CONTEI ATÉ DEZ - VERA FRUCCI

Page 33

POMBOS NA PRAIA, POMBAS NA PRAÇA Estavam na praia o Sr. Alberto e a filha, a Cidinha. Ela olhava o mar com aquela preguiça gostosa de sol de inverno; ele comia milho no pratinho: embora não usasse dentadura, os dentes não tinham mais competência para roer espigas.

O Sr. Alberto fora um homem forte e espadaúdo, quando jovem praticava natação. Fora também implicante, chegando a ser rude quando contrariado. Mas era um galanteador, não podia ver moça bonita que já ensaiava um gracejo, característica, aliás, que insistia em manter mesmo correndo o risco de ser visto como um velho gagá. Seus 90 anos eram um alvará para que agisse como criança, o que deixava Cidinha um tanto irritada. ─ Pai, pare de jogar milho para os pombos! Aí eles não saem mais de perto. Pombos transmitem doença! Odeio pombos, pensava Cidinha, só ficam bem na Piazza San Marco, e olhe lá, pombas! Foi então que se lembrou de outra pomba, a “gira” e da aventura na praça. Uma amiga deveria fazer uma oferenda para a pomba-gira, que, segundo uma vidente, era a entidade que atrapalhava os relacionamentos amorosos. Pediu a Cidinha que a acompanhasse, sugerindo que ela também levasse uma oferenda. Cidinha, que se arrepiava só de pensar em trabalhos e terreiros, acabou cedendo − quem sabe não fosse essa a solução para seus amores encruados − e propôs a Praça Horácio Sabino, ali no Jardim das Bandeiras, onde costumava caminhar. Local afastado e discreto, mesmo de dia quando havia pessoas levando os cães para passear. 33


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.