Contraponto 129 - EDIÇÃO AGOSTO/SETEMBRO

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Lava Jato × Vaza Jato: quais os legados para 2022? Uma análise sobre a repercussão da operação e da saga investigativa nas próximas eleições presidenciais

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Operação Lava Jato nasceu em março de 2014, na Justiça Federal do Paraná e rapidamente se tornou a esperança contra a corrupção do Brasil. A investigação começou tendo como alvo quatro organizações criminosas que contavam com a presença de agentes públicos, empresários e doleiros. Em seguida, tornou-se maior ao chegar em irregularidades na Petrobrás. Considerada um símbolo de justiça, a operação utilizava de métodos antiéticos e ilegais, desde interferências na liberdade de imprensa até ações que feriam os fundamentos do direito processual. Um dos pontos altos do processo foi quando o ex-presidente Lula (PT), líder nas pesquisas para a presidência nas Eleições de 2018, depois de condenado por Sérgio Moro, ficou inelegível – fator importante para a vitória de Jair Bolsonaro (sem partido). Em relação ao apartamento triplex no Guarujá, que Lula supostamente teria recebido de presente após ter favorecido a empreiteira OAS em contratos com a Petrobrás – sendo esse, o ponto mais importante na denúncia por corrupção passiva e lavagem de dinheiro –, a Lava Jato usou como evidência uma reportagem do jornal O Globo. Na acusação, os procuradores indicaram o apartamento na torre errada (era na torre B, mas alegaram na torre A), o que colocou em xeque a qualidade da investigação. O procurador, Deltan Dallagnol, admitiu, em uma rede social de mensagens acessada pelo The Intercept Brasil, não haver provas de que Lula teria vínculo com os R$87 milhões em propina pagos pela OAS em contratos para obras em duas refinarias da Petrobrás. No entanto, essa acusação era importante para que o caso fosse julgado por Moro. Após as eleições, o ex-juiz federal aceitou o cargo de Ministro da Justiça, mesmo tendo dito anteriormente que não seguiria carreira política, fazendo com que a sentença fosse subentendida, por parte da população, como uma manobra para influenciar a opinião pública, e ao usar do crescente antipetismo de parte da população, favoreceu o projeto político da extrema-direita, que hoje, governa o país. Além da conduta nos meios legais, os procuradores da Justiça Federal de Curitiba, em especial Dallagnol, também foram criticados quanto às suas atitudes fora da investigação, usufruindo da fama para se autopromoverem. José Salvador

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Faro, professor de Jornalismo da PUC- mensagem da procuradora Laura Tessler, -SP, questionado sobre o assunto, disse: no qual confessa: “Ando muito preocu“A espetacularização das denúncias veio pada com uma possível volta do PT, mas acompanhada da mitificação de seus pro- tenho rezado muito para Deus iluminar tagonistas, fossem procuradores ou juí- nossa população para que um milagre nos zes. Em especial, destaco a invenção de salve.” A fala de Tessler reforçou a imparum discurso ‘redentor’ de Sérgio Moro – ou cialidade da operação. Além disso, Moro a ele atribuído, em torno de uma promessa interferiu na investigação, sugerindo que a que é um elemento fundamental no imagi- ordem de fases da operação fosse trocada. nário de parcela significativa do eleitorado Aconselhava como prosseguir, infringindo brasileiro: a da erradicação da corrupção”. a Constituição, uma vez que é dever do “Durante toda a operação Lava Jato juiz analisar as alegações imparcialmente, houve uma clara ‘simpatia’ dos grandes tanto da defesa quanto da acusação. veículos de comunicação com a agressiva campanha de denúncias que atingiam o núcleo dos governos Lula, em especial a figura do presidente”, diz Faro sobre a relação da investigação com a grande mídia. “Embora fosse visível que o direcionamento das investigações era mais político do que judicial, a possibilidade de que as narrativas das denúncias tivessem um viés desconstrutivo da imagem de Lula, como ficaria comprovado com as revelações da Vaza Jato, não chegou a se Ex-presidente Lula tornar o foco de apurações em profundidade do jornalismo praticado por aqueles veíApesar do ex-juiz ser cotado para reculos”, finaliza. presentar a “terceira via” nas eleições de Durante um tempo, os procuradores 2022, Vitor Peixoto de Moraes, professor da Lava Jato mantiveram os processos em na Universidade Estadual do Norte Flusigilo, dificultando o trabalho da mídia e a minense Darcy Ribeiro, mestre e doutor avaliação pública da validade da operação. em Ciência Política afirma: “Moro tem Contudo, a Vaza-Jato, saga investigativa pouco enraizamento institucional, falta do The Intercept Brasil, chefiada por Glenn uma organização partidária capilarizada Greenwald, revelou que tudo se tratava e articulação de lideranças que lhe gade um grande escândalo envolvendo lide- ranta sustentação eleitoral”, completa, ranças políticas, agências internacionais e “Bolsonaro se elegeu sem estes fundagrandes empresas acusadas de corrupção. mentos, mas numa eleição muito atípiTornou-se pública a tentativa por parte ca cujas características dificilmente se dos procuradores da força-tarefa, lidera- repetiriam.” dos por Dallagnol. Em Curitiba, discutiram Questionado sobre os possíveis ima possibilidade de transformarem a entre- pactos causados pelas revelações que a vista que o ex-presidente Lula, enquanto Lava Jato trouxe à tona, Moraes diz que a preso, daria à Mônica Bergamo, jornalista imagem da perseguição e prisão do Lula, da Folha de S.Paulo, para amenizar os im- feita pelos procuradores, será utilizada pactos políticos que beneficiassem o ex- pelo PT: “São imagens muito fortes e caem -presidente nas eleições, ou então, fazer a como uma luva na narrativa sebastianista entrevista depois do período eleitoral. redentora de Lula. De certa forma, já está O The Intercept Brasil também publicou sendo utilizada nos discursos pré-candidaem uma das reportagens, o trecho de uma tura petistas”. © Marcelo Chello/Folhapress

Por Juliana Mello, Leonardo Matias Duarte e Letícia Coimbra

CONTRAPONTO Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo – PUC-SP


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