11 minute read

Caro Dr. Weizmann

Em novembro do ano passado recebi o diploma de PHD Honoris Causa do Instituto Chaim Weizmann de Ciências. Fui informado deste prêmio com razoável antecedência, com muito orgulho e surpresa. De fato, tenho contribuído bastante para ampliar a visibilidade do Instituto Weizmann no Brasil, mas devo confessar que não tinha essa expectativa.

Sabendo que deveria falar algumas palavras e conhecendo o grupo que compartilharia da ocasião comigo – outros agraciados, convidados e amigos –, pensei bastante no que deveria dizer.

Advertisement

Gosto de ler biografias e procuro todas as oportunidades possíveis para entrar em contato com pessoas que considero especiais, seja por seu nível de inteligência, paixão por alguma causa ou impacto causado por suas iniciativas. Na impossibilidade de encontrar pessoalmente com o Dr. Weizmann, resolvi simular essa situação, através de uma carta – uma forma também de homenagem, já que ele era um amante da troca de correspondências e suas cartas acabaram preenchendo alguns tomos de livros assinados por pesquisadores e historiadores.

Weizmann foi um personagem raríssimo, capaz de unir visão, política, diplomacia, ciência e realização, sempre dando o máximo de destaque à sua condição de judeu e sionista.

Foi um enorme prazer pesquisar sobre sua vida nas biografias, na autobiografia e em outros livros. De fato, me encantou a oportunidade de escrever uma carta narrando

Mario Fleck

um pouco sobre a realidade de um mundo sonhado por um personagem tão especial – é como se tivesse surgido a chance de encontrá-lo para trocar ideias e aprender um pouco mais.

Caro Dr. Weizmann,

Eu gostaria que tivéssemos podido nos conhecer. Seria uma imensa honra e privilégio conversar com um dos principais arquitetos do mundo judaico de nossos tempos. Talvez, teria sido ainda melhor conhecê-lo hoje e trocar algumas ideias sobre essa fantástica e bem-sucedida organização que você criou há mais de 70 anos, e que eu e muitos outros apoiadores admiramos imensamente.

Em preparação para escrever esta carta, aproveitei a oportunidade para fazer uma pesquisa e revisão de um pouco da história de seus dias. Fiz isso para compartilhar também, com a sua permissão, alguns elementos-chave de seus pensamentos que ainda prevalecem, pois se tornaram as raízes de uma construção única, viva e muito impactante. Para esse fim, entrei em contato com alguns de seus biógrafos, como Norman Rose, Yehuda Reinharz e, é claro, seus próprios escritos aos quais você denominou Tentativa e Erro. E também fiz um estudo sobre as cartas que você escreveu. Que personagem!

Devo dizer que minha geração tem muito mais sorte que a sua e que devemos agradecer aos arquitetos da história judaica como você por nos permitirem ter o tipo de vida que temos hoje.

O volume 4 de suas Cartas e Trabalhos, um maravilhoso trabalho de pesquisa e organização realizado por Meyer Weisgal, termina em 1906, quando você tinha apenas 32 anos de idade e mostra um incrível nível de produção intelectual – você escreveu cerca de 300 cartas por ano! Fico imaginando o que teria feito se tivesse vivido na era do WhatsApp e das ferramentas de comunicação dos meus dias. Como mencionei, vivemos em tempos melhores, no entanto é preciso enfatizar que, apesar de não termos atos como os pogroms de 1905 na Rússia que tanto te preocuparam, por outro lado, vemos tiroteios em sinagogas nos Estados Unidos e um renovado medo na Europa, principalmente na França e na Bélgica, pelo ressurgimento do antissemitismo. Deve ser difícil para você entender que, mesmo após a criação de Israel, os judeus ainda enfrentam atos assim, mas infelizmente cumpre-me dizer que Israel se tornou O Judeu entre as nações!

A Organização das Nações Unidas cuja criação você testemunhou, após a terrível Segunda Guerra Mundial, deveria ser a pedra angular para o relacionamento respeitoso entre as nações, um centro de equilíbrio político, o lugar onde os direitos humanos são vigiados globalmente e onde os carniceiros não mais prevalecem. Infelizmente, Dr. Weizmann, esse não é o caso. Israel se tornou alvo de países antissemitas, que, usando de vergonhosos duplos padrões morais, o vilipendiam diuturnamente e ainda hoje, quando o país ultrapassa seu 71º aniversário, a instituição tolera membros que expressam claramente o desejo de destruir Israel, tal como faz o Irã.

Mas deixe-me falar sobre o seu Instituto, o local e o motivo de nos reunirmos hoje à noite. Em 2 de novembro, exatamente há 70 anos na semana passada, o Instituto Weizmann de Ciência foi inaugurado oficialmente. Você se sentou no palco cerimonial, admirando sua própria criação, a transformação de seu sonho em realidade. A plateia reunia ainda convidados e amigos ilustres de todo o mundo. Em um humor generoso e sincero, Ben- -Gurion, o principal orador, referiu-se às suas “duas coroas”, a coroa do Estado e a coroa do aprendizado. Você levantou-se para responder e, ignorando suas próprias anotações, disse o seguinte:

“Vivemos, como vocês sabem, em um país pioneiro. Somos pioneiros no deserto, na agricultura e na indústria. Mas, aqui em Rehovot, também estamos envolvidos em um tipo peculiar de trabalho pioneiro – somos pioneiros na ciência. Existem muitos problemas a serem resolvidos em nossa terra e muitas dificuldades a serem superadas. Ainda existem muitos perigos a serem enfrentados. Para enfrentá-los, não devemos confiar apenas na força física. Temos uma poderosa arma que devemos utilizar com engenho e habilidade, e com todos os meios à nossa disposição: ciência é essa arma; o nosso arcabouço de força e a fonte de nossa defesa”.

Devo abrir um parênteses aqui para destacar o povo especial que nós judeus realmente somos! Ben-Gurion foi o principal orador na inauguração do Instituto Weizmann, e a história nos conta que seu relacionamento com Weizmann havia sido um tanto complicado. Mas pessoas especiais não são criadas em ambientes sem líderes especiais e líderes especiais não são pessoas normais. Nós tivemos a sorte de ter tido na construção do Israel moderno figuras complexas como Ben-Gurion, Chaim Weizmann, Herzl e Jabotinsky. Devemos aprender com eles as lições para superar as diferenças entre as lideranças que nos enfraquecem hoje. Jabotinsky e Herzl, tal como Moshe Rabeinu, não viveram o suficiente para ver o milagre da criação de Israel, mas Weizmann e Ben-Gurion sim, e eles se reconciliaram no momento exato, a ponto de formar a primeira equipe de líderes do novo país, se colocando solidariamente à frente da primeira guerra pela sobrevivência do Estado. Mas voltando à minha carta... Dr. Weizmann, eu gostaria que você estivesse aqui hoje, pois, ao comemorarmos o 70º aniversário de sua instituição, constatamos que este lugar se tornou uma das fontes mais impactantes para o avanço da humanidade. As principais realizações de seus laboratórios transformaram Israel numa grande nação, desde os dias pioneiros da agricultura aos dias do pouso na lua, na extinção de doenças, na expansão da vida, na tecnologia de defesa e no conhecimento de novos limites. Você não poderia estar mais certo naquele dia 2 de novembro. Em seu livro Tentativa e Erro, você estabeleceu a visão sobre o que este lugar deveria ter como padrão de prática: O experimento de estabelecer um instituto de pesquisa A maioria de nós aqui encontrou significado para suas vidas na potencial contribuição para a humanidade desenvolvida neste antigo areal.

Professor Chaim Weizmann discursando em cerimônia de lançamento da pedra fundamental do Instituto Weizmann em Rehovot, Israel.

num país tão cientificamente atrasado quanto a Palestina está cheio de armadilhas. No entanto, existem várias maneiras de lidar com esses perigos.

Primeiramente, com a seleção adequada da equipe e pela infusão nela do espírito de manutenção da mais alta qualidade. Todos devem se dedicar à busca coletiva pela excelência e não somente a publicar seus estudos.

Em segundo lugar, com a implementação da política de manter os membros do Instituto em contato com o que está sendo feito na Europa e na América, não apenas lhes fornecendo uma boa biblioteca, mas também organizando múltiplos contatos pessoais. Estabelecendo como regra convidar cientistas de outros institutos para virem dar palestras em Rehovot, passando algumas semanas nos laboratórios, compartilhando suas experiências conosco e criticando os esforços dos jovens pesquisadores. Também trabalharemos na direção inversa, enviando nossos cientistas para o exterior. Se por acaso você estivesse conosco hoje poderia ver por si mesmo a qualidade das pessoas que trabalham aqui. Você ficaria impressionado com o número de idiomas diferentes que eles falam e com o reconhecimento internacional deles.

Ah! você também mencionou em sua autobiografia a preocupação que teve nos primeiros dias do Instituto devido ao fato de o lugar ser apenas de areia, sem árvores, e você invejou os campi de universidades inglesas e americanas. Sim, você começou a transformação da paisagem aqui e, se você já estava feliz com as primeiras transformações, eu gostaria que você pudesse dar uma olhada hoje! As almas dos que moram, trabalham ou apenas visitam, são refrescadas pelo paisagismo daqui. Ouso dizer que é de dar inveja a americanos e europeus.

Você também expressou a preocupação estratégica de procurar descobertas científicas que ajudassem o país a se desenvolver, apesar das condições locais e regionais apresentarem desafios significativos. Muito bem, basta dar uma olhada e ver com seus próprios olhos o milagre que acontece neste lugar. Não apenas nas soluções para este país, mas as descobertas feitas aqui conquistaram a admiração do mundo todo e a maioria das empresas mais avançadas

de todos os cantos do planeta vem para cá em busca de excelência, soluções e até para montar aqui seus próprios Centros de Pesquisa e Desenvolvimento.

Você imaginaria que água e energia não são mais problemas em Israel?

Você acreditaria se eu lhe disser que seu instituto está envolvido no projeto que enviou uma espaçonave israelense à Lua?

Orgulhe-se, pois este local desenvolveu patentes e descobertas que hoje compõem a lista dos medicamentos mais vendidos em todo o mundo. Caro Dr. Weizmann,

Talvez seja por causa de toda essa história que estamos nos reunindo aqui, todos os anos, cada vez com mais amigos, mais apoiadores, mais entusiasmo pelas realizações e descobertas, mais orgulhosos do que semeamos. A maioria de nós aqui encontrou significado para suas vidas na potencial contribuição para a humanidade desenvolvida neste antigo areal, nos sentimos parte da equipe, apesar de não sermos cientistas. A mera oportunidade de participar da jornada, sentados no banco de trás da equipe de cientistas deste Instituto nos dá muita energia. Desnecessário, mas importante, dizer, tudo isso também é um excelente reforço para o Sionismo de nossos dias.

Graças a você, a nação judaica tem um lugar entre as nações, e que lugar mais digno e significativo é esse! Você poderia imaginar que o país que precisou de imenso apoio apenas para conseguir caminhar sobre as próprias pernas, se tornou o primeiro a responder aos desastres naturais que se abatem nos quatro cantos do mundo?

Com sua visão e com a qualidade e dedicação de cada cientista, colaborador, patrocinador ou amigo, que teve o privilégio de participar dessa jornada, ela se tornou uma empreitada fabulosa. Nós, judeus de todas as partes, temos muito orgulho de Israel. Nós, amigos do Instituto Weizmann, estamos muito orgulhosos desse radiante diamante, nosso presente para o benefício da humanidade.

E este lugar é todos os dias inspirado pelo seu nome. Como disse uma vez Sir Isaiah Berlin:

“Chaim Weizmann foi o primeiro judeu totalmente livre do mundo moderno, e o Estado de Israel foi construído à sua imagem. Ninguém jamais teve um comparável monumento construído para si em sua própria vida”.

E eu acrescento que este Instituto é hoje a imagem dos seus melhores sonhos se tornando realidade! Yehuda Reinharz, hoje o ilustre presidente do Conselho Internacional do Instituto Weizmann, escreveu na biografia de Weizmann: “[Ele] via o Sionismo como uma força política e moral aberta, flexível e poderosa o suficiente para abranger e unir todos os outros movimentos e ideias atuais no mundo judaico. Para ele, o Sionismo deveria assumir a principal responsabilidade pelo destino político, social, econômico e cultural de todos os judeus, onde quer que estivessem”.

E eu repito … acredito que, para revalidar essa afirmação significativa, o Sionismo, na sua fase pós-criação de Israel, precisa repensar sua posição com relação a todo o espectro dos judeus. Pessoas que vivem nos tempos contemporâneos. A determinação de quem é judeu hoje, com as restritivas leis do ciclo de vida, estão mandando muitos para fora da porta, e, como escreveu Tal Keinan em seu livro God is in the Crowd 1 , precisamos reverter esse processo para manter a massa crítica extremamente necessária de judeus conectados em nossa geração.

Hoje, a liderança do mundo judaico tem uma tarefa importante, da dimensão de seus colegas, Dr. Weizmann, e desejo que eles se inspirem no melhor de nossas gerações para nos levar a mais milênios de existência, assim como nossos fundadores, sábios e líderes.

Antes de terminar, permita-me dizer que hoje aqui represento uma multidão orgulhosa e feliz de apoiadores que trabalham e incentivam atrás dos laboratórios e, no meu caso particular, seria negligente se não reconhecesse que não estaria aqui hoje recebendo uma homenagem tão honrosa sem grande ajuda de meus amigos brasileiros. Parabéns e obrigado! Mario Fleck é presidente dos Amigos do Instituto Weizmann na América Latina, membro do Executive e do International Board do Weizmann e presidente da CIP-Congregação Israelita Paulista de São Paulo. 1 Deus está na Multidão, livro em processo de tradução para o português (N.E.) Isaiah Berlin: “Chaim Weizmann foi o primeiro judeu totalmente livre do mundo moderno, e o Estado de Israel foi construído à sua imagem. Ninguém jamais teve um comparável monumento construído para si em sua própria vida”.

Presidente Chaim Weizmann e sua esposa Vera Weizmann na entrada do Instituto Daniel Sieff.

This article is from: