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Em Poucas Palavras

UM ERRO DO GOVERNO DE ISRAEL

Em setembro de 2007, a Assembleia-Geral das Nações Unidas aprovou a “Declaração dos Direitos dos Povos Nativos” / “United Nations Declaration on the Rights of Indigenous Peoples” (A/RES/61/295). A declaração inclui o direito à preservação de território, idioma, religião e herança cultural dos povos nativos ainda existentes no mundo. 144 países aprovaram a resolução, 4 se opuseram, com 11 abstenções. Israel não participou da votação, pois ela coincidiu com o dia de Rosh Hashaná daquele ano. E também não a endossou a posteriori.

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O Povo Judeu é, sem dúvida, um dos mais antigos povos nativos, ainda habitando sua antiga pátria, o berço de seus antepassados Isaac e Jacó, a terra para a qual Moisés e Josué conduziram o Povo Judeu (naquela época chamado “hebreu”), onde o Rei Salomão construiu o Templo, onde o rei Davi governou a partir de Jerusalém e o rei Herodes residiu, e a terra onde Jesus de Nazaré viveu e conduziu sua vida.

Desde tempos imemoriais, até os dias atuais, tem havido uma presença judaica contínua na área, com amplos registros históricos e cada vez mais abundantes evidências arqueológicas.

Assim, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Nativos representa um claro reconhecimento dos direitos históricos do Povo Judeu em todas as esferas estabelecidas na Declaração.

A Declaração se refere a povos que sofreram “injustiças históricas como resultado, inter alia, de sua colonização e expropriação de suas terras, territórios e recursos”. Isso é relevante para injustiças históricas como aquelas sofridas pelo povo judeu ao longo de sua longa história, incluindo exílios, banimento, dispersão e conversão forçada e diáspora.

Por todas as razões acima, a lógica presumiria que o Estado de Israel deveria endossar tal declaração que reconhece os direitos nativos do Povo Judeu, à luz do fato de que eles são, de fato, o nativo, primeiro povo, natural da terra. Na verdade, o Alcorão, o Novo Testamento e a Bíblia Judaica reconhecem a ligação básica do Povo Judeu com sua terra.

Os palestinos afirmam que são descendentes dos canaanitas, mas isto não tem base histórica, principalmente à luz do fato de que a ocupação do Islã na área ocorreu apenas no século VII da era comum.

A premissa do processo de paz é o reconhecimento mútuo dos direitos básicos de cada parte. Assim, as negociações no processo de paz não podem deixar de levar em consideração os direitos do Povo Judeu, conforme estabelecido na Declaração da ONU de 2007. Inclusive tratando os habitantes judeus da Cisjordânia governada pela Autoridade Nacional Palestina como habitantes nativos da região.

É de se esperar e esperar que o Governo de Israel reconheça a importância e centralidade da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Nativos e, finalmente e sem qualquer demora ou desculpa, anuncie seu endosso a este importante e documento internacional. ü

SINAGOGA PÓS-COVID

As congregações que não aderem à visão que usar eletricidade seja um dos trabalhos proscritos durante os dias de Shabat e de Chag se adaptaram rapidamente ao isolamento social recomendado para a mitigação dos efeitos nocivos da Covid-19.

Elas passaram a transmitir suas tfilot pela internet e, com isto, não apenas mantiveram a segurança de seus membros, como também preencheram o vazio deixado pela impossibilidade de participação num minian.

Já antes da Covid, algumas sinagogas transmitiam a imagem de seus serviços religiosos pela internet e, em tempos mais remotos, via rádio. Porém, estas eram transmissões nas quais o espectador ou ouvinte conseguia tão somente ver ou escutar o que acontecia na sinagoga. Ele não participava, apenas assistia.

O que aconteceu durante a pandemia foi diferente. As congregações se esforçaram por desenvolver caminhos multidirecionais, fazendo com que houvesse interação entre as pessoas em tempo real.

Ainda é cedo para avaliar quais marcas a implementação destas iniciativas deixarão para o futuro pós-pandemia. Mas algumas características da “sinagoga pós-Covid” parecem já estar delineadas:

Não retornaremos ao modelo de tfilá apenas presencial. É inegável que no dia seguinte em que o distanciamento social deixar de ser mandatório, os minianim presenciais retornarão, pois o humano é um ser gregário e o contato remoto rouba muito da emoção do encontro e da solenidade das rezas.

Mas dificilmente o minian presencial vai abolir o minian remoto, com sua vantagem de inclusão de pessoas com dificuldades de locomoção, inclusive por residirem em bairros distantes, ou engarrafados, ou até mesmo em outras cidades (em cidades, tais

Toltemara/iStockphoto

como o Rio de Janeiro, que contam com uma expressiva “diáspora”, esta característica tem muito valor).

Então, o que vamos ter é um modelo híbrido presencial-remoto, mas, diferentemente da transmissão de sentido único anterior, com a participação da comunidade que está remota.

Alguns mais ousados (exagerados?) disseram que este novo modelo vai causar a “terceira onda” do judaísmo, pois a mudança será tão impactante como a causada pelo fim dos serviços baseados em ofertas a Deus no Templo.

Mesmo que o impacto não seja tão grande assim, vai ser muito frequente termos telões nas paredes frontais das sinagogas, permitindo que a comunidade local veja e escute a comunidade remota, o que é sem dúvida algo revolucionário. Igualmente, parece ser inevitável o aparecimento de livros de reza em formato digital, projetados em tela individual ou coletiva, o que abre o caminho para formatos dinâmicos (inclusive com a capacidade de introduzir textos novos a cada tfliá) e muito diferentes dos atuais.

Outro impacto da “sinagoga-Covid” é a ampliação do público das sinagogas, tanto pela agregação das pessoas com dificuldade de locomoção acima citadas, como pela facilidade de “experimentação” do judaísmo sinagogal entre judeus e até mesmo entre não judeus interessados em judaísmo. Esta ampliação está sendo claramente sentida nas tfilot remotas conduzidas atualmente, que têm, em todas as sinagogas, um público muito superior (acréscimos de 2, 3, 4, 5 vezes) ao do público tradicional (mesmo nos casos onde este público tradicional já era significativo).

O que este aumento vai provocar ainda não está claro, mas parece óbvio que ele terá um impacto positivo.

Finalmente, e talvez o impacto mais significativo, a sinagoga remota introduziu um elemento competitivo nas tfilot. O mitpalel (a pessoa que está rezando) tem na frente de si um enorme leque de alternativas e vai, fatalmente, escolher a que lhe é mais atrativa, mesmo que ela esteja em outro continente.

A competição é muito salutar para a economia, ela resulta em produtos e processos melhores, inovadores e mais baratos e acessíveis. É a liberdade de competição estabelecida após a quebra da centralização econômico-ideológica estatal da Idade Média, que impulsionou o mundo para o nível de conforto que temos hoje, para o espetacular avanço das condições de saúde e a dramática redução da pobreza experimentada nos últimos séculos.

O que será que a competição vai produzir no mundo religioso judaico e não judaico? As pequenas lojas de bairro (ou seja, as pequenas e dignas sinagogas de locais com poucos judeus e poucos recursos) fatalmente sucumbirão para os grandes supermercados (ou seja, as grandes e dignas sinagogas dos locais com grande número de judeus e recursos) que se fizeram disponíveis nas casas de seus membros? Ou será que haverá uma composição “antimercado” com as grandes congregações entendendo o seu sagrado dever de cuidar do povo judeu como um todo?

Esta parece ser a grande questão para o mundo religioso pós-pandemia. ü

A REALIDADE NUA E CRUA

O“Saban Forum” é um encontro anual entre líderes de todas as correntes políticas e sociais dos Estados Unidos e de Israel, organizado pelo Center for Middleast Policy do Brookings Institute. O tema de seu encontro de dezembro de 2016, às vésperas da posse de um novo governo dos Estados Unidos, foi óbvio: “Os desafios da administração Trump no Oriente Médio”.

Na ocasião, o então Secretário de Estado, John Kerry, declarou com a voz, grave e solene, e o dedo em riste de quem tem todas as certezas do mundo o que segue:

“Não haverá paz em separado entre Israel e o mundo árabe. Quero deixar isto muito claro para todos vocês. Eu ouvi alguns políticos proeminentes de Israel dizendo: ‘Bem, o mundo árabe está numa posição diferente hoje e devemos nos aproximar deles e negociar diretamente’.”

“Não, não e não”, exclama ele. Em seguida faz uma pausa dramática e movendo as palmas de ambas as mãos na direção do público num gesto de afastamento, olha fixamente para a câmera por cima dos óculos e prossegue em tom de quem está revelando a verdade absoluta:

“Posso reafirmar para vocês que mesmo nas minhas conversas mais recentes, da semana passada, quando falei com líderes da comunidade árabe: não haverá progresso e paz em separado com o mundo árabe sem envolver os palestinos e tratar da paz com os palestinos”.

Ao falar isto ele levanta momentaneamente o tom de voz, colocando ênfase na palavra “sem” (without), para continuar em seguida:

“Todos devem entender isto. Esta é a realidade nua e crua (the hard reality)”.

Quatro anos depois desta conferência, três países árabes estabeleceram relações pacíficas com o Estado de Israel, sem tentar resolver a questão palestina em suas tratativas.

A realidade nua e crua é que John Kerry, o arrogante, presunçoso e equivocado negociador do terrível acordo dos Estados Unidos com o Irã, foi um péssimo Secretário de Estado no que diz respeito ao Oriente Médio, incapaz de entender a situação da região um milímetro além das aparências exteriores e das ideias (mal) preconcebidas. ü

O MEL DA TERRA

Okibuts Keturá, cravado no meio do deserto, a 40 km de Eilat, é um tradicional desenvolvedor de inovações (pode-se ler mais sobre o kibuts e sua economia inovadora na Devarim número 11, de 2010), assim que o anúncio de seu “Centro de Agricultura Sustentável”, sobre a criação de um novo tipo de tâmaras, não foi um ponto fora da curva para eles.O que ninguém esperava era que inovação fosse na verdade muito antiga!

Numa demonstração da incrível resiliência da natureza, os cientistas de Keturá conseguiram revitalizar sementes de tâmaras de 2.000 anos atrás, encontradas em Metsadá. Mas como as sementes eram de uma árvore macho elas não produziram frutas.

Quis a sorte que mais tarde se encontrassem sementes da mesma época, porém de uma árvore fêmea. Estas sementes foram encontradas em uma das cavernas de Qumran.

Os cientistas lograram polinizar a árvore fêmea de Qumran (apelidada por eles de Hana) com a árvore macho de Metsadá (apelidada Matusalém) e ela passou a dar frutos! Assim nasceram tâmaras filhas de Hana com Matusalém, que teoricamente são iguais às tâmaras ingeridas pelos personagens da Torá.

A Dra. Sara Sallon, uma das responsáveis pelo projeto, descreve assim o sabor desta nova fruta: “Adorável! As tâmaras Madjoul [um tipo moderno de tâmaras, muito popular na região] são um tanto pegajosas para o meu gosto, mas estas são menos melosas, mais secas, mais suaves e com um gosto residual que me faz pensar na terra do leite e do mel”. 15 vezes a Torá faz menção à terra de Israel como sendo a terra na qual flui o leite e o mel, assim que a afirmação da cientista traz prontamente à cabeça a discussão ainda não resolvida sobre a natureza daquilo que a Torá chama de “mel”.

Alguns dizem que não haviam abelhas na Terra de Israel naquela época, então a substância citada na Torá não era mel e sim um xarope muito doce feito de tâmaras, chamado “silan” em hebraico e, segundo a Wikipedia, muito popular nas cozinhas da Líbia e do Irã.

Há também a questão da impossibilidade haláchica do produto de um animal impuro – a abelha – ser considerado casher. O que faz o site do Chabad informar que o mel da abelha é um fenômeno singular dentro da casherut.

Mas nada disso apaga a maravilha que é conseguir reviver os sabores do passado, através da manipulação de sementes milenares. Uma das frases mais intrigantes da Torá, a pungente exortação de Jeremias ao final de suas Lamentações: “Renove nossos dias como antigamente!” parece ter sido respondida (ao menos parcialmente) por meio da ciência desenvolvida no deserto de Israel.

É fabuloso. ü

QUEM PROVOCOU A GUERRA DE 1948-49

Contam os livros de história que em 15 de maio de 1948, no dia em que Israel declarou sua independência, o novo Estado foi atacado pelos exércitos do Egito, da Jordânia (então chamada Transjordânia), da Síria e por forças expedicionárias organizadas no Iraque. Mas, segundo um interessante artigo do professor Meir Zamir, publicado no jornal Haarets1 , houve um quinto interveniente direto que incentivou o ataque dos árabes.

Este quinto interveniente não pegou em armas, mas, por meio de uma bem-sucedida atividade diplomática, convenceu os países árabes, então reunidos numa conferência em Damasco, a abandonar a via diplomática e se lançar abertamente numa guerra do tipo “blitzkrieg” (guerra relâmpago) para a qual prometeu apoio secreto aos árabes.

Alguns extratos do artigo:

Ben-Gurion descobriu já em julho de 1947 sobre um complô britânico envolvendo líderes iraquianos para incitar a guerra. A inteligência francesa informou-o de que militares e oficiais de inteligência britânicos seniores no Cairo e em Bagdá estavam trabalhando secretamente para frustrar a decisão do governo de Sua Majestade de evacuar a Palestina, desencadeando uma guerra geral entre judeus e árabes.

Ficou claro para ele [Ben-Gurion] que os sucessos militares do Yishuv contra as forças palestinas e o Exército de Libertação Árabe permitiram aos oficiais britânicos superar as rachaduras e rivalidades profundas entre os líderes árabes. Eles conseguiram persuadir os árabes a unir forças e ir à guerra para evitar o estabelecimento de um estado judeu, ou pelo me-

1 Intelligence Documents Reveal What Ben-

Gurion Learned on the Eve of Declaring Israel’s

Independence – Haaretz.com – 18 de maio de 2020.

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nos confinar sua área apenas à planície costeira.

Na véspera de 12 de maio de 1948, reunião de Minhelet Ha’am, Ben-Gurion recebeu informações de fontes francesas de que os oficiais da inteligência britânica e o Alto Comando britânico no Egito haviam conseguido persuadir o rei Faruq a reverter sua posição anterior e se juntar à coalizão de guerra árabe. O rei tomou a decisão por conta própria e forçou seu primeiro-ministro, Mahmud Fahmi al-Nuqrashi, sobrepujando sua oposição e a de figuras importantes do governo, senadores, a família real e o Alto Comando egípcio.

Pesquisas nos arquivos do exército francês, do ramo de inteligência, e do Ministério das Relações Exteriores revelaram muitos detalhes sobre como o pessoal da inteligência britânica e generais no Egito manipularam Faruq para se juntar à guerra contra Israel. Entre outras táticas, os agentes britânicos fizeram uso do movimento da Irmandade Muçulmana. Milhares de membros da organização atacaram e saquearam propriedades judias e estrangeiras e protestaram nas ruas das cidades, exigindo que o rei ordenasse ao exército que tomasse medidas para salvar a Mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém e os muçulmanos da Palestina.

Oficiais da inteligência britânica também tiveram sucesso em Damasco. Os líderes árabes se reuniram lá na segunda semana de maio para discutir se aceitariam o apelo americano para estender o mandato britânico por 10 dias a fim de tornar possível um acordo árabe-judaico, ou decidir ir à guerra e chegar a um esquema coordenado para a invasão. De acordo com informações fornecidas por uma importante figura síria, os britânicos obrigaram o regente iraquiano, Abd al-Ilah, e o rei Abdullah a substituir o general iraquiano Ismail Safwat por outro general iraquiano, Nur a-Din Mahmud, que era mais complacente do ponto de vista britânico.

O relatório também indica que o chefe da Liga Árabe Azzam, Jamil Mardam e Riyad al-Sulh, os primeiros-ministros da Síria e do Líbano, respectivamente, e o mufti de Jerusalém, Amin al-Husseini, estavam prontos para aceitar a proposta americana de estender o Mandato, mas cedeu à pressão do monarca jordaniano, cujos representantes os informaram que a Legião Árabe (Exército Jordaniano) invadiria a Palestina de qualquer maneira.

A postura de Abdullah obrigou os outros líderes árabes a apoiar uma invasão, para que não fossem vistos por seu próprio povo como menos comprometidos do que o rei jordaniano com a defesa dos árabes da Palestina. Os presentes na reunião de Damasco, alguns dos quais colaborando secretamente com os agentes da inteligência britânica, não tinham dúvidas de que Abdullah estava agindo sob as ordens de seus patrocinadores ingleses.

Devarim convida a todos para dois exercícios de imaginação. O primeiro: “Quantas mortes teriam sido evitadas e qual seria a configuração do Oriente Médio caso a Inglaterra não tivesse provocado a guerra árabe isralense de 1948 e não tivesse fomentado o ódio entre árabes e judeus?”

E o segundo: “O que fazer para se proteger dos aspectos nefastos do jogo político das grandes potências?” ü

O PERIGO MAIS SÉRIO

Wikimedia Commons / National Photo Collection of Israel

Não é preciso ter dom profético para prever que 2020 será caracterizado no futuro como “O ano do corona”. Tudo o mais que aconteceu no ano será colocado em segundo plano.

Israel não será uma exceção, mas lá talvez haja uma hifenização: “O ano do Corona – quando o conflito entre os ultraortodoxos e o restante da população se agudizou”.

Os ultraortodoxos (que se autodenominam “charedim”) são 10% da população, mas participaram em 40% das hospitalizações. Supõe-se que isto tenha sido causado pela desobediência às regras de afastamento social. Sinagogas, yeshivot e mikvaot continuaram a funcionar, o que irritou o restante da população, já estressada há anos pelas isenções ao serviço militar e pelos incentivos fiscais recebidos pelos charedim.

Talvez esta irritação resulte numa reação política. Talvez não. Mas, qualquer que seja o caso, é oportuno revisitar a entrevista de 1952 entre Ben-Gurion (o primeiro ministro de Israel) e o rabino Avraham Karelits, também conhecido como “Chazon Ish” (“A visão do homem” – título de sua obra magna), o mais importante líder da comunidade charedi na época. O âmago da mentalidade que faz os charedim se sentirem merecedores de tratamento especial em Israel é evidenciada na entrevista:

BG: Eu vim conversar com você sobre um assunto e perguntar como judeus religiosos e não religiosos viverão juntos nesta terra. Os judeus vêm de muitos países, centenas e milhares, com diferentes tradições, de diferentes culturas e diferentes visões de mundo. O Estado enfrenta o perigo externo, pois os árabes ainda querem nos destruir. Devemos aproveitar ao máximo tudo o que os diversos setores da população têm em comum, mas há um grande perigo de explodirmos por dentro. Além de todas as diferenças de culturas e visões de mundo, há uma questão fundamental: os religiosos são judeus e os não religiososo são judeus: como eles viverão juntos?

CI: Existe uma lei talmúdica: Quando dois camelos se encontram num caminho estreito que só dá passagem para um camelo, o que está carregando uma carga tem o direito de passagem. O camelo sem carga deve abrir caminho para ele. Nós, pessoas religiosas, temos o pesado fardo do estudo da Torá, da observância das leis judaicas e da observância do Shabat e da manutenção da comida casher. É por isso que outros precisam abrir o caminho para nós.

BG: E os judeus não religiosos não estão também carregando uma carga? E o povoamento da terra não é um fardo pesado? E a drenagem dos terrenos alagados, a conquista dos terrenos desolados, a salvaguarda do Estado, não são um fardo pesado? Esta é uma carga muito pesada. Mesmo os judeus que não são nada religiosos, como os do HaShomer HaTsair (movimento juvenil judaico secular, socialista, sionista), se engajam na colonização da terra e protegem você.

CI: Eles são sustentados porque nós aprendemos Torá.

BG: Se aqueles jovens não os estivessem protegendo, os inimigos teriam destruído vocês.

CI: Pelo contrário, devido ao nosso aprendizado de Torá, eles podem viver, trabalhar e defender.

BG: Eu não descarto a Torá, mas se não houver humanos vivos, quem estudará a Torá?

CI: A Torá é a Árvore da Vida, o elixir da vida.

BG: Proteger a vida também é um mandamento religioso. ”Os mortos não louvam ao Senhor.” Mas, qualquer que seja o caso, como vamos viver juntos?

CI: Eu vejo a profanação do sábado, carros e caminhões no sábado, pessoas indo para a praia em vez de rezar, estudar Torá e viver judaicamente. É irritante e chocante ver tal profanação do sábado em nossa terra ancestral.

BG: Eu não vou para a praia no sábado, mas esses trabalhadores que trabalham a semana toda não merecem um mergulho no mar no sábado? Isso é direito deles; você não pode forçá-los a estudar Torá, mas eles também são judeus e fazem muitas coisas importantes – defesa, etc. Você não pode forçá-los a guardar o sábado.

CI: Acreditamos que um dia chegará e todos guardarão o sábado e orarão.

BG: Se eles quiserem, não vou me opor a isso, mas eles não podem ser forçados. Não deve haver coerção religiosa nem coerção antirreligiosa, cada pessoa viverá como achar melhor.

Itschak Navon, o assistente de Ben-Gurion, que fez as anotações acima, acrescentou logo após a última frase: Cada um deles manteve suas posições e as repetiu várias vezes sem se aproximarem.

Depois que eles partiram, Ben-Gurion disse ao seu assistente: Este é um judeu inteligente, com olhos lindos e inteligentes, [e ele é] modesto. É interessante saber de onde vêm seu poder e influência. E como vamos viver neste país? A “reunião dos exilados” não é algo simples. Há muitas coisas que podem quebrar nossa sociedade, mas essa é a questão mais importante. Este é um perigo mais sério do que qualquer inimigo externo. ü

PEQUENO ENSAIO SOBRE MAOZ TSUR

Deus é sempre referenciado por seus atributos, visto que Seu nome é desconhecido e, portanto, irreproduzível tanto de forma escrita como oral.

No mais popular canto de Chanuká, Deus é referenciado por um de seus atributos para força: “Tsur” que significa literalmente “Rocha”. “Ó poderosa Rocha de minha salvação, louvar-te é um deleite”, diz o verso inicial do hino.

Este mesmo atributo viajou no tempo e aterrisou no mais importante documento judaico da era moderna: a declaração de independência de Israel. Seu último parágrafo começa assim: “Envoltos na confiança à Tsur Israel, nós assinamos esta proclamação …”. לארשי רוצב ןוחטב ךותמ

“Tsur Israel” foi o ponto de equilíbrio encontrado entre judeus laicos, que não admitiam uma menção direta a Deus no documento, e religiosos, que não assinariam a declaração sem esta menção.

A capacidade do povo judeu de encontrar o equilíbrio entre as suas muitas vertentes é, inegavelmente, uma das forças de Israel. Porque apenas alguns representantes assinaram fisicamente a declaração, mas espiritualmente todos o fizemos, ao longo das gerações. ü

O MUNDO SEM ISRAEL

Exercícios de ficção do tipo “e se” estão por trás de programas de televisão de sucesso, tal como “The Man on the High Castle”, que imagina o cenário atual caso os alemães e japoneses tivessem vencido a Segunda Guerra Mundial. E aqui mesmo, nesta Devarim, o colaborador Vittorio Corinaldi faz um “e se” a respeito do assassinato de Rabin.

Embalados nesta onda, vamos fazer um “e se” Israel tivesse perdido a guerra de independência de 1948-49.

Incialmente, é relevante apontar que muitos desejaram que o resultado daquela guerra tivesse sido diferente. No cerne da nakba, a narrativa do desastre Palestino, e do princípio central do nacionalismo palestino, está a crença de que a criação de Israel foi um crime que se não tivesse sido consumado o mundo estaria muito melhor.

Mas como seria o mundo hoje sem Israel?

Com toda a certeza não haveria um estado árabe independente no território do antigo Mandato Britânico para a Palestina. Os árabes que lá habitavam não o demandavam e se o recém-nascido Israel tivesse sido derrotado, teria sido devido aos esforços de invasores estrangeiros: a Legião Árabe liderada pelos britânicos da então chamada Transjordânia, bem como as forças do Egito e da Síria. O território do Mandato teria sido dividido entre eles, assim como foram divididas as partes do Mandato que ficaram sob controle árabe após a guerra (sintomaticamente, a Transjordânia abandonou o sufixo “trans”, depois de ocupar a Cisjordânia em 1949).

A criação de Israel serviu, no mínimo, como um freio à barbárie dos ditadores e monarcas vizinhos. Os cidadãos árabes de Israel têm direitos democráticos que seus vizinhos nunca gozaram e, numa boa suposição, não gozarão num futuro previsível.

Não precisamos de muita imaginação para vislumbrar o que tal derrota significaria para os 600 mil judeus que viviam no país. Em todos os casos em que os árabes conseguiram derrotar os defensores judeus, o resultado foi ou a expulsão deles de suas casas (como aconteceu na cidade antiga de Jerusalém) ou o massacre (como foi o caso em Kfar Etsion).

Durante a guerra, centenas de milhares de árabes fugiram de suas casas – a maioria com a impressão equivocada de que os judeus fariam com eles o que eles queriam fazer com os judeus. Se o resultado tivesse sido diferente, o que se seguiria significaria o extermínio, com os judeus remanescentes sendo tratados como cidadãos de segunda categoria, tal qual acontece até hoje com os palestinos no Líbano. E, evidentemente, seus lugares históricos teriam sido profanados.

Mas o impacto na vida judaica teria sido muito mais amplo do que “apenas” isso.

A criação de Israel mudou a vida de cada judeu em todo o mundo. Sionistas e não sionistas passaram a se sentir mais seguros. Sem Israel, os milhões de judeus da ex-União Soviética jamais teriam se levantado para exigir seus direitos após meio século de opressão.

Embora nos preocupemos com um renascimento do antissemitismo em nossos dias, quando Israel substituiu os tradicionais estereótipos e bodes expiatórios antissemitas, sem ele o destino dos judeus contemporâneos seria incomensuravelmente pior.

Os que cresceram no mundo pós1948 simplesmente não têm ideia do quanto mudou a maneira com que os judeus são vistos e tratados. Israel não foi apenas o local de refúgio para sobreviventes do Holocausto e do quase um milhão de judeus do mundo árabe e muçulmano; a criação de um lar para o povo judeu também tor-

Kaetana_istock/iStockphoto

nou mais fácil para os judeus viverem como iguais, mesmo optando por permanecer na dispersão.

Para seus detratores, Israel é uma decepção porque não consegue viver de acordo com os padrões irreais de moralidade, que jamais foram alcançados por qualquer democracia em guerra, como tem sido a realidade de Israel nesses últimos 72 anos. Mas, além desta insensata cobrança, ele continua a ser a única democracia no Oriente Médio, bem como um refúgio para as artes, as ciências e a tecnologia de vanguarda que iluminam o mundo.

Enquanto os atolados no mundo de fantasia do antissemitismo anseiam por um mundo no qual Israel nunca existiu, a esperança de sua erradicação é uma manifestação de ódio e não um exercício de ficção. ü

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