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Mulheres no mundo da aviação: entre desafios e conquistas
Mesmo enfrentando muitos obstáculos e com uma participação menor que a masculina, as mulheres têm conquistado o seu espaço dentro da área
Por Amaury Ferreira, Cecília Mayrink O’Kuinghttons e Giuliana Nardi
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Em um ofício predominantemente masculino como o de piloto, as mulheres se deparam com dificuldades para encontrar seu espaço. Os percalços da profissão para elas estão refletidos nos números da Associação Nacional de Aviação Civil (ANAC): no ano de 2018, apenas 428 licenças foram emitidas para pilotas, enquanto os homens tiveram 13.952 licenças no mesmo ano. No total, apenas 3% das mulheres são licenciadas para voar.
Além de serem minoria nessa área, existe também a polêmica sobre a sexualização das comissárias de bordo através do uniforme, penteado e maquiagem que lhes são exigidos durante o trabalho, o que gerou questionamentos nos últimos anos. Após a Segunda Guerra Mundial, as companhias aéreas passaram a investir na segurança dos equipamentos. Entretanto, ainda havia certa desconfiança por parte das pessoas para viajar nos aviões, o que levou muitas empresas a contratarem comissárias de bordo com a exigência de que transmitissem delicadeza, mostrando aos clientes (a maioria deles homens) que até mesmo uma mulher considerada “frágil” tem coragem para viajar de avião.
Dessa forma, os corpos femininos passaram a ser extremamente explorados e estereotipados. Segundo a comissária de bordo Beatriz Casarini, ainda é muito comum ouvir comentários que visam diminuir mulheres no ambiente de trabalho: “Alguns acreditam que uma comissária é automaticamente uma ‘mulher de programa de luxo’, ou até mesmo uma ‘garçonete do ar’. Até certa época, era muito comum ouvir isso e por esse motivo a visão de algumas pessoas ainda é distorcida”. Entretanto, a partir dos questionamentos sobre a sexualização das comissárias de bordo, pode-se dizer que houve importantes mudanças dentro das práticas que antes eram adotadas, como deixar de medir e pesar as candidatas ao emprego.
Em contraposição ao uniforme exigido hoje na maior parte das empresas aéreas, tem-se visto a iniciativa de algumas companhias em mudá-los. Em agosto de 2021, a SkyUp Airlines, da Ucrânia, decidiu eliminar a saia e o salto alto, usados desde 1930 pelas comissárias de bordo. Agora, as funcionárias poderão usar um terno e um tênis branco. Outra mudança foi na maquiagem, que poderá ser mais natural, e uma série de novas opções de penteados, visando a substituição do clássico coque.
Entre os muitos desafios enfrentados por quem atua na aviação, está a conciliação entre o trabalho e a vida pessoal. Para unir as duas vidas, Casarini conta que existe um sistema para as mulheres que têm filhos: “Quando uma comissária se torna mãe, ela entra para uma escala diferente, chamada de ‘escala mãe’, onde as chaves de voos são mais curtas e sem pernoites, facilitando a sua vida com seu filho”. Além disso, dependendo da empresa aérea, elas possuem também o benefício de viagens gratuitas e seguro de saúde.
Assim como Casarini, a pilota de avião comercial, Bethânia Porto, conta algumas dificuldades para mulheres que querem voar: “Tenho colegas que me falaram que queriam fazer esse curso, mas o namorado ou marido não deixava, uma vez que ela ficaria sozinha na cabine com outro homem. Cada pessoa tem desafios diferentes. Desafios sempre vão ter. Preconceito também tem até hoje”.
Um desafio comum a todo piloto, seja homem ou mulher, é inicialmente pagar o número de 40 horas para obter a licença de piloto privado (PP) – dedicada apenas para aviação de recreação – ou de 150 horas de voo para obter a licença de piloto comercial (PC). Existem também os voos por instrumentos (IFR) e multimotores, exigidos na formação, que podem custar em torno de R$ 850,00 a hora. No caso de Porto, os desafios começaram ao iniciar o curso em 1994: “Como as horas de voo são muito caras, eu via colegas meus tendo que vender o carro para pagar o curso e outros se matando de trabalhar”.
O fato de a profissão de piloto não ser considerada como um trabalho feminino, muitas meninas não recebem o incentivo familiar. Porto conta que, quando tinha 13 anos, disse aos seus pais que queria ser piloto. O que foi um choque para ambos, pois na cabeça deles a mulher só podia entrar na área da aviação como comissária, e não como piloto de avião. Ela menciona, inclusive, que sua mãe tentou a influenciar na época a fazer o curso de comissária.
Entre conquistas e desafios, Porto relata já ter passado por experiências difíceis. Em um voo que fez em 2012, a pilota conta que um homem se recusou a viajar com ela ao saber que uma mulher estaria no comando: “O passageiro já entrou no avião incomodado, dizendo que iria fazer uma reclamação para a empresa, pois ele não queria e não se sentia confortável em voar com uma mulher. Disse, inclusive, que se soubesse ainda na sala de embarque que uma mulher iria comandar o voo, ele nem teria entrado no avião”.
Mesmo enfrentando muitos obstáculos e tendo uma participação menor que a masculina nessa área, as mulheres têm conquistado o seu espaço dentro da aviação, bem como mostram os dados da ANAC. Entre 2015 e 2018, a agência registrou que o número de pilotas cresceu em 65%. Além disso, a Associação das Mulheres Aviadoras do Brasil (AMAB) possui o programa Corrente do Bem, que visa auxiliar e intensificar a presença feminina nesse meio.
Bethânia Porto pilotando um avião