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3. É COMO ANDAR DE BICICLETA

É COMO ANDAR DE BICICLETA

Manoela ultimamente vivia assim, meio sem graça, sem vontades, sem desejos. Fazia um bom par de anos que não saia com ninguém. Não namorava, não paquerava, nem olhava mais. Não tinha e nem buscava oportunidades. Andava pensando que talvez tivesse esgotado sua cota de prazer, o que de certo modo era uma forma de se consolar com a solidão. Difícil mesmo era se conformar! “Quem sabe as pessoas tenham uma cota de prazer, de dor, de felicidade... vai ver já vivenciei o que me cabe. Namorei, tive lá minhas paixões, meus casos. Acho que esgotei também minha cota de tesão”, conjecturava. E assim seguia Manoela, um dia a dia banal dedicada ao trabalho, à família e aos amigos, sem qualquer expectativa amorosa. Um dia leu sobre um tal de Chip Fashion que entre outras coisas reavivava a libido. Esperançosa consultou seu ginecologista, mas ele desaconselhou: ─ Hum... hormônios! Sabe como são essas coisas... e os possíveis efeitos colaterais: pelos, voz grossa.

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Recuou. Dramática como ela só, se imaginou protagonizando o noticiário: “Mulher barbada ataca garotão em estacionamento de supermercado”. Foi quando, já decidida a aposentar a “dita cuja”, que, assim do nada, um ex-colega de trabalho a localizou por intermédio do Facebook. Não se viam há mais de dez anos. Ele havia casado e fora

morar em Bruxelas. De volta ao Brasil contatava velhos amigos para colocar as fofocas em dia. Marcaram um almoço, ele desmarcou e sugeriu um jantar. Manoela foi sem qualquer segunda intenção. Afinal, pensava, é sempre bom rever as pessoas, manter contatos profissionais. Na despedida ele tentou beijá-la. Recuou. Um rápido “selinho” foi tudo que rolou, mas que deixou em Manoela um gostinho bom, de quero mais. Alguma coisa renascia, a lascívia se instalava em Manoela. Ficaram de se falar, de marcar novo jantar ou almoço. Ele quis repetir o jantar. Não sabia explicar direito, mas a sensação do vai rolar insistia em dominar seus pensamentos. Sexto sentido? Quem sabe... Entrou em pânico! E agora? Agora que se sentia tão enferrujada, como seria? Como reagiria? Recatada? Tarada? Consultou uma astróloga: ─ É a conjunção astral, Manoela, a revolução de Saturno. Você passou uma fase muito recolhida, mas agora acabou. Vai firme! Vai te fazer bem. Se acontecer, dê! Dê muito! Entre animada e constrangida levou a questão à terapia. Afinal já era tempo de falar sobre seus desejos, ou a ausência deles!

O terapeuta, um homem sério, porém afável e continente, com certeza lhe teria uma palavra, um conselho que acalmasse sua ansiedade. Manoela enrolou um tanto, falou amenidades, criou coragem e se abriu. Expôs o fato, seus medos, suas inseguranças, o longo tempo sem ninguém, e num tom melodramático desabafou: e se acontecer? Faz tanto tempo que nem sei mais o que

devo fazer!

Após alguns segundos de silêncio que lhe pareceram horas, o terapeuta disse o óbvio: ─ Manoela, isso é como andar de bicicleta, se já fez, não esquece! ─ Não estou falando do ato em si, esse não esqueci, ainda! Refiro-me ao antes, ao depois, à situação como um todo... O fato é que de fato rolou. Manoela seguiu os conselhos da astróloga. Gostou. Repetiu. Adorou. Retomou o gosto pela coisa e hoje vive feliz a pedalar pela vida.