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2. NAS CHAMAS DA PAIXÃO

NAS CHAMAS DA PAIXÃO

O veranico de maio prometia um sábado quente e ensolarado. Apesar do resfriado Ana acordou bem disposta e decidiu que passaria o dia no clube tomando sol. O bronzeado do verão já se fora há muito tempo e ela se gostava “pretinha”; sentia-se ainda mais sexy com os cabelos loiríssimos contrastando com a pele queimada.

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Antes de ir ao Clube, perfeccionista, passaria no escritório para uma última olhada no relatório que enviaria à matriz na segunda-feira logo cedo. O escritório da regional, provisoriamente alocado num prédio antigo e precário de cinco andares, estava vazio, pois não trabalhavam aos sábados. Ana ocupava uma salinha no 3º andar. Chegou por volta das 9h, ligou seu pequeno ventilador de mesa, o computador e abriu o relatório. Uma última relida seria suficiente antes de enviá-lo ao gerente. Precisava ter certeza de que o trabalho estava perfeito, queria mostrar que, além de gostosa era uma profissional capaz. Recém-formada, se apaixonou pelo Dr. Fernando, seu gerente, assim que o viu. Advogado, com 50 e poucos anos, charmoso, sedutor e um galinha! Ah, como ela o odiava! O odiava com a mesma intensidade com que o desejava. Haviam se conhecido há seis meses numa reunião na matriz, em Águas de Lindóia. Ana não resistiu à cantada do chefe e passaram a noite juntos no hotel Guarany onde ela estava hospedada. Desde então o Dr. Fernando lhe enviava e-mails dúbios. Telefonava para elogiar seus olhos, o corpo de tanajura, os

cabelos que cheiravam a maçã verde. Dizia que logo se encontrariam novamente. A cada ligação prometia que viria à regional passar uns dias só para ficar com ela. Promessas nunca cumpridas. A paixão virou obsessão. A ausência de notícias a levava ao desespero e ao devaneio. As palavras de Dorinha, a prima carola a quem confessara sua aventura, ecoavam em sua mente: “Cuidado menina, onde se ganha o pão não se come a carne!”. E quem quer comer pão com carne? Bobagem! Entorpecida pelo desejo, nem raciocinava mais. A última ligação, um mês atrás, fora bastante profissional e fria. O chefe pedia um relatório. Desde então emudeceu. Não ligou, não enviou e-mails. Sumiu. Tanta coisa a ser dita! O não dito, o já dito, o redito. Pôs-se a escrever para ele. Nem notou que teclava voraz no corpo do relatório logo abaixo do item ‘Conclusões Finais’. “Meu amor, seis meses atrás você entrou em minha vida. Tão sedutor e insistente que não tive forças para resistir. Apaixonei-me pela sua voz de barítono, por suas promessas, pelo seu tesão. Após cinco meses de meu amor, minha vida, de cá e de lá, você sumiu. O telefone emudeceu, os e-mails não chegaram, as promessas se perderam. O que aconteceu? Sinto o calor de sua presença me envolvendo, não posso mais viver esta paixão sozinha.” A temperatura subia, Ana transpirava. Suas mãos úmidas marcavam a mesa de fórmica. Sentia o suor escorrer pela nuca, os longos cabelos grudados nas costas. Ofegava. Sentiu uma tontura, mal conseguia respirar, mas seguiu te-

clando. “... sinto um torpor... como um fogo dentro de mim, que arde... que queima, ah, meu amor, como eu queria...”. Ana não terminou a frase. O fogo começara no 2º andar, no almoxarifado. Um curto circuito e logo as labaredas devoravam papéis velhos e amarelados, pastas e mais pastas de papelão. Subiu pelas paredes, invadiu o 3º andar.

As chamas da tragédia se juntaram às chamas da paixão e Ana nem se apercebeu do incêndio. Ficou ali imóvel, na cor que se gostava tanto.