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7. O QUINTO MANDAMENTO

O QUINTO MANDAMENTO

Algumas pareciam estar de prontidão, outras caminhavam em círculos, outras ainda iam e vinham do nada para lugar nenhum. Ao anoitecer, aquela que parecia liderar o grupo dá o comando: ─ Companheiras, a hora é chegada, em marcha! ─ Aquele bolinho de banana de noooovo? Você sabe que sou diabética! ─ Não! Os doces estão no setor sul, nós vamos para o grande balcão. Fui informada de algo novo que não é doce, mas tem muita energia. Algo a ver com lipídeos. Vamos, temos uma longa caminhada pela frente. Se organizaram e marcharam em fila. Seguiam em direção ao grande balcão, percorreram a planície de parquet, cruzaram a soleira e chegaram ao piso frio e liso. Preferiram seguir pelo traçado mais escuro, poroso, até alcançarem o balcão negro e gelado. A escalada na vertical não as intimidou e logo atingiram o topo. Juntaram-se em volta do quadradinho de cor bege, macio e cheiroso, esquecido no prato de porcelana. ─ Eu experimento! ─ propôs a líder dando uma bocada no estranho elemento. ─ Desconheço, mas é muito bom! ─ Deixa comigo − disse a diabética mais vivida − Hum, toucinho! Há quanto tempo não provo toucinho. Venham, ataquem sem medo e avisem as companheiras. Uma dança de antenas excitadas passava a informação adiante, e logo eram dezenas de obreiras se movendo nos dois sentidos. Formavam duas trilhas, uma que vinha outra que

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voltava abastecida.

Ao se cruzarem, de quando em quando um “olá, como está?”, um breve toque de antenas, um apressado “tem coisa boa à frente”. Prosseguiram incansáveis até o amanhecer quando uma repentina claridade fria precedeu o alerta: ─ Recuem, recuem! Fomos descobertas! Lá vem spray!

─ De pimenta? ─ perguntou uma mais novinha, piscando os olhinhos de prazer. ─ Não, sua anta! Digo “ant”. Spray paralisante! Espalhem-se! O dispersar era instintivo e foi um corre-corre para todos os lados. No prato, o naco de bacon mais parecia um brigadeiro sendo abandonado pelo granulado. Dona Zezinha empunhando o tubo de inseticida mirava as danadas. Bióloga aposentada nunca escondera sua predileção pela flora em detrimento da fauna. Odiava insetos. Carola desde a infância, sabia de cor os dez mandamentos e foi exatamente por causa do quinto − Não Matarás! − que se danou. Prestes a pressionar o gatilho sentiu uma forte dor, primeiro na consciência depois no peito. Dona Zezinha ficou ali paralisada, o tubo na mão, a mão no peito, os olhos fixos nos pequeninos seres de Deus. Foi encontrada dias depois, gelada no chão liso, ao lado do grande balcão negro como as formigas que enchiam sua boca.