4 minute read

O impacto da concessão do sambódromo do Anhembi

Next Article
Invisível

Invisível

Com novos investimentos e alterações no local, carnavalescos questionam as consequências da privatização no dia a dia das escolas de samba

Por Laura Martins Lima e Lucas Malagone

Advertisement

Ocarnaval sempre foi um marco cultural importante no Brasil. Segundo o pesquisador Chico Santana, sua história em São Paulo começou como uma festa popular, com raízes africanas, portuguesas e indígenas. Na cidade, foi privilegiado pelo processo de expansão cafeeira, passando a ser diferenciado entre o “grande carnaval” e o “pequeno carnaval”.

O primeiro, tratava do carnaval da burguesia, repleto de luxo e brilho, também fi cou conhecido como carnaval veneziano. O segundo, era uma festa de rua, formada pela população mais pobre, e trazia como elementos centrais, a dança e a música, que mais tarde deu origem aos blocos, cordões e escolas de samba como conhecemos hoje.

Em 1914, nasceu o primeiro cordão de São Paulo, na Barra Funda, que depois se tornou a Camisa Verde e Branco. Logo surgiram outros que deram origem às tradicionais escolas de samba, como a Lavapés e a Vai-Vai. Em 1949, apareceu Nenê de Vila Matilde com ilustres sambistas da Zona Leste de São Paulo.

Em 1967, as escolas com outras lideranças do meio carnavalesco da cidade se juntaram e contaram com o apoio do radialista Moraes Sarmento para ofi cializar a festa paulista. Dessa forma, no fi m da década de 70, os desfi les começaram a ocorrer no vale do Anhangabaú, e no começo da década de 80, na Avenida Tiradentes. Logo se criou uma liga para organizar os desfi les e a festa, mas o impacto veio em 1991, com a inauguração do sambódromo no complexo do Anhembi, um marco defi nitivo do poder cultural das escolas na cidade.

Trinta anos depois, esses valores podem estar em risco por conta da concessão do complexo do Anhembi, onde está o sambódromo, como explica o compositor Aquiles da Vila: “O carnaval, sobretudo o desfi le de escolas de samba, devem, acima de tudo, preservar as raízes, mantendo a cultura como protagonista. Por isso, sou contra a concessão”.

A proposta inicial, feita pelo então prefeito João Dória, era privatizar não só o Complexo do Anhembi, mas também a São Paulo Turismo (SPTuris), empresa responsável por eventos e turismo. Apesar de discordâncias entre o Ministério Público e o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu autorizar demolições no local. A Prefeitura estabeleceu o valor de R$1,45 bilhão, o que não atraiu compradores.

Em 2019, o falecido prefeito Bruno Covas optou por conceder todo o Complexo do Anhembi para a iniciativa privada pelo valor de R$53,7 milhões, que será cobrado como um aluguel. Também foram estipulados R$620 milhões a serem investidos durante a vigência do contrato, além do negociador dever 12,5% da receita operacional bruta à prefeitura, pelo mínimo de R$10 milhões.

A empresa a comprar o acordo pelos próximos 30 anos foi a GL Events Brasil. Em junho desse ano, ela apresentou o projeto “Distrito Anhembi” ao atual prefeito Ricardo Nunes, prevendo movimentar R$5 bilhões anualmente, a partir de 2024. Segundo a multinacional francesa, a previsão inicial de investimento em ampliação e modernização é de R$1 bilhão.

As obras, que estão previstas para começar no terceiro trimestre de 2022, transformarão o espaço ao lado do sambódromo em um complexo de entretenimento e eventos. Para isso, foi reservada uma área de 50 mil metros quadrados, onde será construída uma arena para fazer shows, atividades esportivas e reuniões de fi ns sociais.

O acordo prevê a devolução do sambódromo para a prefeitura por um período de 70 dias ao ano. O espaço continuará sendo administrado pela SP Turis, mas, o compositor preocupa-se com o impacto da privatização na prática: “as escolas precisarão rever seus modelos e estratégias de chegada dos seus componentes. Perde-se demais em logística”.

O sambista entende os ensaios técnicos como fundamentais na organização do evento. “É importante fazer com que os componentes ensaiem no palco da grande festa e que as escolas possam colocar em teste tudo aquilo que foi projetado em sua quadra para o desfi le anual”. Até 2020, a entrada ocorria de forma gratuita. Para Aquiles, é possível chegar num consenso para que as escolas possam faturar, sem que o público precise pagar para ter acesso ao local: ”é possível gerar receita pública e/ou privada. Afi nal, para cada data, pode-se prever dezenas de milhares de pessoas que ali consumirão a pré-festa.”

É essencial que as escolas de samba tenham participação efetiva em toda a organização do carnaval, sobretudo na reserva das datas para ensaios e nos assuntos relacionados ao local do desfi le. Os problemas de comunicação entre a prefeitura e os carnavalescos até a fase atual do projeto demonstram que a preocupação da entidade se restringe às consequências econômicas do local e ilustra, na prática, o silenciamento daqueles que constroem a cultura popular brasileira.

© SP Turis

Inauguração do sambódromo

Projeto de melhorias decorrentes da nova concessão

© GL Eventos

This article is from: