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Cenário das bandas independentes em Santos respira por aparelhos

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Invisível

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“Se a gente quisesse fazer um show em Santos hoje teríamos difi culdade em achar um lugar”, comenta o baterista da banda santista Surra

Por Ana Kézia Carvalho, Gabriel Tuma Faccin e João Curi

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Formada em 2012, a banda santista “Surra” sempre buscou espaço entre os grandes nomes do “thrash punk” nacional. O grupo, composto por Victor Miranda (Bateria), Guilherme Elias (Baixo) e Leo (Guitarra e Voz), é hoje um dos maiores expoentes do cenário underground da maior cidade litorânea do estado de São Paulo. criança, mas me lembro bem de quando essas torres gigantescas e comércios caros invadiram aqui”, desabafa a banda Surra, em um trecho da faixa “Viver Em Santos”.

Essa situação é explicada pelo demógrafo Luiz Antonio Farias, que aponta o ritmo acelerado de produção do ambiente construído nas cidades como refl exo do ciclo de crescimento econômico vivenciado nos anos 2000.

Para ele, além do alto preço do solo urbano, a legislação urbanística de cunho elitista e a falta de espaço para novas construções também são descritas como fatores do êxodo das áreas centrais às zonas periféricas. De acordo com Farias, até as áreas mais recuadas da praia em Santos passaram a ser valorizadas, reduzindo as opções de residência aos grupos sociais de menor poder aquisitivo.

Não foi apenas o espaço urbano que sofreu mudanças. O cenário musical da cidade – que já introduziu bandas como Vulcano (uma das principais do gênero Death metal), White Frogs e Charlie Brown Jr. – hoje respira por aparelhos, deixando para trás uma história marcada pelo alto consumo e produção de rock.

“Nos anos 80, Santos era conhecida por ser uma cidade do rock”, conta Victor Miranda, baterista da banda punk Surra. “Na época do Carnaval, o pessoal que queria fugir e ouvir rock ia pra Santos, só que eu não estava nem vivo quando isso aconteceu. Nos anos 90 o pessoal começou a trabalhar em gravadora e levar mais bandas para Santos, era como se fosse uma parada obrigatória de shows. Tudo quanto é banda que vinha dos Estados Unidos, da Europa, de punk, hardcore, até metal, iam fazer show em Santos e com certeza ia ser um dos melhores shows da turnê porque cidade menor, lugar menor, você vai ver o cara ali na tua frente, suando ali”.

Da esquerda para a direita: Victor Miranda; Leo Mesquita e Guilherme Elias

Em entrevista ao Contraponto, Victor relatou um pouco do início da banda, da história de Santos e dos desafi os enfrentados tanto com os obstáculos promovidos pelo poder público e pela gentrifi cação da cidade, quanto com a produção de discos independentes e a impossibilidade de se viver somente de música no Brasil.

Desde o primeiro lançamento, “Bica na Cara”, até o recém-lançado “Ninho de Rato”, muita coisa mudou – desde a mixagem dos discos até a criação das letras. Entretanto, a crítica social parece fundamental na criação da banda. Tanto “Merenda”, segunda faixa do álbum de estreia, quanto os 10 minutos de duração do projeto mais recente, trazem uma sensação de desconforto ao ouvinte, enquanto propõem uma mudança, não sendo apenas uma crítica vazia.

A decadência do cenário do rock em Santos

A Baixada Santista, conhecida por ser a casa do hardcore e do punk rock no Brasil, já não ferve mais como nas décadas de 1980 e 1990. O cenário do rock perdeu força na “Califórnia Brasileira” – como fora apelidada em documentário homônimo, dirigido por Wladimyr Cruz e Rodiney Assunção – e sentiu os efeitos colaterais da especulação imobiliária. “Eu era só uma

Os desafi os da produção fonográfi ca, no cenário independente

Não amparada por rótulos ou por propostas defi nidas, a Banda Surra, que está prestes a completar 10 anos de carreira, fala sobre a difi culdade de viver da música independente no Brasil durante a pandemia.

Apesar das difi culdades em comum entre bandas independentes, desde as complicações produtivas, até os obstáculos de espaço para eventos que não dão visibilidade ao autoral, o conjunto demonstra que possui um público fi el e que, mesmo em meio ao cenário atual de pandemia, conseguem custear seus trabalhos remotos.

Victor Miranda relata que houve receio entre os integrantes durante o início da pandemia, mas que a banda se mantém com as vendas de camisas, CDs e bonés, demonstrando a fi delidade do seu público. Os custos integrais do conjunto são fi nanciados pelo lucro dessas vendas, além do ganho com as plataformas de streaming que, apesar de irrisório, contribui para a manutenção do grupo.

A situação atual para bandas independentes no Brasil já acumula impedimentos desde antes da pandemia, que apenas agravou ainda mais os esforços conjuntos que os grupos enfrentam para manterem-se no cenário musical. Miranda dá algumas dicas para novas bandas que procuram inserção e manutenção no cenário. Ao ser questionado a respeito do assunto, ele afi rma: “Não faça cover. Faça suas próprias músicas e faça o máximo de música possível e vá lançando isso. Não fi ca sentado em cima do material pensando ‘não, um dia eu vou pegar tudo isso aqui e lançar a maior obra-prima de 45 músicas’, NÃO! Vai fazendo, vai lançando, porque hoje em dia as pessoas esquecem muito rápido das coisas, é um fl uxo de informação muito absurdo. Então, você tem que tá lançando coisa o tempo inteiro para as pessoas lembrarem de você e, quanto mais música você compõe, quanto mais você se grava, mais você canta e tudo o mais, mais você aprende sobre aquilo que você tá fazendo”.

Capa do álbum “tamo na merda” (2016)

© Reprodução

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