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9. LOUCOS POR FUTEBOL

LOUCOS POR FUTEBOL

Era um domingo ensolarado, por volta das três da tarde. Meus sobrinhos, que aos domingos costumavam visitar os avós, jogavam futebol na quadra do prédio. Como última tarefa do dia, após quase 24 horas de plantão no apartamento dos meus pais, deixaria um café pronto. Eu ansiava com a volta para casa, não sem antes tomar o café fresquinho e (maldito vicio!) fumar um cigarrinho, é claro. Nisso entra o mais novo, o pequeno Erick, todo esbaforido e nervoso: ─ Tia, tia, chutei a bola em algum prédio da rua de baixo, e desandou a explicar o passe, que chutou na trave, que a bola quicou e acertou bem no buraco da tela que protege a quadra, que a bola não era dele mas do irmão, o Lucas blá, blá, blá...

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─ Certo, e o quê você quer que eu faça? ─ interrompi. ─ Vai comigo tia, vai tentar pegar a bola... E lá fui eu com os dois para a rua de baixo tentar localizar o local, torcendo para não ser uma obra. Avisei: "se for obra não tem ninguém domingo, teremos que voltar amanhã!" Era um prédio, com guarita de vidro fumê e gaiola. Proteção máxima! Aperto o interfone sem ter ideia de quem está do outro lado. Seria um jovem aficionado por futebol? Um velho ranzinza? Resumidamente me apresento e explico o ocorrido. Percebo certa má vontade. Querendo facilitar pergunto aos guris como é a bola. Resposta imediata: ─ É uma Cafusa da Copa das Confederações ─ adianta-se o mais novo, falando diretamente no interfone.

─ Não ─ corrige o mais velho ─ é uma Jabulani da Copa de 2010! Cheios de si, como se nominar as bolas, ora bolas, fosse o modo mais natural para localizá-las em terreno alheio. Minha cara de surpresa não disfarça a ignorância futebolística bem como certa tolerância com a ingenuidade infantil. ─ Meninos, a cor! Digam a cor da bola. ─ Verde e branca, tia, mas o branco está cinza de sujo... Depois de algum tempo retorna o porteiro com a tal bola. Abre o primeiro portão da gaiola e joga a bola no cercado. Recolhese em sua fortaleza fumê e libera o segundo portão. Missão cumprida! Voltamos para casa aliviados. O Lucas com a Cafusa nas mãos, e eu com as mãozinhas do Erick entre as minhas. Ah! esses meus lindinhos...

COM O MACHADO NA MÃO

Olhei de cima para confirmar o percurso. Não que precisasse, por mais de cinco anos fiz aquele trajeto a pé. Olhei por olhar, ao longe, para descansar a vista. Tempo bonito, ensolarado, bom para caminhar. Andar a pé faz bem para o corpo e para a alma. Já dizia Jean Jacques Rousseau: “Só consigo pensar quando caminho. Minha mente só funciona com minhas pernas”. Sim, vou caminhar e fazer o que estava protelando há tempos. Devolver o livro que me fora emprestado no início da pandemia com enfáticas recomendações: “Leia e devolva! Inteiro, não rabisque nem amasse as folhas”. Ao ler a dedicatória entendi o zelo e apego de minha amiga. Fora presente de uma paixão da adolescência, que assinara: “Com amor do seu Bento. O livro, Dom Casmurro de Machado de Assis (1839-1908). E lá fui eu com o Machado em mãos. Nu, sem embrulho, sem qualquer proteção para que revisse antigos contemporâneos. Subimos Theodoro Fernandes Sampaio (1855-1937), engenheiro, geógrafo e historiador, dizem que suas anotações contribuíram para a escrita de Os Sertões, de Euclides da Cunha.

Foi breve o percurso na Theodoro, suficiente para tropeçar nas calçadas esburacadas e observar a sujeira acumulada nas lixeiras. Atravessamos Henrique Schaumann (1856-1922). Aos 23 anos formou-se farmacêutico no Rio de Janeiro, assumiu os negócios da família e projetou a botica “Ao Veado d´Ouro”! ─ Sabia disso, Machado?

A Henrique Schaumann é uma avenida ampla, arborizada em sua ilha central. Na continuidade ao atravessar a Rebouças, recebe o nome de Av. Brasil e, quando se olha de cima, do meu terraço, pode-se admirar a imensidão verde que circunda o Obelisco. Cá de baixo a vista é menos nobre. Um mendigo, enrolado em farrapos, dorme protegido pela marquise da Drogasil. Cocô canino não recolhido no meio-fio, restos de comida no chão, uma caixinha de “Quarteirão com Queijo”, e uma bandeja de isopor com restos de arroz próximos ao que já foi uma lixeira. Logo alcançamos a praça. Benedito Calixto de Jesus, pintor, mas também professor, fotógrafo, desenhista, historiador, cartógrafo e praça! Muito agradável circundá-la, repleta de espécies tropicais. As árvores aqui dão sombra e alegram os olhos de quem curte a flora, como eu. Há várias pitangueiras, amoreiras, até pés de café já vi. Às terças abriga a feira livre e aos sábados feirinha de antiguidades e artesanato no melhor estilo “mercado das pulgas”. Desde 1987, reúne mais de trezentos expositores que exibem de obras de arte, louças e móveis antigos até bengalas, armações de óculos, bijuterias e mais uma infinidade de tranqueiras. Não resisto e, burlando o trajeto original, aproveito para rodeála, eu e Machado. Não temos pressa e este pequeno desvio não dura mais que dez minutos. Pena que tudo esteja fechado, os restaurantes, as lojas...Maldita pandemia! Rodeada a praça, seguimos pela Rua Lisboa em direção à Rebouças, até o prédio de minha amiga. Aciono o botão do interfone e aviso ao porteiro: ─ Gostaria de falar com a Solange do 54, vim devolver um livro.

─ A Dona Solange acabou de sair, a sra. a perdeu por dois minutos! Pode deixar o livro comigo que entrego assim que ela voltar. ─ Agradeço sr...? ─ Assis ─ Então, sr. Assis, não se preocupe, volto outro dia. Depois dizem que coincidências não existem! Retornamos eu e Machado. Desço Artur Nabantino Gonçalves de Azevedo (1855-1908) este sim, além de contemporâneo, símile em profissão. Dramaturgo, poeta, contista, prosador, crítico, comediógrafo e jornalista. Irmão do escritor Aluísio de Azevedo, foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. ─ Como primeiro presidente da Academia isso você já sabia, não é Machado?

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VERA FRUCCI

Aquariana, nascida em São Paulo em sete de fevereiro de 1953, Vera Frucci tem ascendência italiana.

Psicóloga formada pela USP em 1975, fez sua carreira em Pesquisa de Marketing, tendo trabalhado em empresas renomadas como Johnson & Johnson, Unilever, RMB e Millward Brown.

Em 2005 optou pelo “sabatismo”. Costumava dizer que estava sabática, até que assumiu ser sabática de vez e se aposentou.

Foi a partir de 2013 que passou a se dedicar à escrita. Solteira, sem filhos e sem pets, adora cuidar de plantas. Bem humorada, prioriza o lado cômico da vida em detrimento do trágico.