CONTEI ATÉ DEZ - VERA FRUCCI

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SIBILOS DO PASSADO A noite foi mal dormida, Fátima sonhou que estava em Nova Delhi e era estuprada. Levantou suada e assustada. Para afugentar o pesadelo lavou o rosto com água fria. Ainda trêmula escovava os dentes num vai e vem nervoso quando achou ter ouvido aquele som, exatamente como na semana anterior.

─ Não pode ser! De novo, aqui nesse fim de mundo? Com a escova no ar, a boca aberta cheia de espuma, esticou o pescoço adiantando o queixo como se esse movimento apurasse o ouvir. O sibilo novamente. Não, não estava sonhando, o som era real, era ele.

─ Desta vez você não me escapa! disse cuspindo uma constelação branca no espelho. Sem enxaguar a boca, jogou a escova na pia e correu para a cozinha. Tinha que ser rápida. Abriu a gaveta dos talheres, pegou a maior faca, a mais pontuda. Descabelada e de pijama correu para a rua. O som intervalado se afastava. Empunhando a faca, saiu desembestada tentando alcançá-lo. Um menino olhou assustado. Uma senhora pensou em chamar a polícia. ─ Aonde vai essa louca com um facão na mão? Não sabe que agora é proibido portar facas? Vendo que o homem dobrava a esquina, Fátima gritou o mais alto que pode: ─ Espera!

O homem parou e se virou. Fátima apontou-lhe a faca. 25


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