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Algo escrito - Maria Helena Sousa Guimarães Castelhano

I n F o r m a r

H I S T Ó R I A D E V I D A

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A L G O E S C R I T O

Deviam ser umas dez horas da manhã. O tempo estava pesado e as ervas sorriam de sol de primavera com bruma de outono, sem que este soubesse do estímulo provocado em todos os seres vivos.

As flores brilhavam em amarelo e primavera de acidez extemporânea, em várias espécies que não só as azedas. Meteste a mão no bolso e retiraste o telemóvel para captares uma foto. Vite à distância do meu carro estacionado e logo arranquei para te vislumbrar mais um dia, ao quase mesmo horário. De soslaio reparei que me atentaras no mesmo ângulo de visão que para mim era uma questão. Prosseguiste e por cima da ponte olhaste em frente, sem que me guardasses convenientemente os traços fisionómicos no teu arquivo. Noticiei que havias tido uma pequena visão de normalidade e apontei tais sintomas no meu diário de bordo. Consegui finalmente uma informação que esperava há muito. Tinhas uma visão circunspecta e acabaram por aí as minhas suspeitas...comecei a respeitar todos os comportamentos singulares! Agora que reúnes todas as tuas anotações de casos clínicos, vela para que sintas quem verdadeiramente sou, na singularidade de mais uma pessoa estranhamente igual. Faço votos para que tudo corra bem, encomendei um bolo a preceito para o meu Aniversário e coloquei na tua caixa de correio um postal de Parabéns, com a morada errada, evidentemente a minha.

O certo é que todos os convidados fizeram uma vaquinha e deram-me o tal presente conjunto, assim fico a ganhar, uma prenda ataviada em pequeninas flores amarelas com fundo de ervas vivazes e verdes como o viço, se bem que essa alusão à primavera fosse em papel de embrulho colorido.

Abriste-o, sabendo que me era destinado, e qual não foi a surpresa, mesmo a custo de te tornares em irreal e injusto poder incauto, mostraste surpresa. Sabias que era o que mais desejava, pois que em tuas mãos não arrancarias melodias, antes barulho, mas a posse dera-te largas a uma irreverência suspeitosa e terminaras assim, com um instrumento musical para experimentar, apenas. Agora pergunto-me, sei que te ensinaram a tocar harpa, mas não progrediras tal como eu. Queria trocá-la por uma máquina de costura que é útil para nós ou mesmo por uma bicicleta para aproveitar a vida...também é útil, será que concordas?! Quando, em dia de sol, os teus cabelos luziam estradas de reflexos do astro, quase desfaleci ao te aproximares demasiado de mim. Porém, imaginei tudo isso o que relato porquanto sonhava no mundo fantásticos que me é particular. Agora gostava que parasse no tempo esse doce e ainda atual instante, com caminho para percorrer.

N Ú M E R O E S P E C I A L

Vives nos meus sonhos e deles me alimento, fazendo planos com o que neles arquiteto para o futuro. Não consigo afastar de mim, tua presença ausente, guindando a minha vida por esses projetos em recurso linguístico. Cada palavra pesa menos que um ato, palavras escritas são mais duradouras que as faladas. A realidade forma-se e transforma-se pelo poder do som ou do silêncio. Os pensamentos têm vibrações mais ténues, mas flexíveis e determinantes. Estamos sempre a criar e a desenvolver situações que podem ser provocadas pelo querer e pelo crer, num paralelismo de acontecimentos melhor ou não transpostos. Apesar de se costumar dizer que há três coisas não revertíveis, como a pedra arremessada, a palavra proferida, e a ocasião perdida, tudo pode ser remediado na retoma da palavra calada, e na desculpa dos erros cometidos quando estes não tenham sido com má-fé, ou no perdão do que ficou conturbado e por aproveitar. Perguntaste-me, na intensidade do teu olhar, porque buscava sempre as palavras para contigo conversar. Dissete que as escolhia a preceito, porque fazia com elas brinde à tua atenção. Assim, os anos foram caindo, e a minha idade parecia já muita - fugida a maturidade. Então, acrescidos um a um foram pesando o fardo da terceira idade. Parecia que o tempo não fora para mim propriamente um inimigo convicto, mas quase um aliado. Acabo não tendo idade. Temos tempo, ficando e passando por nós e deixandonos cãs e rifts na face. Agora posso afirmar que aprender é viver melhor, mesmo e sobretudo na escola da vida.

Volvidos tantos anos, sempre estiveste no meu coração como primeiro dos sonhos e pilar de vivência. O tempo passa, mas não te apaga da minha memória, eis-te o modelo de sinceridade. Vida minha! Quanta aculturação somei e ensino tomei, para que possa em verdade agradecer à Vida que me tem dado tanto.

- Como que envelheci, úbere o coração! Solidão todos a tememos, mas compete-nos tratar de quem nos tratou, volvidos os anos de afirmação laboral. Amigos serão sempre amigos e parentes também. Acabo por não saber o significado das frases anteriores porque o isolamento foi muito e arei em terreno espinhoso. As rosas que dele colho não são certamente fruto de ingratidão minha, ou aridez do solo, mas somente florescência de um viver singular. Como os sonhos nunca morrem, provavelmente a realidade sobreveio dos meus sonhos acordados, sendo uma inspiração para lucubrações, resiliências e afetos. Passos calcorreados dentro de um quarto fechado nos sonos temos de momidão, porém já foijados como garantia de aplicação futura. E assim se desfazem feitiços, entraves submissos e outros enguiços. É bem verdade que o amor incondicional é o parente rico da realização pessoal. Mas não será também o ego altivo o parente pobre da frustração!? Contas feitas, algo assim escrito, marca morada nos corações de Mãe-Pai, do Nosso Bom Deus!

Pseudónimo: Aglaia Lagos Autora: Maria Helena Sousa Guimarães Castelhano*

* Maria Helena Sousa Guimarães Castelhano nasceu a 10 de março de 1962 em Almada, cidade onde cresceu e iniciou os seus estudos. Frequentou na Faculdade de Ciências de Lisboa, durante dois anos, o curso de Química que relega para se dedicar às Artes Plásticas na Sociedade Nacional de Belas Artes onde obteve o Diploma de Formação Artística.

Perseguindo o sonho de poder ilustrar o que escreve e também dar azo a uma natureza expressiva começa a sua aventura entre quadros e escritos. Paralelamente estuda em duas Universidades Seniores de Almada, facto que completa e vivifica a sua jornada coletiva e social. Estas Universidades proporcionaram-lhe, nos últimos anos, o acesso a concursos literários onde vem obtendo louvores nacionais a nível de Jogos Florais em temas de poesia (1º prémio em Torres Novas), prosa (2º prémio e menções honrosas - USALMA) e ensaio (2º prémio - UATI).

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