Crônicas de Um Professor de Química

LIVRO PARADIDÁTICO

CRÔNICAS de um PROFESSOR de QUÍMICA Volume 02

VLADIMIR CAVALCANTI DA SILVA JÚNIOR

VLADIMIR CAVALCANTI DA SILVA JÚNIOR

LIVRO PARADIDÁTICO

CRÔNICAS de um PROFESSOR de QUÍMICA Volume 02 ORIENTAÇÃO PEDAGÓGICA PROF.ª DR.ª KÁTIA NEPOMUCENO PESSOA ORIENTAÇÃO TÉCNICA JEIMS DUARTE

CRÔNICAS de um PROFESSOR de QUÍMICA

ESTE LIVRO FOI PRODUZIDO COM O FOMENTO DA DIRETORIA DE CULTURA DA PRÓ-REITORA DE EXTENSÃO E CULTURA – PROEXC, DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO, ATRAVÉS DO PROGRAMA DE ESTÍMULO À CULTURA (PEC) E SUAS BOLSAS DE INCENTIVO A CRIAÇÃO CULTURAL (BICC).

À todos que fazem parte das minhas melhores lembranças e fizeram essas crônicas existirem.

Sumário Prefácio ................................................................06 Apresentação .....................................................07 Crônicas de um professor de Química......11 Perfume ...............................................................12 Luzes .....................................................................13 Neve ......................................................................14 Panetone ..............................................................15 Sábado à tarde ...................................................16 Garrafa mal assombrada ................................17 Vacina ...................................................................18 Pescaria ................................................................19 Som .......................................................................20 Realização ...........................................................22 Dia ..........................................................................23 Chá .........................................................................24 Betta ......................................................................25 Felicidade ............................................................26 Pérolas ..................................................................27 Agradecimentos ................................................28 Referências .........................................................29

Prefácio Pegar um café, sentar na poltrona, abrir o celular ou o computador no livro “ Crônicas de um professor de Química” de Vladimir Cavalvanti da Silva Júnior, e começar a viagem pelos aromas e temperos da vovó…: está comprada a passagem para a viagem no tempo!

Esta é a experiência de ler o segundo volume de crônicas do professor de química Vladimir da Silva e é assim que ele nos conta sobre as situações e lembranças da sua vida. É sua marca a forma como conduz o leitor a trilhar o caminho dentro de nossa memória afetiva: o professor brinca com a memória olfativa e sensorial de qualquer pessoa que já teve experiência de infância numa cidade de interior -sobretudo do nordeste! - .

No entanto não só de nostalgia e de passado se preenchem estas páginas, neste volume o professor traz também contos do dia a dia, compartilhando fatos engraçados e opiniões sobre fenômenos que o rodeiam. Vlad, que é como o chamam carinhosamente, tem ainda o enorme talento de deixar leve e tranquilo momentos que a ciência explicaria num livro didático talvez de forma um pouco mais “chata” e desinteressante; por se tratar de uma explicação que precisa ser detalhada e didática. Porém, o seu olhar sobre o fenômenos da química ocorre de forma tão espontânea que fazem com que tudo pareça mais fácil de se entender e de aceitar. E assim são as coisas da nossa vida, como o próprio professor de química nos ensina ao decorrer dos seus textos, em que cada aroma, cada pequeno movimento, uma cor, luz ou som podem significar algo muito mais especial do que simplesmente aquilo que vemos e que, portanto, precisamos valorizar cada pequeno momento, assim como ele o faz, ao nos trazer cada uma das suas crônicas. Obrigada vlad por nos contar mais estórias ! E que venham outros volumes !

Estaremos esperando para compartilhar do cafezinho com leitura !

por Profª Drª Kátia Nepomuceno Pessoa

Apresentação A Crônica é uma narrativa histórica que tem uma sequência cronológica dos fatos apresentados. O gênero tem o seu nome derivado da palavra Chronos, que significa tempo em grego. Inicialmente a crônica era relacionada ao relato de acontecimentos de forma cronológica (COUTINHO, 1988). Mas, com o passar do tempo, a crônica ganhou novas conformações e passou a ser pequenas produções textuais escritas em prosa, de estilo coloquial, com linguagem simples e natureza livre. Em muitos dos casos, as crônicas são fruto de observações e vivências do cotidiano dos autores, que apresentam reflexões sobre as suas vivências de forma artística.

Além disso, a crônica tem por característica a transitoriedade. É, portanto, um texto curto, que apresenta um estilo leve e descontraído e ao mesmo tempo criativo e artístico, feito para um momento de leitura breve, como afirma Candido (1992) ao dizer que a crônica traz assuntos do cotidiano de forma leve.

Dessa forma, pode-se perceber que a crônica é um texto literário que se diferencia dos demais devido às suas peculiaridades e características históricas, culturais e textuais. Partindo então do que foi exposto, é importante pontuar as principais características do gênero literário em discussão, trazendo os pontos chave da criação e produção escrita da crônica.

O gênero crônica, apesar de possuir características semelhantes em todas as suas classificações, pode ser dividido/classificado em diferentes e diversos tipos. Para Ferreira (2008) há, pelo menos, 23 tipos de classificação para o gênero. Todos esses tipos de crônicas apresentam características em comum, são textos curtos e leves que tem o objetivo de trazer reflexões sobre a vida cotidiana, apresentando um número reduzido de personagens, com tempo e espaço limitados. Apresentam o narrador-personagem ou narrador observador.

O texto é escrito de forma coloquial, respeitando as normas da língua, porém com uma linguagem simples e leve. E o tema central dos textos sempre gira em torno de algum acontecimento da vida cotidiana, podendo ser fatos de interesse público ou até mesmo situações em espaços pessoais do autor como reuniões de família.

Para este trabalho, destaco as características de 5 (cinco) tipos de crônicas. A crônica-informação, a crônica narrativa, a crônica descritiva, a crônica reflexiva e, por fim, a crônica humorística.

A crônica-informação é um tipo de texto que possui todos os elementos comuns ao gênero crônica, porém ao longo do texto traz informações que estão relacionadas ao que é apresentado ao discutido pelo autor. Na crônica informação podem ser apresentadas notícias, conceitos, fatos, informações que fazem parte do contexto de elaboração e criação da crônica.

A crônica narrativa apresenta personagens e um enredo onde se passa uma história escrita de forma cronológica.

A crônica descritiva traz a caracterização de elementos do espaço.

Nesse tipo de texto, o autor apresenta sensações utilizando-se dos cinco sentidos, além trazer uma boa quantidade de adjetivos e uma linguagem metafórica.

A crônica reflexiva é caracterizada por trazer reflexões filosóficas sobre o assunto central do texto. Geralmente o autor toma uma situação vivenciada para refletir sobre ela.

A crônica humorística apresenta discussões sobre os assuntos políticos ou mesmo tradições e costumes sociais que estão presentes na sociedade atual de forma crítica e bem humorada. É importante perceber que os diferentes tipos de crônicas podem se mesclar, dando origem a um texto que tem elementos de diferentes tipos de crônicas.

A Crônica no Ensino de Química A leitura no ensino de ciências, em especial no ensino de química, tem sido objeto de pesquisa de poucos textos na literatura científica.

Porém, é um campo de pesquisa emergente por proporcionar práticas de ensino inovadoras, que promovem a aprendizagem significativa, interpretação de textos e habilidades leitoras no ensino de ciências (BARBOSA et al. 2016) Para Barbosa et al. (2016), o que acontece nas salas de aula da educação básica brasileira é classificado como uma simulação de leitura, visto que os alunos não são levados a interagir com o texto no sentido de interpretar de forma crítica e ir além do que está escrito.

Neste sentido, o professor deve ter o papel de mediador.

Oportunizando aos alunos leituras dentro do ambiente escolar e de maneira a formar o aluno um sujeito crítico, capaz de fazer leituras de mundo e relacionar com os diversos contextos e conceitos visto durante as aulas. Como afirma Francisco Júnior (2010), citado por Barbosa et al. (2016)

"o texto deve propiciar ao educando não só um entendimento conceitual do que se aborda neste, mas deve, além disso, possibilitar uma releitura do mundo, um entendimento maior do que uma simples contextualização. Mas, para que isso seja possível, é importante repensar sobre as estratégias de leitura em sala de aula, de forma a promover situações em que o aluno possa expressar-se sobre seu diálogo com o texto, auxiliando o professor mediador na condução da leitura e nas resoluções de dúvidas emergidas durante a interpretação da obra."

Assim, o professor assume uma postura diferente do modelo tradicional de ensino e toma o lugar de um professor que constrói junto aos alunos os conceitos vivenciados nas aulas expandindo o conhecimento dos alunos e formando sujeitos críticos. “A compreensão do texto didático de ciências também será mais rica à medida que o professor, como mediador, conseguir ‘ampliar os contextos’, fazer emergir ‘mais vozes’ do que aquelas que podem ser imediatamente identificadas nos enunciados.” (BARBOSA et al. 2016, p. 181).

Partindo desse entendimento, as crônicas se mostram um gênero textual que auxilia o professor a abordar conceitos científicos em um contexto familiar aos alunos, formando os sujeitos críticos e proporcionando uma aprendizagem significativa.

As crônicas, por serem textos curtos e transitórios que trata de assuntos do cotidiano (COUTINHO, 1988; CANDIDO, 1992; SÁ, 1987), podem ser utilizados para o ensino de conteúdos químicos, através das leituras, interpretação e reflexão sobre os textos lidos.

Uma das dificuldades que os professores encontram para lecionar química, é trazer uma linguagem de fácil entendimento para os alunos e que esteja relacionada às vivências dos alunos.. Dessa forma, eles se distanciam do ensino tradicional, com uma abordagem científica, tecnológica, social e ambiental. Como afirma Flôr (2009, p. 71).

"Ensinar químicapensando o cotidiano,o dia-a-dia dos estudantes e suas relações com a ciência e a tecnologia. Essa é uma forma de pensar a Educação Química que vai além da apreensão e utilização de sua linguagem.

Se a compreensão da linguagem química permite ao estudante uma nova forma de pensar o mundo, ela também implica em posicionar-se em um lugar para fazê-lo. E é problematizando esse lugar que se podem criar vínculos e articulações entre o cotidiano dos estudantes e a química vista na escola.

Partindo dessa premissa, os textos do gênero crônica podem ser um instrumento facilitador para a construção dos conceitos químicos a partir de vivências cotidianas. À medida que as crônicas são apresentadas com conceitos químicos, estabelecendo uma relação dos conteúdos químicos com as experiências do autor, os alunos podem debater e construir o conhecimento de uma maneira significativa (FLÔR, 2009).

Além disso, a leitura de crônicas nas aulas de química pode promover o hábito da leitura nos alunos, sendo um dos caminhos que o estudante se faz leitor no ensino médio. Tomando aqui a ideia de leitor, como uma pessoa capaz de fazer uma leitura de mundo, da realidade que os cerca durante a sua vida cotidiana e também das diversas situações em que os conhecimentos químicos estão inseridos e fazem parte, ou seja, são intrínsecos a situação vivenciada.

Crônicas de Um Professor de Química

Perfumes Grande parte das minhas memórias estão relacionadas a minha infância e, especialmente, associadas a momentos, odores e sabores. Foi nessa fase da vida, quando ainda pequenininho, que tive as pessoas mais especiais ao meu lado, cujos sorrisos, abraços e perfumes ficaram marcados para sempre.

Lembro-me muito bem do perfume de vovó, que aos domingos pela manhã se arrumava toda e me levava à igreja – aliás, esse era um dos meus momentos favoritos. E hoje, ao sentir o perfume dela, me vem à cabeça uma imagem nítida dos domingos, quando o sol ainda estava começando a aquecer e estávamos ela e eu, caminhando devagarinho pelas calçadas da rua.

Eu devo essa lembrança a minha memória olfativa. A maior parte dela se forma quando ainda somos crianças e sentimos perfumes pela primeira vez. O nosso cérebro associa pessoas, lugares e momentos ao cheiro que estamos sentindo e pronto! Memória guardada para toda a vida.

Então quando as moléculas do perfume, que é a base de álcool e tem ponto de fusão baixo, se desprendem do corpo e se disseminam no ar chegando até as narinas. Em seguida o cérebro, em fração de segundos, nos presenteia com uma memória guardada que muitas vezes nem sabíamos que existia. É assim que acontece quando eu sinto o cheiro de vovó. As lembranças e as emoções vêm num piscar de olhos, causando um sentimento de saudade e alegria, a mesma que eu sentia nos domingos de manhã caminhando pelas ruas em direção à igreja.

Luzes Mais um ano está se encerrando. Mais uma vez as pessoas se reúnem para fazer as suas comemorações. Mais um ciclo está se fechando. Mais uma vez as casas, aos poucos, vão se iluminando com as luzes coloridas que todo natal traz. Porém uma coisa está diferente neste final de ano. Aquela mágica, que dá um brilho diferente no ar infelizmente ainda não chegou.

Dizem que quando as pessoas começam a fazer falta ao redor da mesa, o natal já não é mais o mesmo. Eu tinha experimentado isso há alguns anos.

Mas esse ano tal sentimento está mais intenso. Acho que a pandemia tem causado isso não só em mim, mas em muita gente. Perdemos muitas pessoas queridas nesses últimos dois anos, e isso, somado ao afastamento que precisa ser mantido, tem nos roubado a graça dos dias festivos.

Mas em meio a isso tudo, eu ainda tento colocar um pouco de magia nessa data. Este ano procurei ler livros de natal, ver filmes clichês e comédias românticas com a temática natalina e ouvir as músicas, que de tanto tocarem ao logo dos anos, já viraram tema do final de ano. No entanto, nenhuma dessas coisas me trouxe aquele sentimento de menino na casa de vovó, olhando sonhador a árvore de natal iluminada. Apenas quando observo as luzes colocadas nas casas, na praça e na minha árvore de natal, é que me vem um sentimento bom, de que aquele natal de menino, que se repete por muitos anos, ainda existe dentro de mim.

As luzes, esse ano, tem causado em mim essa sensação ao observá-las.

Elas têm mostrado, assim como algumas outras coisas, um poder de trazer sentimentos bons. Talvez pelas cores que emanam das lâmpadas despertando memórias. Talvez pelas energias dos feixes de luz, em que cada cor específica traz uma vibração diferente, um comprimento de onda diferente e uma frequência diferente que faz aquele feixe de luz possuir uma cor única e definida, assim como esse final de ano. Diferente, porém único, e que trouxe por si só, muitos ensinamentos.

Neve Acabei de receber uma ligação da minha prima. Ela está morando no Canadá agora e esta tem sido uma aventura, tanto para ela, que está descobrindo um mundo novo, como para nós, que ficamos aqui e sempre ligamos por vídeo para saber das novidades.

Já faz uns dias que a neve começou a cair por lá, dando aquele clima de filmes americanos clichês de natal. E para aproveitar o momento da conversa, ela saiu de casa para me mostrar como estavam as ruas – cheias de neve e gelo por todo lado! Nesse momento caíram alguns floquinhos de neve na roupa da minha prima, que filmou para me mostrar como eles eram.

Os floquinhos de neve eram encantadores! Eu ainda não havia visto um da maneira tão natural como ela me mostrou. Eles parecem mini mosaicos feitos de gelo, com formatos únicos criados pela natureza e pela química das moléculas de água. Basta apenas um grãozinho de poeira do ar encostar em uma gotinha de água para que os flocos de neve se formem. No momento em que água envolve o grão de poeira, se forma um cristal de água, que, pela ação das forças de interação intermoleculares, organizam as moléculas de água em uma geometria única e diferente para cada floco.

Esses espetáculos que a natureza proporciona me fazem pensar o quanto tudo isso é perfeito, lindo e milimetricamente organizado pela química das interações intermoleculares.

Panetone Ontem eu ganhei um presente de um dos meus alunos. Era um panetone, daqueles que a gente já sabe que quando aparecem no mercado o fim de ano já está chegando. Existem panetones de diversos sabores: – a indústria tem sido inovadora em criar sabores com variados recheios para eles; – mas o que eu ganhei era o tradicional, de frutas cristalizadas. Eu amei!

Na verdade, esse é mais um dos truques da culinária para a conservação das frutas, que acaba dando a elas uma textura e sabor característicos. Para a preparação das frutinhas cristalizadas do panetone se usa a cal virgem – a mesma de pintar paredes! A cal provoca uma reação química exotérmica, liberando calor e provocando um tipo de semicozimento nas frutas. Essa reação também amolece as estruturas celulares da fruta, mantendo o aroma e dando um gosto característico.

Além disso, a cal ainda deixa os pedacinhos de fruta com um aspecto vítreo na superfície – dando origem ao nome fruta cristalizada.

Sei de pessoas que teriam odiado ganhar um desses – não sei que mal elas veem nas frutas cristalizadas – mas eu realmente gostei. Eu gosto da textura das frutinhas e do sabor acentuado que elas têm. Ainda prefiro desses, do que os de chocolates. Mas tudo bem, esses também são uma delícia!

Sábado à tarde Ser adulto traz consigo momentos únicos e experiências que apenas esta fase da vida pode proporcionar, mas também surgem responsabilidades e compromissos, fazendo as horas correrem e tornando os momentos da vida, muitas vezes sem sentido.

Quando a gente é criança as coisas da vida são mais simples. Os dias são cheios de brincadeiras, os problemas são resolvidos com um toque de mãe, e as tardes são uma delícia, iguais ao bolo da vovó e o cheiro invadia a casa toda no sábado à tarde.

Fazia parte do final de semana preparar o bolo junto com ela. No sábado, depois do almoço eu ia dormir, e no meio da tarde ela me acordava com um cheiro na cabeça – vem, menino, vamos fazer bolo pra comer na calçada! E eu acordava feliz, ia ligeiro pra cozinha e só observava o momento, sujando a mesa de farinha e melando a mão de massa crua.

Ela tinha a receita do bolo anotada em um papel antigo, com as folhas já amareladas do tempo, contendo todas as medidas certinhas dos ingredientes. Ela ia adicionando um a um, estequiometricamente, e aos poucos o bolo ia ganhando forma. Às vezes a receita mudava, por falta ou excesso de material adicionado, uma regra de estequiometria era feita e surgiam novas quantidades adicionadas à massa.

Porém o cuidado era maior quando íamos colocar o fermento. Essa parte ela me deixava fazer, mas sempre falava para ter cuidado e não ter que comer o bolo de colher. Ríamos. O bolo sempre ficava uma delícia e bem fofinho. O fermento ajudava, claro! O que utilizávamos era o pó, uma mistura de uma base, geralmente o bicarbonato, com um ácido fraco.

Quando o fermento em pó era misturado à massa, ele se dissolvia e, no forno com aumento da temperatura, acontecia uma reação entre a base e ácido, liberando gás carbônico, o que fazia a massa crescer.

Depois de pronto, o bolo ficava com a massa tão fofinha que fazia o maior sucesso, a gente sentava na calçada e ficava observando a tarde passar. Conversávamos sobre o vento, sobre os passarinhos no céu, vovó me contava histórias de quando era menina e tantas outras coisas que surgiam no meio das conversas.

Ali passávamos o resto da tarde, aproveitando o momento sem ter com o que se preocupar, sentindo o vento bater no rosto, se deliciando com o bolo quentinho que tinha acabado de sair do forno, sem nem imaginar que um dia as responsabilidades e compromissos chegariam.

Garrafa Mal Assombrada Aqui em casa a terceira refeição do dia, o jantar, é um momento de reencontro. Todos chegam na hora certa e se reúnem em torno da mesa para comer e conversar sobre a vida. É uma maneira de a família se manter unida e em comunhão. Pelo menos eu sempre tive esse olhar para esta parte do dia.

Mas hoje, em especial, houve um momento engraçado. Ao final da refeição mainha trouxe uma sobremesa que tinha feito. Era um pavê, com biscoitos, chocolates e outras coisinhas gostosas que ela tinha colocado junto. Como a sobremesa era doce, ela trouxe água gelada para acompanhar.

Acontece que ao colocar a garrafa na mesa, depois de servir a algumas pessoas, a tampa da garrafa começou a se abrir sozinha. Na verdade, a tampa se mexia como se alguém tivesse levantando e soltando. De início ficamos assustados. Me lembro bem quando ela falou que a garrafa estava mal assombrada, o que realmente parecia! Eu, como não acredito em fantasmas e sei que todos os fenômenos tem uma explicação científica, me aproximei da garrafa e parei logo para pensar no que era aquilo.

Quando eu observei, notei que dentro da garrafa tinha um vaporzinho gelado e subia e dava voltas circulares, parecido com uma fumacinha que sobre e dá voltas, sobe e dá voltas... Então eu percebi que o que estava levantando e soltando a tampa da garrafa era o ar que estava no interior da garrava, que ao se aquecer faz um movimento de convecção, aumentando a pressão dentro da garrafa, fazendo a tampa subir. Perdi tempo? Não! Já comecei a dar uma aulinha básica de química.

Me virei para os assustados e falei que não era espírito, mas sim o ar dentro da garrafa que começou a se aquecer, se expandir e se deslocar para a parte de cima da garrafa. Quando o ar que está mais quente subiu, deslocou o ar mais frio de cima para baixo, e iniciou um movimento de convecção de ar. Então, como a tampa da garrafa estava folgada, ela se abria, soltava um pouco do ar e caia, fechando a garrafa e repetindo sempre esse movimento.

Agora, com todos mais calmos e rindo da situação, pudemos voltar a saborear a sobremesa e degustar das conversas e histórias que cada um trazia do seu dia.

Vacina Hoje faz dois anos de pandemia. Dois anos de dias difíceis. Dois anos de perdas. Dois anos de aprendizado. Dois anos que a ciência grita para ser ouvida e as pessoas resistem para escutá-la. É incrível como em todo esse tempo as pessoas ainda continuam acreditando nas teorias mirabolantes que surgem de algum lugar e deixam de lado anos de estudo e de método científico. Isso é irritante!

O vírus se espalhou, se modificou e para cada novidade que surge, aparece uma notícia falsa que se espalha tão rápido, que tem um índice de contágio maior do que o próprio vírus. Essa semana veio à tona mais uma vez a discussão sobre as vacinas e seus efeitos de controle do cérebro, ou de dominação mundial, ou de exterminação da espécie humana em massa, ou da mudança do DNA, ocasionado pelos ingredientes maléficos e metais pesados que tem em sua composição. Absurdos! Até um dia desses as pessoas eram vacinadas sem nem questionar a vacina que tomava, o fabricante, ou o que tinha dentro da seringa. Mas agora todos viraram especialistas em vacinação.

Eu me lembro quando estava a escola e aprendia sobre os vírus e sobre as vacinas. A professora teve todo o cuidado de explicar e incentivar o ato da vacinação. As vacinas contêm o alvo contra o qual se deseja criar a resposta imunizante e outras substâncias chamadas adjuvantes. Ao contrário do que dizem, os adjuvantes são para estimular a produção de anticorpos, e não para facilitar a dominação mundial.

Acontece que ao estudar as vacinas e seu funcionamento, descobriuse que ao gerar uma inflamação no local da aplicação, a vacina tem um efeito imunizante melhor. Então para causar essa inflamação foram adicionadas substâncias químicas como o hidróxido de alumínio, que ao causar inflamação atrai células de defesa do corpo para o local onde foi injetado os vírus atenuados – parte fundamental da vacina – e faz com que as células produzam os anticorpos específicos, ocasionando a imunidade.

Desde que aprendi o que eram as vacinas e como elas funcionavam no corpo humano que eu procuro manter o meu cartão de vacina em dia. E ainda combater esse movimento antivacina/anticiência que vêm aumentando e causando prejuízos a humanidade.

Pescaria Quando eu era pequeno, painho me levava muito para pescar. Aqueles momentos pai e filho que ficaram guardados na memória e no coração. Em um sítio, a alguns minutos de carro da minha cidade, passava um rio que neste trecho, especificamente, era calmo e tinha peixes. Não raro, painho preparava as armadilhas e íamos pescar. Eu ia todo feliz correndo para a beira do rio, colocava as armadilhas que tínhamos preparado, segurava pra que enchessem de água e esperava os peixes entrarem.

Geralmente eu pegava vários, minúsculos, que ficavam presos. Eu trazia a armadilha no carro cheia de água. Ficava com pena dos coitados dos peixes e queria cria-los em um aquário, não tão grande, que tinha. O aquário ficava lotado. Uma das vezes eu enchi o aquário com tantos peixinhos que era quase impossível os coitados nadarem. Mas quando eu fui colocar o aquário no lugar em que ele ficaria, rachou. Foi uma rachadura pequena, no momento eu nem percebi. Mas a água foi vazando, e os peixes morreram. Todos!

Quem não gostou muito foi mainha, que teve que limpar a sala de casa que, agora, estava com um mal cheiro horrível de peixe morto. Os peixes na verdade não têm mal cheiro. O odor de peixe que conhecemos vem da sua decomposição. Ao morrerem a decomposição começa, e os peixes liberam compostos a base de enxofre, o responsável pelo cheiro desagradável, como gás sulfídrico, dimetil-sulfeto e também a metilmercaptana que juntas com a cadaverina e a putrescina, fazem todos odiarem o cheiro de peixe morto.

Depois desse dia, as pescarias não foram as mesmas, eu não podia mais trazer os peixinhos para colocar no aquário. Mas ainda sim eram dias perfeitos que eu passava com painho na beira do rio, apreciando a natureza.

Som Era uma tarde comum. Eu estava sentado na praça em frente ao Colégio Pedro Segundo no Rio de janeiro. Comtemplando, apenas. Eu olhava as árvores, altas e cheias de pássaros, olhava os bancos, já um pouco gastos pelo tempo, e olhava as pessoas que passavam por ali, partindo para outro lugar, ou assim como eu, contemplando a vida e a movimentação do lugar.

De tempos em tempos dava para ouvir, a uma certa distância, a campainha da escola tocando, marcando os intervalos. Também se ouvia, vindo da escola, momentos de gritos e brincadeiras da adolescência, e ainda momentos de silêncio e concentração. Acho que toda tem isso. Essa mistura de brincadeira, alegria e concentração e foco, que faz as pessoas criarem laços com o espaço em uma relação de amor e ódio.

Lembro ainda que na praça tinha um avô que brincava com o seu netinho: - Qual a idade dele? – alguém perguntou.

- 11 meses de energia pura. – respondeu o avô com um sorriso no rosto, se dirigindo até o carrinho de pipoca. As pipocas estavam pulando a todo momento e com um cheiro tão bom... a praça já tinha ganhado um clima aconchegante, com os sons da risada no bebê e o cheirinho de pipoca tão familiar.

Mais uma vez a campainha da escola toca. Dessa vez, um movimento diferente na escola. Era possível ouvir os mesmos sons – das brincadeiras entre uma aula e outra – mas com alguns minutos a porta se abriu. E então ela saiu. Eu nunca a tinha visto antes. Apesar de sentar sempre naquela praça, o ambiente me era familiar... eu nunca a tinha visto. Se existe amor à primeira vista, eu não sei. Mas sei que fiquei encantado por ela. Ela tinha um ar de intelectualidade com pitadas de mistério, talvez.

Veio caminhando devagar, observando o lugar como se não fosse dalí.

Acredito que estava só de passagem. Eu do jeito que fiquei, apenas a acompanhava com os olhos, registrando na mente cada passo, como segurava o celular e suas bolsas e a maneira que o cabelo estava preso – um coque solto que deixava algumas mechas de cabelo caindo ao lado do rosto.

No braço, ela levava um jaleco branco, o que me fez pensar que seria professora. Simplesmente linda.

Ela veio caminhando em minha direção e sentou no banco ao lado do meu, cruzou as pernas e apoiou as bolsas que levava ao lado. E ficou lá, olhando calmamente para a copa das árvores. Eu, continuava olhando para ela, percebendo cada detalhe do rosto, cada movimento que o cabelo fazia com o vento. Por um instante o tempo parou e eu só conseguia observar e ouvir os pássaros, que estavam cantando agora bem alto nas árvores.

Quando de repente, ela percebe que eu estou observando. Olha para mim e sorri. Com um sorriso que me encanta e me obriga a devolver o gesto. Então ela fala: - Fecha os olhos e ouve!

- O quê? – perguntei.

- Os sons. O bebê. O canto dos pássaros...

Ela fechou os olhos enquanto o vento embalava os seus cabelos e acariciava o seu rosto. Eu continuei olhando. Agora desviei a minha atenção para o alto, para os pássaros.

- Não é mágico? – ela falou. – As vibrações que eles produzem com as cordas vocais é que origina esse som. Uma identidade de cada pássaro. As vibrações causam ondas no ar, que se vão se espalhado em todas as direções e chegam até os nossos ouvidos.

Era até possível sentir a paz que ela estava sentido e passava.

Paz. E eu ali, parado. Sentindo. Ouvindo. Pensando. Me apaixonando.

Então da mesma maneira misteriosa que ela surgiu, ela se foi. Se levantou, e sem falar nada, continuou a caminhar. E por algum motivo eu não pude segui-la. À medida que ela se distanciava tudo ia sumindo. A praça desaparecendo. Eu já não podia mais ouvir o bebê. A campainha da escola agora tocava baixinho.

E eu acordei.

Realização O ser professor tem umas coisinhas que nos pegam de surpresa. Na faculdade não nos ensinam a ser professor – já descobri isso. O máximo que aprendemos são os conteúdos científicos e as técnicas que podemos usar para elaborar as aulas. Mas ser professor vai muito além do que saber os conceitos e dominar instrumentos didáticos. Ser professor é se doar para a causa de transformar a vida de uma pessoa, independente se você gosta dela ou não. Vou explicar.

Iniciamos mais um ano letivo. Dessa vez fui ensinar química no último ano do ensino fundamental, a sala mais conhecida pelas suas estripulias. De pronto eu fiquei com a pulga atrás da orelha, e tinha construído o pressuposto de que seria uma experiência péssima. Eu tenho sérios problemas com alunos que conversam demais, brincam demais, resumindo: que bagunçam.

Mas no primeiro dia de aula eu estava lá, com minhas aulas preparadas para iniciar o ano. Até que enfim a campainha toca e é o momento de começar. Quando eu estava caminhando para a sala de aula, um dos alunos da turma passou por mim tão rápido, me empurrando, que só não caí por ter me segurado na parede. Se as minhas expectativas para essa turma eram ruins, elas agora se direcionaram, todas, para esse aluno em especial.

Já entrei na sala de aula com a cara fechada.

Para minha surpresa, a turma não era tão difícil. Os alunos participaram bem da aula, e justo aquele que eu tinha desenhado em minha mente como pior de todos os alunos, acabou sendo o que mais chamou a minha atenção.

Ele participou de todos os momentos. Tirava as dúvidas, se colocava quando queria e até que ajudou a aula a seguir o seu curso.

De certa maneira, até que eu me senti realizado como professor nesse dia. O fato de ele ter mostrado interesse pela aula e uma vontade de aprender imensa, mostrou que eu estava enganado tanto quanto a ele como quanto à turma. E no momento final, quando percebi que eles aprenderam o que eu ensinei naquele dia, foi o ápice. Ali, eu sabia que tinha feito as escolhas certas.

Muitos dizem que os professores gostam de reprovar os alunos, de persegui-los. Eu também pensava assim. Em parte é até um pouco verdade.

Mas nada se compara ao sentimento de formar pessoas e perceber que esse é o seu papel no mundo. Além disso, aprendi que é preciso lidar com o que penso e tratar todos os alunos pelo que são: alunos. Independente da bagunça, da algazarra, quando os alunos mostram interesse e gosto pela coisa, tudo muda. Eu não olhei para mim naquele momento. Mas tinha certeza de que os meus olhos brilhavam.

Dia Despertador. Preguiça. Chão frio. Interruptor. Miau. Miau. Cafuné.

Miau. Ração. Cadeira da mesa da cozinha. Céu. Difração da luz. Café com leite. Bolachinhas. Céu. Difração da luz. Cor. Banheiro. Banho frio. Água. Escova de dentes. Água. Toalha. Quarto.

Roupas. Pente. Espelho. Mochila. Cadernos. Agenda. Livros. Jaleco. Luvas.

Química! Pilotos. Estojo. Chaves. Álcool. Máscara. Álcool. Carteira. Álcool.

Porta.

Brisa. Céu. Arvores. Pessoas. Carros. Motos. Bicicletas. Pessoas. Obra.

Trabalhadores. Água. Cimento. Massa. Química! Ônibus. Alunos. Pessoas.

Motorista. Janela. Vento. Relógio. Aluno. Pessoa. Livro. Relógio. Céu. Escola.

Calçada. Relógio. Campainha. Diretora. Professores. Armário. Professores.

Mochila. Livros. Estojo. Pilotos. Jaleco. Luvas. Sala de aula. Aula. Alunos.

Euforia. Alunos. Laboratório de química. Alunos. Euforia. Correria. Calma!

Alunos. Laboratório. Experimento. Química!

Titulação. Ácido. Base. Indicador. Reação de neutralização. Bureta.

Erlenmeyer. Solução. Concentração. Atenção. Cor de rosa. Titulação. Ácido.

Base. Indicador. Reação de neutralização. Bureta. Erlenmeyer. Solução.

Concentração. Atenção. Cor de rosa. Titulação. Ácido. Base. Indicador.

Reação de neutralização. Bureta. Erlenmeyer. Solução. Concentração.

Atenção. Cor de rosa. Anotações. Alunos. Discussão. Química!

Aprendizagem. Paixão. Campainha. Alunos. Correria.

Sala. Professores. Conversa. Risos. Amigos. Mochila. Jaleco. Luvas.

Estojo. Pilotos. Livros. Alunos. Professores. Pais. Amigos. Céu. Sol. Calor.

Relógio. Ônibus. Pessoas. janelas. Alunos. Motorista. Janela. Vento. Céu.

Pessoas. Carros. Motos. Bicicletas. Obras. Trabalhadores. Cimento. Aula sobre sais inorgânicos. Planos. Pessoas. Casa.

Porta. Chaves. Miau. Porta. Miau. Cafuné. Miau. Miau. Mochila. Miau.

Máscara. Miau. Álcool. Miau. Jaleco. Miau. Ração. Silêncio. Cozinha. Mãe.

Amor. Química! Comida. Satisfação. Descanso. Banho. Toalha. Quarto.

Dormir. Acordar. Estudar. Escrever. Ler. Celular. Conversa. Escrever. Ler. Estudar. Ler. Celular. Lanche. Calçada. Varanda. Céu. Cor. Difração da luz.

Química! Planos. Vida.

Noite. Jantar. Mãe. Jornal. TV. Notícias. Fim do mundo. Guerra. Usina nuclear. Radiação. Química! Mãe. Conversa. Risos. Novela. Filmes. Séries.

Mãe. Conversa. Risos. Sono. Quarto. Interruptor. Dormir.

Chá Ontem Mainha soltou: - Se eu soubesse que você ficaria assim, eu não teria deixado você fazer química!

Eu passei o resto do dia pensando nisso, mas tenho quase certeza que era por quê eu estava olhando fixamente e, por um bom tempo, para um copo de chá – que eu já havia levantado a altura dos olhos – para ver a difusão dos compostos orgânicos pela água.

Na verdade, eu acho que me tornei meio paranoico mesmo. Basta uma coisa mudar de cor, ou mudar a aparência - ou até mesmo quando nada acontece - eu estou pensando nas relações que existe como a química.

Um dia desses eu me peguei olhando para o portão de ferro, na minha casa, e pensando como os átomos do material se organizam. Outra vez, fui colocar água no meu aquário e me peguei levantando o recipiente com água o mais alto possível para dissolver o oxigênio o máximo que podia – Mainha começou a rir nessa hora!

E agora, olhando fixamente para um copo, a altura dos olhos, com um “saquinho” de chá que soltava os seus compostos orgânicos na água gelada.

Como os compostos orgânicos liberados eram moléculas grandes, por natureza, eram mais pesados que as moléculas de água. E por terem uma densidade maior, as moléculas orgânicas ficaram localizadas na parte do fundo do copo, formando uma mais escura, com os compostos do chá e outra mais clara, com maior quantidade de água.

E eu fiquei observando isso como um menino pequeno que nunca tinha visto nada parecido – mesmo tendo visto fenômenos assim várias vezes – enquanto passavam inúmeras relações com a química na minha cabeça: polaridade, densidade, sistemas, misturas, compostos orgânicos, compostos inorgânicos, solubilidade, difusão, gravidade...

Eu já ouvi falar, de alguns professores meus, que quando estavam escrevendo para desenvolver as suas pesquisas, ficavam assim, fazendo relações com o objeto de estudo e o dia a dia. Talvez eu esteja nessa fase, assim, como eles. Mas como a química toda eu acho.

Betta Até para cuidar de peixinho em um aquário é preciso saber alguns conceitos químicos. Essa semana o meu peixinho morreu – acho que foi por causa da troca de água! Então eu fui comprar outro. Encontrei um peixe betta, azul, o mais bonito que eu já tinha visto. Comprei. Trouxe para casa escondido de Mainha – que já está traumatizada com o meu histórico com a criação de peixes – e coloquei ele no aquário, no meu quarto.

Passei o resto do dia procurando informações em todos os lugares da internet que eu tive acesso para cuidar da melhor forma do meu peixinho novo. Era preciso rever os parâmetros da água do aquário apropriados para o betta. E me deparei com conceitos químicos como pH, salinidade, alcalinidade, ácidos e compostos orgânicos que podem ser colocados no aquário para melhorar a vida do peixinho.

No meu caso eu coloquei no aquário uma folha de castanhola, uma árvore que tem aqui na frente da minha casa, e que libera ácido tânico na água. Ao se decompor a folha vai, aos poucos, liberando o ácido na água do aquário, que por ter hidrogênios ionizáveis altera o pH da água, deixando-a mais ácida.

No outro dia a água estava escurinha, como um chá, o que era natural devido aos compostos orgânicos liberados pela folha. O peixinho pareceu gostar do ambiente que eu tinha preparado. Mas um pensamento me veio a cabeça com tudo isso: a importância da alfabetização científica na educação básica.

A ciência está em tudo, e cada dia que passa eu me pego encantado na quantidade de fenômenos do dia a dia que podemos perceber a presença da química. E mais legal ainda é quando a gente consegue perceber esses fenômenos e entendê-los quimicamente. Eu fico pensando em quão interessante cuidar de um peixinho em um aquário pode se tornar quando se entende o que é o pH e como ele pode ser alterado pelos compostos com caráter básico, como a amônia, que são liberados pelos peixes. Ou então, como a própria folha de castanhola altera o pH da água liberando os ácidos tânicos, que ajudam a manter a qualidade do ambiente.

Isso é alfabetização científica! É entender como os fenômenos acontecem quimicamente e poder ler o mundo com os conceitos científicos.

E isto é o que considero importante na prática docente: alfabetizar cientificamente, dar a oportunidade de os alunos verem a química no cotidiano e poder se encantar com ela.

Felicidade Acredito que todo mundo já passou, pelo menos uma vez na vida, por algum momento em que se sente desmotivado e sem a mínima de vontade de continuar o seu trabalho ou atividades do dia a dia. A pandemia vem causando isso em muita gente. Eu mesmo estou assim faz uns dias. Os comércios e lugares públicos fechando. Os amigos se afastando. As pessoas se distanciando. Atividades sem fim chegando a todo momento. A vida ficando monótona. A rotina se estabelecendo. Os dias vão passando, e nada muda.

Até que ontem eu amanheci diferente. O mundo parecia mais colorido e as atividades do dia não estavam mais tão pesadas assim. Uma carga de dopamina tinha sido liberada – só podia ser. Eu estava sentindo uma felicidade que há muito tempo não havia sentido e estava me motivando a estudar, trabalhar e tinha tornado o dia mais agradável.

Quando o cérebro libera esse hormônio neurotransmissor o corpo sente os efeitos e nos dá a sensação de felicidade. São umas moleculazinhas minúsculas, formadas por apenas 8 átomos de carbono, 12 átomos de hidrogênio, 2 átomos de oxigênio e 1 átomo de Nitrogênio, que organizados em uma estrutura molecular da maneira correta, atuam no corpo mudando tudo na nossa vida e dando um sentimento de euforia que faz o mundo mais feliz. Fica tudo mais colorido, igual nos desenhos animados.

A ciência chama esse hormônio da molécula da felicidade, que associada a liberação de ocitocina, pode trazer um bem-estar indescritível. Essa reação química que libera a dopamina acontece quando ouvimos uma boa música, praticamos atividades que nos fazem bem em momento de lazer. Já a ocitocina acontece quando duas pessoas trocam olhares em um “amor à primeira vista” ou quando encontram o “par perfeito”. Pensando bem, algo me diz que eu...

Pérolas Vasculhando o baú de fotografias de Mainha eu encontrei uma foto bem antiga da minha avó. Era uma das festas de final de ano, do tempo em que ela ainda era recém-casada com meu avô. O negócio é que ela estava com um colar de pérolas enorme, daqueles que dão várias voltas no pescoço.

Pérolas falsas, claro!

Um colar de pérolas daquele, digno de ser usado pela Rainha Elizabeth, custariam uma fortuna. As pérolas originais são feitas de nácar, ou madrepérola, que é produzido no interior das ostras como forma de defesa.

O que, na minha percepção, torna esses animais magníficos.

O fato de as ostras reagirem cobrindo um corpo estranho, ou um inimigo minúsculo, que entra na sua concha com camadas de um material composto de água, carbonato de cálcio, aragonite e uma proteína chamada conchiolina, é uma lição que a natureza nos dá.

Quando passamos por situações que se mostram difíceis é fundamental ter resiliência, e direcionarmos aquilo que temos para a solução da situação.

Em vez de sofrer e se entregar aos problemas, podemos buscar amparo, ajuda, apoio, carinho e amor naqueles que nos abraçam e lutar para conseguir passar pela fase ruim, ou buscar a solução do problema. Assim, conseguimos transformar o “inimigo” em uma pérola na nossa história.

Acho que talvez fosse por isso que vovó gostava tanto de pérolas – ela tinha colares de pérolas de todas as cores – a resiliência que há escondida na composição das pérolas é a mesma que vovó tinha e nos ensinou a ter.

Agradecimentos Este Livro paradidático foi a continuação de uma das produções mais relevantes que realizei durante a graduação em Química licenciatura.

Trazer um novo olhar sobre a química – o meu olhar, de uma ciência próxima do dia-a-dia das pessoas - fez da produção desse livro uma experiência única e inovadora para o ensino de química, visto que a utilização das crônicas para o ensino é, ainda, uma área de pesquisa emergente.

Espero e desejo que as leituras da novas crônicas que trago neste livro possam contribuir para o ensino de química e abordagens significativas para a aprendizagem em química. E espero que ele traga um novo olhar sobre a ciência química.

Assim, agradeço a todos que fizeram esse projeto possível, em especial ao incentivo dado pela Proexc – Pró reitoria de extensão e cultura da UFPE, que tornou possível a publicação do livro através do programa de estímulo a cultura.

Agradeço também à orientadora pedagógica, Prof.ª.: Drª.: Kátia Nepomuceno Pessoa, que participou de toda a construção do projeto até a sua finalização, inclusive na escrita do prefácio na primeira e segunda edição.

Agradeço também a todos os familiares e amigos que de alguma forma contribuíram com esta obra.

Agradeço à Deus, que torna realidade todos os nossos planos!

Referências BARBOSA, A. C; SILVA N.S; SILVEIRA JÚNIOR, C; SILVA, R.L.R. MEDIAÇÃO DE LEITURA DE TEXTOS DIDÁTICOS NAS AULAS DE QUÍMICA: UMA ABORDAGEM COM FOCO NA MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM. Revista ensaio, Belo Horizonte, n. 3, v. 18, p. 175-198, dez 2016.

CANDIDO, Antonio. “A vida ao rés-do-chão”. In: A Crônica: O gênero, sua fixação e suas transformações no Brasil. Campinas, Ed. Da Unicamp, 1992.

COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil S.A, 1988.

FERREIRA. Simone Cristina Salviano. Afinal, o que é a crônica? In: TRAVALLIA, Luiz Carlos[et al.]. Gênero de texto: Caracterização e Ensino.

Uberlândia, EDUFU, 2008. p. 347-394.

FLÔR, C. C. Leitura e formação de leitores em aulas de química no Ensino Médio. 2009. 235 f. Tese (Doutorado em Educação Científica e Tecnológica) – Centro de Ciências da Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florinópolis, 2009.

Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/ 123456789/92247/275216.pdf? sequence=1 >.

FRANCISCO JÚNIOR, W. E. F. Estratégias de leitura e educação química: que relações? Química Nova na Escola, São Paulo, v. 32, n. 4, p. 220-226, 2010.

Disponível em: < http://qnesc.sbq.org.br/ online/qnesc32_4/03EA5809.pdf>.

SÁ, Jorge de. A crônica. São Paulo: Ática, 1987