10 minute read

Sapos e príncipes - Vítor Manuel Alves Fernandes

I n F o r m a r

C O N T O

Advertisement

S A P O S E P R Í N C I P E S

Mito, aprendizagem, alegria

Dizem que havia um homem, que sabia quase tudo, - inventava ou era bruxo –e não lhe escapava nada. Esse saber era um luxo, pois se tal homem houvera, dizem, faria fortuna, pois pessoa tão letrada, ou era coisa inventada, ou era coisa de bruxo. Mas não era nada disso, este conto, conto eu e se alguém o conheceu sabe que não é ladainha a história que vou contar... Contá-la-ei, inteirinha!

Diz que foi por mor de um sapo, que uma princesa beijou e por um príncipe esperou, (até rezou...), mas príncipe não veio nenhum. Oh! Veio um homem de turbante, que ali jurou ser feirante, mas ninguém acreditou, sardinha não é atum, iludem as aparências, quem beija sapos assim pode ter consequências.

Logo ali foi escorraçado, fugiu, foi de rabo alçado, ia o turbante de lado... “Vai e não voltes”, era o seu fado. Foi então a história assim, espero contá-la bem, - dizem os que já ouviram, que como eu não há ninguém! –Pois que esta minha história, não vos saia da memória:

N Ú M E R O E S P E C I A L

Convencida pelo bobo, que se dizia de sábio (maior a língua que o lábio, a acreditar nas más línguas) quando as noites são não mínguas, já bem levado o inverno, juntaram muitos girinos, criados num tanque de água. Dos girinos fez-se um ovo: A história da fecundação quem a contasse, era o inferno era a sua perdição e dele não haveria mágoa... Enfim, desse ovo que os girinos nesta história formaram, logo o ali fecundaram. Nascera esse feio sapo e gritando sem demora: - Beija agora! Beija agora! Era o bobo que gritava... Beijou a princesa o sapo ficou-lhe na boca a baba.

Por tamanha deceção, essa pobre rapariga, Rapariga não! Donzela! Que nobreza tinha ela! Não havia necessidade, de lhe chamar rapariga, ela não era toda a gente, era pessoa distinta, era menina diferente, que use saia, bem se vê, que o varão é um rapaz,

Pegou nos livros e zás! Escritos pelo tal homem que tudo, tudo, sabia seria bruxo, seria? Escondeu-se ela da rainha e muito mais do seu pai rei, E com os livros do bruxo, (o que é que lhe hei de eu chamar?) Seria bruxo ou letrado, isso agora aqui não conta, é coisa de pouca monta. Mas da matéria sabia… E livros de anatomia! Ah pois! Não é o que vos dizia? Eu não conto fantasia, esta história é bem real, Não mete reis, rainhas, príncipes, princesas, afinal? Aqui me calo, não vá dizer disparates e depois, ninguém acreditar que a história que estou a contar

I n F o r m a r

é sobre sabedoria... Deixa ver, onde é que eu ia?

Ah sim, naquela linda donzela, não fosse princesa ela... Pegou nos livros do bruxo e o que ela queria saber, era se a lenda era verdade: Nascem os príncipes dos sapos? Foi então que descobriu, apesar da tenra idade, pois só tinha dezasseis, (acabados de fazer em janeiro, dia de Reis que é o dia em que normalmente nascem as belas princesas, e quem diz o contrário mente), que tal como toda a gente, os príncipes não eram sapos, nasciam como toda a gente. Evidentemente!

Sardinha não é atum nem carapau é cachucho cada sapo, um por um, virar príncipe encantado só pode ser coisa de bruxo.

Feliz por ter aprendido o que os livros lhe aportaram, nunca mais se entristeceu. E quando algo quer saber pede à mãe se lhe aprazer, ou ao pai que é um rei e que tem grande bigode, como os das cartas de jogar, para um livro lhe comprar onde ela possa aprender. E se o pai lhe diz que pode usufruir dessa leitura. Ai meu Deus! Vamos todos acreditar sem disto querer fazer uma grande conjetura que aprender, aprender, aprender é mesmo viver melhor...

Ufa, que já me ataca o suor!

Pseudónimo: Contador de histórias Autor: Vítor Manuel Alves Fernandes*

N Ú M E R O E S P E C I A L

O C A R A N G U E J O

Sem vantagem ou solução, estava um caranguejo remetido às areias da maré vazia. Antes da preia-mar beliscara um peixe Bodião e tendo-se assustado com as coloridas riscas do animal, retardara as suas pinças sem lhe causar dano. O peixe investiu sem medo e deu-lhe um safanão que o remeteu a águas mais baixas, arrancando-lhe uma das pinças. Entretido em remover e comer as algas duma rocha, nem deu que o mar descia e deixava o areal crescer e o mar escoar. Foi arrastado até à orla marítima. Agora era já tarde para tornar ao mar, as marés vivas encheram e vazaram demasiado depressa a linha de Costa. O caranguejo desceu da montanha das suas aventuras e deparou-se com areias um pouco movediças em cujo plano escorria ainda a vazão de tanta água... Não conseguiu libertar- se do fluir da vazante. As gaivotas tinham repasto em peixes que o mar atirou para a praia - eram bastantes e presas fáceis, alguns já mortos. Também outros caranguejos que as ondas arrebataram às rochas eram petisco para aves marinhas. Passeava pelas areias da praia um marinheiro da tripulação do “Medusa”. Miguel, enquanto procurava lugar para a pesca com linha, no pontão do cais de embarque, aproveitava para recolher espécimes que serviriam de estudo para as suas aulas de Biologia Marinha.

Reparou em vários peixes que estrebuchavam e também em alguns crustáceos abandonados pela preia-mar. Meteu no seu saco de recolha vários caranguejos, mas só os vivos, bem como uma ou outra estrela-do-mar, ouriços, vieiras, cracas, algumas medusas entre elas uma caravela portuguesa e todos os restantes organismos vivos que no seu estudo faria sentido examinar, estudar e catalogar.

Miguel reparou que se mexia freneticamente um caranguejo sem a pinça esquerda e o marinheiro, aprendiz de Biologia Marinha, pensou logo em engodo para pesca melhor. Por exemplo, quando embarcasse na próxima viagem de estudo no “Medusa”, faria com ele isco e talvez um polvo caísse no chamariz, se não fosse uma garoupa ou uma moreia. Já estava a imaginar o mergulho na próxima missão nas profundezas. Porém, algo o levou a desistir de fazer engodo para peixes com o defeituoso caranguejo. Assim arremessou-o para as ondas que chegavam conturbadas à prainha. O Mar recomeçou a abraçar as rochas mais avançadas. Os organismos vivos da linha costeira, todos em equilíbrio instável depois de sofrerem uma maré viva e um eclipse lunar, serviam de referência aos Biólogos Marinhos pelo seu estudo etológico. Miguel já se tinha adiantado, entrara cedo para revezar o turno da noite.

C O N T O

I n F o r m a r

Ao largo via-se um mar encapelado, nem os pescadores se atreveram a ir à faina. Contudo, um navio de investigação marinha, com todos os apetrechos mais inovadores da ciência, construído para navegar em alto mar, deixaria descansada toda uma tripulação de investigadores e marinheiros. Um braço de mar varreu a pequena doca pesca onde o “Medusa” acostou. Todos os animais e algas ficaram a ganhar e a vivificar com esta súbita e esperançosa subida das águas. O areal fundiu-se conjuntamente com o lençol de águas vastas e deixou as ondas sujas de areia e agora bem pesadas. Levantou-se um vento morno, Siroco segundo os Empíricos, e com nuvens cor-de-rosa no horizonte o prognóstico para o dia seguinte seria bom - calor - diziam as cores rosáceas. A rabanada de vento levantou alguma areia que se dispersou pelos ares. No barco, alguns marinheiros de profissão fecharam os olhos fugindo ao encalce do fustigar das areias da praia. Na amurada do navio, muitos homens gozavam umas horas de descanso e lazer. Conversavam alto, trocando experiências de estudo vividas, estavam sempre a aprender e isso era bom. Para os pescadores o céu mostrava que estariam as condições ideais para a pesca do robalo, mas só à revelia dos instrutores, pois teriam muito que fazer e estudar. Miguel como pescador ocasional sabia que as nuvens altas, quando escamavam de branco esparso o cerúleo firmamento, indiciavam boa pescaria. Marinheiros como Miguel, aventureiros, tinham uma perspetiva lógica e prosaica do seu dever e eficácia, superavam tudo o que os especialistas de Biologia não dominavam. Numa colaboração de Lobos do Mar, toda a tripulação e cientistas sofriam as mesmas deceções e as mesmas alegrias quando de qualquer descoberta ou feito científico. Entretanto, o mar tinha de ser domado, bem como os receios. Depois de escalarem Rabo de Peixe, a rota prosseguiu com S. Jorge por destino. Era tema de conversa trivial entre eles, o último arroz de marisco que Miguel, por ser polivalente e também bom chef de bordo, lhes havia preparado e mais aguçavam o apetite brindando a mais um périplo de navegação. Mas valor mais alto tinha a altura e força da maré, a sua energia limpa e a sustentabilidade eventual do seu estudo. Por enquanto estudaram a Maré Viva em tempo de Eclipse Lunar, e esse era um marco na época. Belos pitéus preparava Miguel, com dedicação, a todos os homens e algumas mulheres embarcados na demanda científica. Quando só e deixado ao seu desporto favorito, punha- se a cogitar em como chegara desde jovem a um posto de Alferes, na Marinha Mercante e de como a sua família o abonara em franquear a entrada no “Medusa”. Como era bom utilizar conhecimentos adquiridos e quase atávicos de bom marinheiro, chef gourmet e “desenrasca de serviço”. Era bom aprender, mesmo que nos percursos palmilhados erroneamente. Todos eles lhe deram traquejo e aptidões diversas. Também com o passar dos anos toda uma vida de marinheiro, livre de ações e pensamento, com o único dever no trabalho e na afeição sincera votada aos amigos, fora uma aprendizagem vívida e com conhecimentos para partilhar. Muitas esperanças e sonhos foram nele depositadas e Miguel sentia-se pressionado a ser sempre o melhor aluno, o melhor trabalhador e a aprender compulsivamente muitas generalidades, do dia a dia e não só. Muito estudou, estudara e estudaria sempre. Em Miguel ancoravam-se valores de família, trabalho e honestidade. O progresso intelectual não cessaria com a carreira cumprida, já houvera pensado nisso. Tinha a idade para a reforma. Na Marinha Mercante também se formaram bons Marinheiros, era ele prova disso. Miguel, num momento de reflexão e sentado à popa do “Medusa”, muito grato se sentia à tia Emilinha e seu marido Henrique que o puseram a estudar no Instituto Náutico, apostando na “boa qualidade” dos genes havidos, pois que Tomé e Angélica não tinham recursos para ter o filho a estudar em estabelecimentos pagos. Enquanto puxava a linha de pesca com a sua cana e porque tinha chegado a bom porto e a orla costeira fora deixada às criaturas de Poseidon, veio-lhe no anzol um caranguejo com uma pinça partida. Miguel retirou

N Ú M E R O E S P E C I A L

a criatura que se contorcia e lançou-a de volta ao mar. O “Medusa” trazia muito material para pesquisa laboratorial e fizeram estudos preciosos para melhor serem aperfeiçoadas as energias marítimas, limpas e de Futuro.

Navio acostado, a tripulação e cientistas confraternizaram à mesa, frente a um arroz de marisco, preparado a preceito por Miguel e com pescado do próprio, bem como um segundo prato alternativo de caldeirada à fragateiro com peixe vário, que Miguel e os demais aficionados pela pesca, em horas de ócio, pescaram. Riam alegremente dando vazão a um contentamento de dever cumprido e sucesso nas investigações. No alto do mastro principal poisara uma gaivota que, depois de voltejar no porto, investira numa onda pequena que morria na praia, trazendo qualquer presa no bico. A gaivota deixou cair um caranguejo sem uma das pinças, aos pés de Miguel, que se recostara na amurada, fumando cachimbo. Curioso, Miguel recolheu o caranguejo, examinou-o e verificou que estava vivo, pensou quão resiliente tinha sido o caranguejo. Devolveu-o uma vez mais ao mar, como prémio. Mesmo maneta, o caranguejo sobreviveu.

Pseudónimo: Cíntia Sousa Autora: Maria Helena Sousa Guimarães Castelhano**

This article is from: