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Gêneros Textuais: As fronteiras se diluem

GÊNEROS TEXTUAIS:

AS FRONTEIRAS SE

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DILUEM

E comum que professores de literatura ouçam de seus alunos as perguntas: “Isso que eu escrevi é um conto?” ou ““Como eu classifico esse texto?”, “O que eu faço para esse texto virar uma crônica?”

Temos a necessidade de enquadrar nossos escritos num formato, dar a eles uma família, uma classificação. Ao analisar essa questão, devemos entender que primeiro nasceram os textos. Depois disso, foi feita a classificação. Ou seja, a livre criação literária precede o enquadramento em determinado modelo. E nem sempre é possível delimitar um único gênero.

Tomemos como exemplo o capítulo inicial de Iracema, de José de Alencar, clássico do nosso Romantismo, em que encontramos uma prosa que se mistura claramente à poesia, sem que saibamos onde cada uma começa ou termina:

“Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba;

Verdes mares que brilhais como líquida esmeralda aos raios do Sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros.

Serenai verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco aventureiro manso resvale à flor das águas.

Onde vai a afouta jangada, que deixa rápida a costa cearense, aberta ao fresco terral a grande vela?

Onde vai como branca alcíone buscando o rochedo pátrio nas solidões do oceano?”

Dificilmente, portanto encontramos um texto em que apenas um gênero é identificável, pois os formatos se mesclam, e um gênero serve como suporte a vários outros. Podemos colocar um poema numa carta. Ou uma receita de bolo. Talvez uma letra de canção. Num romance, há uma infinidade de subgêneros envolvidos.

Cabe fazermos aqui uma importante observação: esse raciocínio, obviamente, não poderia ser aplicado a textos científicos ou legais, por exemplo. Uma bula de remédio não pode conter um poema. Um livro de Química não pode ser escrito da mesma forma que um de Filosofia. E a redação do ENEM, que exige um texto dissertativo-argumentativo, não pode trazer uma narrativa. Quando menciono essa diluição entre as fronteiras de gêneros e linguagens, refiro-me especificamente ao texto artístico, literário, cujo objetivo é essencialmente estético.

A literatura moderna contribui cada vez mais para dissolver essas fronteiras entre os gêneros e as linguagens, pois, com as mídias digitais, novos gêneros são constantemente criados e modificados, num processo contínuo. Temos blogs, posts e stories em redes sociais, comentários em sites de notícias, fóruns, e-mails, obras lançadas em plataformas de autopublicação. Ocorre também com maior frequência a transposição de um gênero para outro. Se, por exemplo, o texto de um blog passa a compor um outdoor, já pertence a outro gênero, pois as intenções comunicativas serão diferentes. Textos jornalísticos viram posts nas redes sociais, ou podcasts. Imagens, palavras e sons se unem para compor linguagens inusitadas.

Os minicontos, por exemplo, aproximam-se da linguagem veloz e mutifacetada da internet, ainda que mantendo os elementos tradicionais do texto narrativo (personagens, enredo, narrador, tempo e espaço). Poesia e prosa se misturam. Novos formatos são experimentados. Alguns permanecem. Outros, serão descartados. Vivemos a era do instantâneo, do fugaz. Muito se produz, e pouco permanecerá.

Ou seja: os gêneros textuais não devem ser vistos como camisas de força. Na criação literária, a liberdade é elemento primordial. Se você escreve literatura, deixe que seu texto nasça livre. Naturalmente, seu estilo se encaminhará para um determinado gênero, se essa for uma característica de sua criação. E você se descobrirá contista, cronista, poeta. E ainda, dentro do vasto campo da poesia, poderá se identificar com o soneto, o haicai ou, quem sabe, com os versos livres...permita-se explorar livremente as possibilidades. A literatura lhe permite fazer essa viagem, que é só sua, e trazer dela os elementos que só você pode escolher...boa viagem!

Professora e poetisa: Vera Figueiredo

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