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I n F o r m ar
U M D I A AC O N T E C E U Partilha, Disponibilidade, Cultura, Criatividade
Ele caminhava lentamente com passos incertos e um pouco curvado. Os oitenta anos tinham já um peso considerável. Hoje era um dia muito especial. Almoçara mais cedo para ir, como era seu hábito, visitar o seu amigo Rafael, porque este, sendo da mesma idade, tinha muita dificuldade na marcha. Estava por assim dizer preso em casa, as pernas definitivamente tinham deixado de corresponder às solicitações, estavam ali, mas a força muscular desaparecera e, quando tentava dar uns passos, as articulações recusavam-se a desempenhar o seu papel. Após perder a companheira e amiga, uma inspiração de toda a vida, até as pernas ficaram mais hirtas e preguiçosas.
C O N TO - P R É MI O
Lembrava-se bem dos tempos de menino e moço, quando ele e o Rafael frequentavam a mesma escola primária e corriam atrás de uma bola, quais galgos na perseguição de uma peça de caça. Rafael fora sempre muito inteligente, até as contas de multiplicar decorava com facilidade e tinha uma enorme motivação em aprender. Seguiu-se o liceu sempre com boas notas. A necessidade de trabalhar retirou-o naquele momento da escola, mas o interesse pelo conhecimento acompanhou-o sempre. Américo mal pôs os pés na rua, um sol límpido e acariciador de abril abriu-lhe um sorriso largo como quem vai salvar o Mundo suavizando-lhe a dureza dos derradeiros dias. Os cheiros fortes da primavera que lhe haviam faltado nos últimos tempos estavam de volta e enchiam-lhe os pulmões daqueles aromas tão desejados. Vai tateando a calçada com a bengala em direção à morada do amigo. Ele, que era a inveja de todos os velhos da sua rua, hoje sentia que as forças e a destreza da bengala não eram as mesmas. Estaria a ficar doente? Parou um pouco para sentir o coração e pareceu-lhe que estava bem, mantinha aquele ritmo a que se habituara. A seguir, porque algum cansaço se apoderara dele, respirou fundo duas vezes, e as coisas ficaram mais ou menos bem, aqueles pulmões precisavam de mais tempo para a sua função. Sentia que as forças estavam a fraquejar, mas agora que podia retomar a rotina tinha que superar as mazelas que ameaçavam roubar-lhe a alegria. Teriam sido os últimos dois meses que passara em casa, como a maioria dos cidadãos, por causa do tal vírus, que o deixaram mais vulnerável? Bom!... Oitenta anos era já uma idade a que poucos resistiam. Os seus vizinhos, muitos deles embora mais novos já tinham falecido. O que o atrapalhava mais era aquela perna esquerda, de que o médico lhe recomendara para não abusar. De facto, estivera mais de dois meses parado em casa, e parecia-lhe que isso em nada o ajudara. Até a cabeça, como que abandonada à erosão