Contraponto 129 - EDIÇÃO AGOSTO/SETEMBRO

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O uniforme esportivo como forma de sexualizar os corpos femininos Após uma edição das Olimpíadas marcada pela presença ativa de mulheres, a discussão sobre a exposição dos corpos das atletas volta a pautar o esporte Por Laura Melo, Laura Augusta, Nathalia Teixeira, Giovanna Crescitelli e Kiara Elias

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as quadras esportivas às fabricas de tecido, a mudança ao longo dos anos nos uniformes das atletas reflete o comportamento de gerações que passaram da criminalização da sexualidade feminina para a monetização dos corpos das mulheres. As atletas vivem na pele um paradoxo: quanto mais expostos os seus corpos ficam, mais atrativos os esportes se tornam, porém, menos valor é dado para o esforço das conquistas das mulheres como esportistas. A questão, que vem sendo debatida há décadas, ganhou os holofotes nas Olimpíadas de Tóquio 2020, quando a equipe alemã de ginástica olímpica protestou contra o machismo na escolha de seus uniformes, o que gerou grande repercussão. A disputa das mulheres no esporte pela escolha do próprio uniforme faz parte da luta contra o machismo enraizado na sociedade.

História das mulheres no esporte Em nossa sociedade patriarcal, dita-se como a mulher deve se portar dentro da comunidade e, consequentemente, dentro dos ginásios, quadras e piscinas. Por isso, a presença feminina no mundo esportivo é tardia em relação à masculina. O acesso e o direito à prática esportiva foram adquiridos pelas mulheres durante o século passado. Apenas nos jogos de Londres, em 2012, as mulheres marcaram presença em todas as modalidades. A mulher no esporte era vista como objeto de contemplação do “belo” para os homens. No século XIX, o olhar conservador deles produziu uniformes esportivos para elas caracterizados por saias e mangas compridas que escondiam o corpo feminino porque, na época, a sensualidade da mulher era malvista. Em entrevista ao Contraponto, a professora e pesquisadora da UNICAMP, Carmen Lúcia Soares, afirma que “a primeira função da roupa para nós, ocidentais, é a de proteção. A roupa nos protege tanto das agressões físicas quanto das mudanças de temperatura, do ambiente físico; também protege do olhar do outro. Portanto, a roupa também tem um caráter normal”. Sobre a roupa esportiva, a pesquisadora completa que sua função básica seria “permitir que a beleza e a eficácia do gesto [esportivo]

tenham o máximo da sua expressão [...] Qualquer outro elemento que agreguemos a ela será um elemento que pode tanto contribuir para uma performance menor quanto para um constrangimento – e é exatamente isso que vai acontecendo com as mulheres ao longo da história”. Soares ressalta que o machismo nesse meio não é novidade. “O esporte se afirma no século XIX como um território masculino, mas as mulheres sempre brigaram para poder participar [...] Essa briga não foi fácil, ela foi muito dura”. Além da busca por um espaço ativo no esporte, as mulheres sempre estiveram em um lugar marginalizado na tratativa das roupas: “Se a roupa serve como proteção e serve para melhorar a minha performance, então ela não pode me atrapalhar. E o que nós vemos em relação às mulheres? As mulheres jogavam tênis, até 1910, com saias a 10 cm do chão”, ressalta a pesquisadora. A professora ainda fala sobre os percalços vividos pelas mulheres que disputavam esgrima, estas que tinham que duelar usando saias longas. De acordo com ela, com o avanço dos anos, as problemáticas relacionadas aos uniformes vão se transformando em paralelo com as mudanças da sociedade. A partir do momento em que a sociedade foi mudando suas normas de vestimenta, o esporte também começou a adaptar os regulamentos para os uniformes femininos. De acordo com Soares, “a partir de 1910, as saias na vida cotidiana começam a encurtar, e no tênis também”. Assim, as vestimentas das atletas passaram de conservadoras, com muitos panos que atrapalhavam a movimentação das esportistas, para erotizadas. Acarretando em uma segunda dimensão do problema: a subjetivação feminina, uma vez que as mulheres se veem expostas dentro de um ambiente de trabalho que, como agravante, é extremamente masculinizado. Com o passar das décadas, o contexto dominante passou a ser a sexualização dos corpos femininos, que acompanhou uma popularização dos esportes e da mídia. Essas mudanças sociais e o surgimento desse novo ideal de beleza, imposto às mulheres, deram mais liberdade para as roupas, o que refletiu diretamente nos uniformes esportivos, que foram encurtados. Uniforme do tênis no início do século XX

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CONTRAPONTO Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo – PUC-SP


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