. Faziamcom nósetranças desuasroupas, belasbonecas mágicas. Paraproteçãode suascrianças amadas.

PedroPaiva

Larissa
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CONJUNÇÕES CONCESSIVAS

Apesardeodiatersidosuaveebom,alembrançadenãopoderlhecontar sobreessediaestevesemprecomigo. Aindaqueeutenharidoepintadoasunhasdecolorido,naminhaalmao fundopermaneceuempretoebranco.

PALAVRAS& SUCATAS

ogritoemloucurasdaescrita osol debaixodobraço luarentremeusdedoscansados acanetaviajante correpelostrilhosdemeussonhos acadainstante vozesmisturadas comopão quesouobrigadoaengolir juntoaumDeus engolidodentrodoinfinito, tudoseesconde dentrodaescuridão, abismosseabrem numpoçosecodememória, lembrançassucatas tentamfugirdoinferno a cadasegundoomistério viraestrada viraescada nelatropeçopesadelos comoquemfechaosolhos paraomomento dagrandecegueira umúltimomomento deaindaviver!

HEITORTEM6ANOS

PudeverHeitornaescola.Só ummeninosentado.Levanta, corre,cai,menosprezaoquibungo, fazpabulagem,inventaarranha infinitocéudabrincadeira. Heitor,meninoesperto,veloz, meninodeabraçoguizalhado, içáfazendofestaemnoturno coloridodecarrinhos.Motos bemnasalacortandocadeiras. Percomeuscabeloseomenino émaisaderentenomundão comoatintaazuldestacaneta. Eletambémdevetertrenzinho. Elefezumdesenhopramim desol,arcodetrêscores,íris verde,azuleamarelo.Laranja imenso.Semlobosodesenho mefazvilaouvindomaritacas. Heitor,Heitor,menino,seuanjo nosdecifracomletradefôrma.

Carlos
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AndréSiqueira

Cincoprofessorasentrevistama SecretáriadeEducaçãodomunicípio de

Jacareí,MariaTherezaCyrino.

Quando a senhora assumiu a Secretaria de Educação da nossa cidade, implantou entre outros o projeto“JacareíCidadeLeitora”,oqualnosencheude orgulhoedesencadeououtrossub projetos de leituraemnossasescolaspergunto: Qualfoiofatomaisrelevantequedespertouna senhoradesejodedescobrirqueJacareí,defato,éuma cidadeondehámuitosleitores?Oufoisóodesejode que ela se tornasse realmente uma cidade de leitores devidoaofatodehavertambémmuitosescritores?

MariaTherezaCyrino

Em 2017, quando assumimos a Secretaria Municipal de Educação, implantamos o Programa “Valores”, um programa em rede para humanização na integração dos servidores comissionados e de carreira, inclusive nas escolas, objetivando as competências socioemocionais. Naquele ano, passamos a estudar os índices de aprendizagem e verificamos uma defasagem enorme em matemática e também em língua portuguesa, a partir das avaliações externasSARESPedoSAEB.

Decidimos então que o programa em rede para o ano seguinte seria “Jacareí Cidade Leitora” e que veio ao encontro da Parceria do Programa Votorantim pela Educação- PVE – na mobilização da educação pela leitura. Partindo doprincípiodequequemlêinterpreta,desenvolve espírito crítico, escreve bem, e se apropria de todas as áreas do conhecimento através da leitura. A programação foi intensa, com formações diversas aos professores e gestores, inclusive potencializada na Jornada Pedagógica em julho, Desfile de 7 de setembro, Seminário de Boas Práticas e a primeira FLIJ/2018, Feira Literária de Jacareí, com vale-livro para alunos e professoresdaredemunicipal. Através do programa, integramos toda a comunidade leitora e escritora de Jacareí, fomentando inclusive as iniciativas culturais e literáriasemgeral.

CamilaNavarroMotta

Qual é sua maior inspiração para a criação da FLIJ?

MariaTherezaCyrino

A prática da leitura através da coleção “O Mundo da Criança”, que tínhamos em casa, enquanto memória literária e afetiva, traz grande contribuição para importância que damos à leitura. Minha mãe professora ou minha avó, todo entardecer, reunia os filhos antes de dormir para uma roda de leitura dos livros dessa coleção. Associado a isto, a melhoria no desenvolvimento daaprendizagemnasdiversasáreasdo

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conhecimento, foram os grandes responsáveis para a criação da Feira Literária de Jacareí, com grande participação dos técnicos e em especial do Gestor da Biblioteca Bruno Vilagra, Doutor em História,ex-alunodaEscolaAgrícoladeJacareí.

VeraLúciaFigueiredo

Gostaria que a secretária falasse um pouco sobre os cursos voltados a adultos, a EJA, no municípiodeJacareí.

MariaTherezaCyrino

A Educação de Jovens e Adultos prioriza o repertório do aluno, sua história de vida e o território educativo onde reside, a partir da aprendizagem significativa da pedagogia da autonomia, com a alfabetização pelo método de Paulo Freire. Muita leitura de diversos gêneros literáriospreconizamoletramentonaEJA.

VeraLúciaFigueiredo

No âmbito dos cursos profissionalizantes de qualificação,quaissãoosprojetosemandamentoeo queestásendoplanejadoparaofuturo?

MariaTherezaCyrino

O objetivo dos cursos de qualificação profissional é oportunizar a geração de renda através das especificidades como: gastronomia, belezaeestética,gestão,tecnologiaeidiomas. ElisianeAlves

Quais foram as principais mudanças e adaptaçõesfeitasnaEducaçãoInfantilapósoperíodo depandemia?

MariaTherezaCyrino

Quando fomos para o ensino remoto, as famílias foram nossas grandes parceiras, principalmente na educação infantil, pois passaram a compreender melhor a intencionalidade das brincadeiras propostos peloscamposdeexperiências,daBaseNacional

Comum Curricular. Passaram a valorizar mais o trabalho dos professores e da escola, além de compreender que através deste brincar é que aconteceaeducaçãodequalidade.Aimportância da leitura em família ficou, portanto, bem evidenciada enquanto mudança, apesar de a escolaviabilizartambématravésdoremoto. Podemos afirmar a melhoria significativa daintegraçãofamília–escola!

ElisianeAlves

Nos últimos anos como a FLIJ tem impactou nohábitodeleituradascriançasjacareienses?

MariaTherezaCyrino

Até este ano de 2022, em cinco edições da FLIJ, sendo três presenciais e duas remotas, foram adquiridos e distribuídos 120 mil exemplares de livros de muita qualidade para alunos, professores, gestores, Agentes de Desenvolvimento Infantil, salas de leituras das unidades escolares, Biblioteca Municipal e extensões.

O

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objetivo dos cursos de qualificação profissional é oportunizar a geração de renda através das especificidades como: gastronomia, beleza e estética, gestão, tecnologia e idiomas

EstherRosado

A senhora está à frente da Secretaria da Educação do Município de Jacareí e, desde sempre, mesmo antes de assumir seu cargo, demonstra uma paixãoimensapeloqueexecutaetodosaadmirampor isso. Nós gostaríamos de saber como começou sua determinação de lutar em prol do conhecimento, capacitaçãoesuporteaosprojetossocioeducativosna cidade.

MariaTherezaCyrino

Aos sete anos de idade, decidi ser professora de matemática. Aos dez anos já ministrava aulas particulares. Minha primeira graduação foi Licenciatura em Matemática pela Universidade Estadual de Campinas de 75 – 78. Entrei como professora efetiva de matemática na rede estadual em 1979, em Campinas minha cidade natal. Mudei para São José dos Campos em 1982 e continuei na docência até que em 1990 assumi o cargo efetivo de Diretora da Escola Agrícola de Jacareí, onde fiquei por dois anos. Começa aí minha paixão por Jacareí e pela história de vida do Cônego José Bento. Com a mudançadaunidadeparaaSecretariadeCiência eTecnologia,em92implanteiaEscolaPadrãona EEOlímpioCatãoemSãoJosédosCampos,onde construí a biblioteca e implantei nossa primeira grande biblioteca. Mudo para Itatiba e atuo na rede privada de 1993 a 2003. Volto para Direção da ETEC Cônego José Bento, por concurso publico, novamente pelo Centro Paula Souza, Secretaria do Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo. Sigo até hoje, com a mesma paixãoporeducar!

EstherRosado

Em 2019, o PNS indicou que 8,4% da população brasileira convive com múltiplas deficiênciasequeénecessáriohaverpolíticaspúblicas constantespara,nasuadevidafaixaetáriaeocasião,

sejam acolhidas e possam desenvolver suas aptidões comocriaturashumanas.

Dequemaneirasuasecretariatemagasalhado e desenvolvido as propostas de educação inclusiva e especial?

MariaTherezaCyrino Realizamosváriasações:

- Reestruturamos a gestão e as equipes de formações para cada deficiência: auditiva, visual emúltiplas(neurológicaseTEA);

Criamos diversos protocolos e documentos norteadores que se encontram na plataforma www.educajacarei.com.br para todos os segmentos, inclusive da educação especial –Manual da Educação Especial Plano de AtendimentodaEducaçãoEspecial; - Vamos inaugurar até dezembro/2022, o Centro de Atendimento Multiprofissional o PROAHTEA – Programa de Alta Habilidades comênfasenoTranstornodoEspectroAutista.

Formação em “Acompanhante Terapêutico” para TEA, projeto piloto para 50 profissionais da rede e estamos monitorando os resultadosnapráticaparapossívelampliação.

- Parceria com a Fundação Dorina para CEGOS–Braille.

- Formação em Libras, Braile e Soroban pelo Centro de Formação e pela Biblioteca MacedoSoares.

- Desenvolvimento de materiais didáticos personalizados;

- Atendimento domiciliar inclusive para alunodaEJA.

- Contratação de professores em libras tradutoreseinterpretesconformelaudo.

E diversas outros planejamentos para 2023.

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A DE E CONTAÇÃO HISTÓRIAS SUAS CONTRIBUIÇÕES A PARA APRENDIZAGEM

Entende-seoquãoimportanteéacontaçãodehistóriasparatodasasidadese, deummodoespecial,paraascriançasdaprimeirainfância,portantoacreditasequeaatividadedecontaçãohistóriastrazrelevantecontribuiçãoparaa aprendizagemeparaaformaçãodapersonalidade.Comacontaçãode histórias,abre-seumlequecomopçõesdeescolhasparaentendimento, conhecimentoeconstruçõessignificativasdeumaidentidadecultural,sociale que,pormeiodelas,podem-seenriquecerosolhares.Certamenteessa oportunidadeampliaráovocabulário,fortaleceráaconfiançaentreosamigose proporcionaráaosouvintesoprazereaalegriadobrincaredoimaginário. Háváriasmaneirasexistentesdapráticadessaartemilenareváriasrazõesparaela sertãoencantadoraesignificativa.

"Eu perguntei um dia ao neurologista Oliver Sacks o que, do seu ponto de vista, era um homem normal. Ele respondeu que um homem normal, talvez, seja aquele queécapazdecontarsuaprópriahistória.Elesabedeondevem(temumaorigem umpassado,umamemóriaemordem),sabeondeestá(suaidentidade)eacredita saber onde vai (ele tem projetos e a morte, no final). Está, portanto, situado no movimento de relato, ele é uma história e pode dizê-la para si mesmo." (JeanClaudeCarrière,escritoreatorfrancês).”

Quandoacriançatemaoportunidadedeouvir,ler,manusearlivros,verasfiguras eapontá-las,repetirossonseparticipardahistória,elavaiconstruindoummundo imagético e com ele várias possibilidades. A contação de histórias ensina as criançasaviverememsociedadepoistransmite,deumageraçãoaoutra,asregras morais,sociaisetradicionaisdobem-viver Permiteaaprendizagemdalíngua:os sons,ostempos,oantes,oagora,odepoiseasrepresentações.

Exploramaimaginação. Suprimemangústias(ex.:olobomaumorrenahistória). Desenvolvem o raciocínio (antecipando a história e criando hipóteses dentro e danarrativa).

Possibilitamaesperança(comoashistóriascontadas,quandointerativas,podem surpreender, apontam outros caminhos. Os ouvintes têm a possibilidade de construirodestinodopersonagem,salvá-loounão,ejustificaroporquêdaquela decisão).

contação de histórias auxilia na formação do leitor literário: os alunos que gostamdashistóriasqueremaprendê-laspararecontá-lasaoutraspessoas,assim comobuscaroutrashistórias,comoscolegasounoslivros.

NazareLelé Gonçalves
responsável pela organização da contação de história
FLIJ “Feira Literária de Jacareí”
QUE
CONTAÇÃO
HISTÓRIAS
LEITURA SÃO IMPORTANTES E AS CONTRIBUIÇÕES QUE TRAZEM PARA A APRENDIZAGEM.
Nazarelelé foi
na
POR
A
DE
E A

BoLiNHos CaiPiRaS

Somo caipiras do Vale do Paraíba.

Comemos

farinha de milho com café. Comemos farinha de milho com leite.
Somos Chico Bento eTio Barnabé.
Caipiras privilegiados Moramos entre Rio e Sampa.
Somos novos Jecas.
Fazemos carros, aviões e cerveja. Caminhando para uma nova época. Lobato lá de cima. Deve estar pensando.
TRABALHANDO.
Fotosfeitas doprojeto «BolinhosCaipiras» deDoniBueno
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“Como me enganei tanto com este povo que vive ... TRABALHANDO.
TRABALHANDO.
Montageme poema PedroPaiva

As “ManhãsFechadas“ éumlivrode poesia, com 24 poemas em verso livre, onde o eu lírico se mostra decepado,dilacerado,ounomínimo estranho ante o cotidiano da cidade, da casa que cada um de nós carrega dentrodacontemporaneidade.Esseé oprimeirolivrodoautorlançadopor uma editora, a Gataria, no ano de 2020.

Aindavivoedisperso

Oexamepelamanhãsemardor. Dêesseatestadodeimpossibilidade, impropriedadesgramaticaise sentimentais.Sofáperfuradoque esvaziaàtoa-oocoassopra. Obafodasaladeesperame acertounoqueixocomoum boxeadornato.Pioréasaudade damaresiaquerefletiasuafoto. Elasubiumuitodessavez.Pouso quesussurranoventreeesbarra nobatentedaportaquenão abre.Leia-menolumeardente despreparadodentrodoseu bafodemaresiamulher. *** hps://www.editoragataria.com.br/produto/52675 4/as-manhas-fechadas-de-andre-siqueira

Aurora sem Dia, de

Machado de Assis

NaqueletempocontavaLuísTinocovinteeum anos. Era um rapaz de estatura meã, olhos vivos, cabelosemdesordem,línguainesgotávelepaixões impetuosas.Exerciaummodestoempregonoforo, donde tirava o parco sustento, e morava com o padrinhocujosmeiosdesubsistênciaconsistiamno ordenadodasuaaposentadoria.Tinocoestimavao velho Anastácio e este tinha ao afilhado igual afeição.

LuísTinocopossuíaaconvicçãodequeestava fadado para grandes destinos, e foi esse durante muito tempo o maior obstáculo da sua existência. No tempo em que o Dr. Lemos o conheceu, começava arder-lhe a chama poética. Não se sabe como começou aquilo. Naturalmente os louros alheiosentraramatirar-lheosono.Ocertoéqueum diademanhãacordouLuísTinocoescritorepoeta; a inspiração, flor abotoada ainda na véspera, amanheceupomposaeviçosa.Orapazatirou-seao papel com ardor e perseverança, e entre as seis horas e as nove, quando o foram chamar para almoçar,tinhaproduzidoumsoneto,cujoprincipal defeito era ter cinco versos com sílabas de mais e outroscincocomsílabasdemenos.Tinocolevoua produção ao Correio Mercantil, que a publicou entreosapedido.

Mal dormida, entremeada de sonhos interruptos,desobressaltoseânsias,foianoiteque precedeuapublicação.Aauroraraiouenfim,eLuís Tinoco, apesar de pouco madrugador, levantouse comosolefoilerosonetoimpresso.Nenhumamãe contemplou o filho recém nascido com mais amor doqueorapazleuereleuaproduçãopoética,aliás decorada desde a véspera. Afigurou se lhe que todos os leitores do Correio Mercantil estavam fazendo o mesmo; e que cada um admirava a recente revelação literária, indagando de quem seriaessenomeatéentãodesconhecido.

Nãodormiusobreoslourosimaginários.Daía dois dias, nova composição, e desta vez saiu uma longaodesentimentalemqueopoetasequeixavaà lua do desprezo em que o deixara a amada, e já entrevianofuturoamortemelancólicadeGilbert.

Não podendo fazer despesas, alcançou, por intermédio de um amigo, que a poesiafosse impressadegraça,motivoestequeretardoua publicaçãoporalgunsdias.LuísTinocotragou a custo a demora, e não sei se chegou a suspeitar de inveja os redatores do Correio Mercantil.

Apoesia saiu enfim; e tal contentamento produziu no poeta que foi logo fazer ao padrinhoumagranderevelação.

– Leu hoje o Correio Mercantil, meu padrinho?perguntouele.

–Homem,tusabesqueeusóliaosjornais notempoemqueeraempregadoefetivo. Desde que me aposentei não li mais os periódicos...

– Pois é pena! disse Tinoco com ar frio; queria que me dissesse o que pensa de uns versosquelávêm.

– E de mais a mais versos! Os jornais já não falam de política? No meu tempo não falavamdeoutracoisa.

– Falam de política e publicam versos, porque ambas as coisas tem entrada na imprensa.Querlerosversos?

–Dácá.

–Aquiestão.

O poeta puxou da algibeira o Correio Mercantil, e o velho Anastácio entrou a ler para si a obra do afilhado. Com os olhos pregados no padrinho, Luís Tinoco parecia quereradivinharasimpressõesqueproduziam nele os seus elevados conceitos, metrificados com todas as liberdades possíveis do consoante.Anastácioacaboudelerosversose fezcomabocaumgestodeenfado.

–Istonãotemgraça,disseeleaoafilhado estupefato; que diabo tem a lua com a indiferença dessa moça, e a que vem aqui a mortedesteestrangeiro?

LuísTinocotevevontadededescomporo padrinho, mas limitou-se a atirar os cabelos paratráseadizercomsupremodesdém:

– São coisas de poesia que nem todos entendem,essesversossemgraça,sãomeus.

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– Teus? perguntou Anastácio no cúmulo do espanto.

–Sim,senhor.

–Poistufazesversos?

–Assimdizem.

–Masquemteensinouafazerversos?

–Istonãoseaprende;traz-sedoberço.

Anastácio leu outra vez os versos, e só então reparou na assinatura do afilhado. Não havia que duvidar: o rapaz dera em poeta. Para o velho aposentado era isto uma grande desgraça. Esse, ligavaàidéiadepoetaaidéiademendicidade.

Tinha-lhepintadoCamõeseBocage,queeram os nomes literários que ele conhecia, como dois improvisadores de esquina, espeitorando sonetos emtrocade algumasmoedas,dormindonos adros das igrejas e comendo nas cocheiras das casas grandes. Quando soube que o seu querido Luís estavaatacadodaterrívelmoléstia,Anastácioficou triste, e foi nessa ocasião que se encontrou com o Dr Lemoselhedeunotíciadagravíssimasituação doafilhado.

–Dou-lhepartedequeoLuísestápoeta.

– Sim? perguntou-lhe o Dr. Lemos. E que tal lhesaiuopoeta?

–Nãomeimportasesaiumauoubom.Oque sei é que é a maior desgraça que lhe podia acontecer,porqueistodepoesianãodánadadesi. Tenhomedoquedeixeoemprego,efiqueaípelas esquinasafalaràlua,cercadodemoleques.

ODr Lemostranqüilizouohomem,dizendolhe que os poetas não eram esses vadios que ele imaginava; mostrou-lhe que a poesia não era obstáculo para andar como os outros , para ser deputado,ministrooudiplomata.

–Noentanto,disseoDr.Lemos,desejareifalar aoLuís;queroveroqueeletemfeito,porquecomo eutambémfuioutroraumpoucoversejador,posso saber se o rapaz dá de si. Luís Tinoco foi ter com ele; levou-lhe o soneto e a ode impressos, e mais algumasproduçõesnãopublicadas.Estasorçavam pela ode ou pelo soneto Imagens safadas, expressõescomuns,frouxoalentoenenhumaarte; apesar de tudo isso, havia de quando em quando algum lampejo que indicava da parte do neófito propensão para o mister; podia ser ao cabo de algumtempoumexcelentetrovadordesalas.

O Dr. Lemos disse-lhe com franqueza, que a poesiaeraumaartedifícilequepedialongoestudo; mas que, a querer cultivá-la a todo o transe, devia ouviralgunsconselhosnecessários.

– Sim, respondeu ele, pode lembrar alguma coisa; eu não me nego a aceitar-lhe o que me parecer bom, tanto mais que eu fiz estes versos muitoàpressaenãotiveocasiãodeosemendar.

– Não me parecem bons estes versos, disse o Dr.Lemos;poderiarasgá-loseestudarantesalgum tempo.

Não é possível descrever o gesto de soberbo desdémcomqueLuísTinocoarrancouosversosao doutorelhedisse:

Os seus conselhos valem tanto como a opinião de meu padrinho. Poesia não se aprende; traz-sedoberço.Eunãodouatençãoainvejosos.Se os versos não fossem bons, o Mercantil não os publicava.

Esaiu.

Daíemdiantefoiimpossívelter-lhemão. Tinoco entrou a escrever como quem se despedia da vida. Os jornais andavam cheios de produções suas, umas tristes, outras alegres, não daquela tristeza nem daquela alegria que vem diretamente do coração, mas de uma tristeza que faziasorrir,edeumaalegriaquefaziabocejar Luís Tinoco confessava singelamente ao mundoqueforainvadidodocepticismobyroniano, quetragaraatéàs fezesataçado infortúnio,eque para ele a vida tinha escrito na porta a inscrição dantesca. A inscrição era citada com as próprias palavras do poeta, sem que aliás Luís Tinoco o tivesse lido nunca. Ele respigava nas alheias produções uma coleção de alusões e nomes literários, com que fazia as despesas de sua erudição, e não lhe era preciso, por exemplo, ter lidoShakespeareparafalardotobeornottobe,do balcão de Julieta e das torturas de Otelo. Tinha a respeito de biografias ilustres noções extremamente singulares. Uma vez, agastando-se comasuaamada,-pessoaqueaindanãoexistia,aconteceu-lhe dizer que o clima fluminense podia produzir monstros daquela espécie, do mesmo modo que o sol italiano dourara os cabelos da menina Aspásia Lera casualmente alguns dos salmos do padre Caldas, e achou-os soporíferos; falava mais benevolamente da Morte de Lindóia, nomequedavaaopoemadeJ.Basíliodagama,de quesóconheciaquatroversos.

Ao cabo de cinco meses tinha Luís Tinoco produzidoumaquantiarazoáveldeversos,epodia, mediante muitos claros e páginas em branco, dar um volume de cento e oitenta páginas.Aidéia de imprimir um livro sorriu-lhe; daí a pouco era raro passarporumalojasemveromostradordeprotesto assimconcebido.

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Mitosbrasileiroscontadosemum outro formato que nos levam a umaépocaremotaenosmostram figuras que fazem parte do imagináriocoletivo:ocoronel,os escravos, os índios, a mocinha bonita, o rapaz que volta da cidade, formado, para a casa dos pais. No meio disso tudo, um mosaico rico dos sentimentos e elementos que compõem a existência humana: amor, medo, morte, desejo, hipocrisia, ganância, maldade, vingança, arrependimento. Nas entrelinhas, críticas sociais importantes. Na cena em que o rapaz vai ao manicômio, por exemplo, e encontra ali pessoas que simplesmente não eram aceitas pelasociedade.

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Dica de Leitura:

Pariséumafesta–ErnestHemingway

Hemingway possui um estilo único, direto onde cada palavra é cuidadosamente escolhida para comporfrasesenadasobra.Aleitura flui rapidamente com capítulos curtos e separados por fases e pessoas que o autor conheceu no começo de sua carreira como escritor em paris, depois de deixar seuempregocomojornalistaparase dedicaráliteratura. A desmistificação do glamour de parisnadécadade20edaprofissão de escritor permeia todo o livro. Hemingway deixou de almoçar, muitas vezes para que sua esposa e filho tivessem o que comer, o aquecimento do quarto em que moravamnãoeraeficaz,elepassava horas sentado em um café barato tentando encontrar as palavras para tentar vender seus contos. Recebeu muitas recusas antes de conseguir começar a publicar e ganhar algum dinheirocomoescritor.

30 LITTERA

Pequena Flor Sabedoria

AmeninaFlorentrapelaportadasala,ocômodo estáinfestadodeadultos,vêapenasseuavôfalando, sesentanosofáeadmiraojeitoquefala,gesticula.

Oavôfalasobrefeixeque,quandoestáamarrado,se tornamaisforteequeestametáforapodeser pensadadeoutrasformas,equandoogruposetorna forte,oindivíduosetornafraco,dependente, eémaisfácillevarumfeixeparafogueiraquegalho porgalho!Amaioriasorriueconcordoucomoqueo velhodisse;comoolharpercorreuasalaeviusua netasentada,olhandoparaele,foinasuadireçãoe perguntouparaaFlor: ‒Porqueamenininhaestásentada,sériae pensativa?

‒Estavaouvindovocê,vovô.Olhando,gostodever vocêfalar,vocêédiferente,falacomcalmaeparece quesabetudo!

Ovelhosorriue,comumasensaçãodesatisfação, percebeuque,talvezmesmoqueFlornãotenha entendidooqueeledisse,ameninasentiuverdade emsuaspalavras,ecomoébomseradmiradopor aquelesqueseama!

‒Eunãoseitudo,masissoqueéimportante,saber quenãosabetudo!

‒Comoassim,vô?Saberquenãosabetudo? ‒Tinhaumhomem,eledisse“Sóseiquenadasei!” diziamqueeraomaisinteligentelánoseutempo. ‒Senadasabia,comoerainteligente,vô? ‒Équequantomaiseleaprendia,eledescobriaque menossabia,equeaprendiacoisas,comascrianças, comescravosemulheresemumtempoondea maioriadoshomenspensavamqueestaspessoasnão tinhamnadaparaensinar! ‒Homensburros! ‒Nãoeramburros!Eramarrogantes,orgulhosos!O orgulhofechamuitasportasparaoaprender! ‒Oaprender? ‒Aprenderparasaber! ‒Eupossoensinaralgoparaosenhor? ‒VocêmeensinamuitascoisasFlor! ‒Eu?

‒Sim!Quandovocêmechamaparaverarosaque nasceunojardim,eaborboletaquevoaemtorno dela,ouquandovocêfazumdesenhomeuoudoseu pai,suamãe.Quandopasseamospelapraiaevocê fazperguntasdifíceis,euaprendocomoébom viver!

‒Nossa!Eunãosabia! ‒Agoravocêsabe!Masseiquevocêganhouum jogonovodeseuspais,meensinaajogar?

EapequenaFlornãodiznadaesaicorrendopara seu quartoatrásdopresentequeganhou.

31 LITTERA

MORcego, morceguinho...

Choveu forte, ontem, no fim da tarde e fomos, meu filhoPauloeeu,fecharacasa,desligarasluzes. Então,olheiasoleiradaportaegriteicombaitamedo: ‒Socorro,umaaranhaenormeeandando,aranhacom pezinhos?!!!!! Aranha com bocona vermelha.... e a aranhaabriuasasas.Masmepareceuumfilhote... Socorro, Paulo, socorro, corre pegar a pazinha e a vassouradepelopranãomachucar Então, enquanto ele foi, eu vi a tal aranha correr esquisitamente; pequena, caberia de asas abertas na palma de minha mão.Asas, meu Deus do céu, eram asas!

Consegui colocar os óculos: coberto de pelos pretos, era um morceguinho encharcado de água; possivelmente caíra de algum lugar. E viera rastejando, buscando segurança, quase entrando por debaixodaporta.

Um morceguinho, tangido pela chuva, trazido pelo vento.

Já na pazinha de lixo, fui, delirando de medo e dó, levá-lorenteàcalçada,paraalémdojardim,embaixo do jasmineiro do Cabo, embaixo dos pés de acácia, renteàavenida.

Tão pequenino e assustado, deu vontade de abrir o Googleeleroqueelescomem. Recueiamãoporquetransmitemraiva,será? (Dojasmimaberto,desculpeUniverso,corteiotaloeo trouxeaquipradentroepusnacabeceira.)

A terra estava molhada no canteiro Mas aquele meninopareciaquerervoar.Ficoudeitadinho.Evi o gatopasseandoseusbigodesesualínguadooutrolado daavenida...

Fiqueipensandonogatodavizinha.Comodormeum morcegoasalvodagataiadadarua? Voltei,pegueiumacaixapequenaebaixa,corteiuma parte, fiz um buraco como janelinha minúscula, coloqueidentrooquepareceuserobebêepusnomeio dasplantascomatampafechada,entrejasmineirose manacásdaserra,periquitoseazaléas. Entrei correndo, ah, era uma operação salvamento, e peguei um conta gotas, misturei água e um pingo de mel,jávimorcegobebendoáguaeaçúcar,evolteipra lá,projardim.

Pus delicadamente o conta gotas perto da boca; num átimo de segundo, o pequeno bebê grudou meu dedo juntocomocontagotase,juro,comalinguinhaenfiada noburaquinho,mamoutudo.MeuDeusdocéu,5ml! Largou meu dedo de repente e caiu num sono de dar inveja.Pusumasfolhasdeacáciaalidentro,elevirou debarrigaparabaixo,grudouasasinhasnocorpo,fez umbarulhinhoedormiu... Fecheiacaixadevagar Mas fiquei pensando sobre como era feio e feio, orelhudinho de olhos estalados, estava mole de fome, coitado,eraisso... Grudounomeudedo!Deusdocéu,nãoéquegrudou no meu dedo, gente do Céu? Grudou no meu dedo indicador e eu nem fiquei com medo dele, o vampirinho.

Poruminstante,eusei,fuiamãedele,ah,essaminha compaixão ainda vai...Antes de anoitecer, fui lá, abri devagarinho a caixa e dzum! O demoninho tinha acordado, abriu as asas e a boca, fez barulho de algo extraordinário e voou, bateu no meu cabelo e me deixou esse arrepio de medo aqui: olha o meu braço, senteomeucoração...quevida,quesusto,nuncamais!

*Esther Rosado Aautoraéescritoraepsicanalista 32 LITTERA

São versos proibidos aos olhos, ardem como uma chama que não se apaga.Édoolhar,prestesapartir.Da surpresadoadeus.Daúltimapalavra, é tentar explicar o porquê de existir, existirem os sentimentos, os olhares queseprendemComosepudéssemos viver, o amor. Mas não é verdade, alguns amores não existiram pra seremvividos. Ecomodesejarumarosa,amaislinda do mundo, e não poder tocá-la. Alguns olhares se cruzam, e grudam na memória e no coração, sem respostas,fazemocoraçãobatermais forte,semtermotivo?

Sinopse Existevidaapósoamor? Existevidaapósviciarnoteuolhar? Euexistodepoisdisso? Oqueexistedevocê? Oqueexiste? Existimos?

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