4 minute read

1. ALPINISTAS

ALPINISTAS

Sidneia entrou e parou maravilhada. Girou os olhos da esquerda para a direita, da direita para a esquerda, como naqueles exercícios de musculação facial. Um duplex minimalista, de muito bom gosto. Observou a sala: a mesa de jantar branca e brilhante como o manjar que sua avó fazia nas datas especiais. Mais à frente um sofá de três lugares em couro fendi e um par de poltronas em linho cinza. Empilhados sobre a mesa de centro, três livros enormes: Manual da Escalada, O Meu Everest, Resgate Vertical. O pé direito duplo fazia a sala ainda maior. O janelão nu mostrava parte da varanda − gourmet! Sidneia − “Sidy, com ípsilon no final!” − como fazia questão de esclarecer, é dessas pessoas que dão um valor excessivo às aparências: das coisas e dela mesma. Sempre atenta ao seu melhor ângulo, ao cabelo, aos adereços, parecia não relaxar nunca. Seu desejo de estar em evidência punha de ponta cabeça a Pirâmide de Maslow, não estava nem aí para as necessidades fisiológicas, segurança, amor ou estima, sua preocupação era a realização pessoal.

Advertisement

O pai sempre dizia: “Estuda filha! Estuda para ser alguém na vida.” A mãe, pragmática, recomendava: “Vê se arranja um bom partido, casa com um homem rico.” Não gostava de estudar, mas lia muito. Devorava revistas de fofocas e notícias sobre celebridades e locais badalados. Conhecia todos os restaurantes da moda, de nome.

Tentava frequentar ambientes e grupos que pudessem lhe trazer alguma vantagem. Foi assim quando aceitou ser dama de companhia de D. Maria Augusta Alvez de Albuquerque, uma senhorinha viúva e cheia da grana. Às terças e quintas Sidy vestia sua melhor roupa e ia para o Itaim passar a tarde com D. Maria Augusta. Às vezes saiam para tomar um chá, mas o mais comum era que ficassem por lá mesmo vendo TV, olhando fotos antigas ou lendo revistas. Numa dessas tardes, já voltando para casa, quis o destino que Sidy fosse abalroada por um ciclista. Quase morreu... de emoção! O ciclista era um deus grego, alto e musculoso. Simulou um mal estar, por pouco não desmaiou. O ocorrido se deu bem em frente ao CAP − Clube Alpino Paulista, na Vila Olímpia. Max, que costumava ir ao CAP pedalando, logo se prontificou a prestar assistência. Mediu Sidy da base ao topo e, constatando que nada sério ocorrera, convidou-a para um suco no seu apartamento. ─ Venha! Deixo a bike no clube e vamos caminhando, moro a três quadras daqui. No caminho falaram sobre amenidades, sobre o clube, sobre montanhismo. Max empolgado explicava seu hobby e Sidy, sem muito a dizer, mantinha a conversa fazendo perguntas.

Ao entrarem no apartamento Max propôs que ela ficasse à vontade enquanto prepararia uma bebida. Sidy foi direto para a varanda. A parede ensolarada que fora adaptada para rapel chamou sua atenção. Pedras salientes em desalinho formavam um desenho estranho, pelo menos para Sidy que nunca havia trepado em paredes. Do teto pendiam dois ganchos de metal. Notou uma grande poltrona circular próxima a parede. Apoiados no encosto mosquetões presos

uns aos outros formavam um alegre colar de cores metálicas que se alternavam: azul, vermelho, verde, azul, vermelho, verde. Sobre a almofada um capacete amarelo cor de ovo, e o que parecia ser uma sapatilha. Na parede oposta uma bancada de granito preto com pia de inox, churrasqueira, e uma mini geladeira, também preta. Acima da bancada prateleiras de madeira clara acomodavam vasinhos com temperos: hortelã, sálvia, alecrim e manjericão. Sidy passou os dedos cheios de anéis pelas plantinhas e sentiu o aroma se espalhar. Respirou fundo, ou melhor, suspirou, menos pelo perfume e mais pela perspectiva do bom partido. Sentiu o “cheiro-verde” dos dólares. Só queria relaxar e sonhar. Calçou as sapatilhas e sorriu. Eram desengonçadas e folgadas, mas muito mais confortáveis que sua plataforma salto oito, além de combinarem com sua legging amarela, justa como luvas cirúrgicas. Max era bem nascido. Filho único de um fazendeiro de Palmas, no Tocantins, viera para São Paulo estudar Agronomia. Do cerrado mantivera o gosto pelas coisas naturais e saudáveis, mas também certa sofisticação propiciada pela conta bancária. Não fumava, bebia pouco, e praticava esportes radicais. Acreditava que um dia encontraria uma moça simples, educada, e que gostasse da vida ao ar livre. Veio para a varanda trazendo dois copos altos com uma bebida esverdeada. Ofereceu um para Sidy e de um só gole bebeu metade do seu. Sentindo-se revigorado agarrou-a pela cintura e a beijou. Sidy cedeu. Fizeram sexo ali mesmo na varanda gourmet junto aos mosquetões. Max escalou o corpo de Sidy começando pelos pés. Atingiu o clímax no monte de Vênus. Depois desse encontro, saíram umas poucas vezes. Alguns programinhas gastronômicos, por insistência dela, uma caminhada no Ibirapuera, por insistência dele.

Algo não se encaixava.

Sidy achava Max muito simplório. Quase sempre de moletom e tênis, preferindo sucos de frutas a um bom uísque. E a mania de detox, aquele suco horrível de couve com gengibre, com cor de Hulk e gosto de mato. Max, por sua vez, foi se apercebendo de uma Sidy um tanto deslumbrada que só pensava em locais badalados e caros. E os inúmeros anéis e pulseiras! Não os tirava nem quando faziam sexo, o que deixava Max estressado só de imaginar os balangandãs enroscados no seu bilau. Terminaram. Max se prepara para escalar o monte Fitz Roy, no extremo sul da Argentina. Sidy está realizada, encontrou seu Everest, só anda de Mercedes ao lado do namorado, o motorista de D. Maria Augusta.