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Violência contra pessoas trans aumenta no Brasil
Agressões fí sica e psicológica diminuem expectativa e qualidade de vida dessa parcela da população
Por Carolina Raciunas, Laura Lima e Marcelo Ferreira Victorio
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Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), em 2020, o Brasil terminou o ano como o país que mais matou pessoas trans e travestis no mundo, com um total de 175 casos. De 2008 a 2020, a média de assassinatos por ano foi de 122,5, o que representa 10,2 por mês. No primeiro semestre de 2021, este número saltou para 13,3, revelando que este ano está sendo mais violento do que os 12 anteriores. Os números podem ser maiores, pois há subnotifi cação.
Outro fator preocupante apontado pela Antra é a baixa expectativa de vida da comunidade trans. No Brasil, estima-se que trans e travestis vivem em média 35 anos, cerca de 40 a menos que o restante da população. O relatório mostra que, em 2021, ocorreu o assassinato da pessoa trans mais nova já registrado. Keron Ravache, uma menina de 13 anos, foi vítima de transfeminicídio no Ceará.
A falta de políticas públicas corrobora com a permanência da violência trans no país. “Não existe lei federal que proteja essas pessoas. Desde 2019 existe o entendimento de que a comunidade LGBTQIA+ está protegida pela lei de racismo”, afi rma Amanda Souto, primeira mulher trans a presidir uma comissão (a da Diversidade Sexual e de Gênero, em GO) da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Segundo a Antra, das 89 pessoas trans que morreram no primeiro semestre de 2021 no Brasil, nove foram em decorrência de suicídio. Além disso, estima-se que 42% dessa população já tenha tentado se matar. A Associação explica que esse elevado índice está diretamente relacionado ao sistema social que “institucionaliza a transfobia a partir de projetos que ferem a existência de pessoas dessa comunidade”.
De acordo com pesquisadores da Universidade Internacional da Flórida, o processo de transição sexual e/ou de gênero geralmente ocorre na pré-adolescência. A escola, por muitas vezes, se apresenta como um ambiente hostil e pouco adaptado às adequações necessárias para atender as demandas da comunidade trans e travesti.
Idas ao banheiro, carteira de identidade, assim como listas de presença, comumente obedecem o nome ofi cial de registro, causando constrangimentos diários para pessoas trans.
Uma pesquisa de João Paulo Dias, presidente da Comissão da Diversidade Sexual da OAB, mostrou que, no Brasil, estima-se que 82% das pessoas trans e travestis tenham abandonado os estudos ainda na Educação Básica. Dados da Secretaria de Educação descrevem esses casos como “evasão”, mas a pesquisadora Luma Nogueira, em entrevista à revista Capitu, entende a saída como involuntária, visto que há um interesse real dessa comunidade pelos estudos: “O que ocorre é uma agressão, que dita formas de comportamento conservadores, em um processo de ‘pedagogia da violência’”.
Com essas difi culdades, as pessoas trans e travestis frequentemente enfrentam problemas de inserção no mercado de trabalho e, consequentemente, questões fi nanceiras. O estudo “Diagnóstico LGBT+ na pandemia 2021” mostrou que 6 em cada 10 pessoas trans não conseguiriam sobreviver sem renda por mais de um mês, caso perdessem sua fonte do momento.
Essa elevação da taxa no último ano mostra também a infl uência da pandemia. O estudo aponta que o impacto da Covid-19 foi maior para transsexuais, quando em comparação com pessoas cis e com todas as outras subdivisões de raça e orientação sexual.
Amanda Souto também contou que sentiu essa transfobia na pele: “Quando eu me assumi, perdi o emprego e fi quei dois anos desempregada. Eu não tinha modifi cado o meu Registro Civil ainda. Às vezes, fi cava com medo de fazer uma audiência com outro nome escrito, então eu colocava um terno em cima do vestido e me trocava quando saía de lá.”
Nicole Medeiros, travesti e fundadora da Casa Transformar, que oferece amparo à comunidade LGBTQIA+, principalmente às pessoas trans e travestis no Estado de Pernambuco, explicou a gravidade desse problema: “Os casos de violência psicológica somada à fí sica desestabilizam por completo a vítima. Para nós que acolhemos é muito difí cil saber que ainda existem pessoas que passam por isso”.
Com a baixa inserção no mercado formal, essas pessoas frequentemente recorrem à vida de profi ssionais do sexo. Segundo dados da Antra, mais de 90% das pessoas transsexuais vivem exclusivamente da prostituição.
Nesse sentido, a implementação de políticas públicas e a existência de centros de acolhimento a pessoas trans são fatores essenciais para evitar que o problema se agrave.
Nicole contou ainda que o centro de acolhimento colabora para o processo de formação: “Existe uma programação que acontece dentro da Casa, o processo de profi ssionalização. Algumas pessoas já passaram por aqui e co nseguiram emprego, mas ainda assim, têm as suas difi culdades”.
Ela disse também que a ONG já salvou vidas: “Às vezes, as pessoas chegam aqui com pensamentos suicidas e damos apoio emocional e afetivo. Elas são vítimas da exclusão e da vulnerabilidade social”.
Casa Transformar @casatransformar
© Helene Santos