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Resenha de Livros

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Spies of No Country

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Resenha do livro Spies of No Country, de Matti Friedman, publicado em 2019 por Algonquin Books.

Operíodo entre a votação da partilha do território do Mandato Britânico para a Palestina (em novembro de 1947) e a assinatura dos armistícios entre Israel e seus vizinhos (de fevereiro a julho de 1949) trouxe profundas modificações nas vidas de todos os habitantes da região.

Em seu mais recente livro 1 , o jornalista e escritor Matti Friedman 2 abre uma janela para este período através das vidas de quatro judeus árabes, dois nascidos na Síria (Alepo e Damasco), um nascido no Yemen e um nascido em Jerusalém. Todos eles entre os 20 e 25 anos de idade em janeiro de 1948. Friedman entrevistou

1

2 Spies of No Country – Secret Lives at the Birth of Israel, publicado em 2019 por Algonquin Books of Chapel Hill. Contribuidor da página de opiniões do The New York Times, já tendo reportado sobre Israel, Líbano, Marrocos, Moscou, o Cáucaso e Washington DC. Seus escritos foram publicados, entre outros, no The Wall Street Journal, The Atlantic e no Washington Post. A Devarim 29, de abril de 2016, publicou uma tradução de seu excelente artigo “A época do jornalismo selfie”. pessoalmente três deles e dedicou o livro ao quarto, que faleceu em 1951, durante uma operação.

Eles foram recrutados dos quadros da Haganá 3 pelo ainda muito rudimentar e desorganizado serviço secreto de Israel para atuar como espiões no mundo árabe. Eram chamados de “mistaravim”, ou seja, os “que se parecem com árabes”, e esta era a principal característica que motivou seus alistamentos. A missão era reportar sobre os sentimentos no mundo árabe, tanto na comunidade árabe-palestina como nos países vizinhos.

O livro pode ser lido como um livro de espionagem comum, com as peripécias e os perigos que cercam os que exercem essa atividade. Mas este não é o seu principal atrativo, até porque as ações espetaculares são poucas e nem tão espetaculares assim. Um iate que Hitler havia construído

3 Organização paramilitar judaica no Mandato Britânico para a Palestina, que após a fundação do Estado de Israel se tornou o núcleo de seu exército.

na esperança de desembarcar dele, vitorioso, em Londres e que depois da guerra estava sendo preparado para ser um navio de guerra da marinha egípcia é danificado (mas não afundado) numa operação em Beirute. A explosão de uma garagem onde estava sendo preparada uma ambulância cheia de explosivos que seriam detonados num sábado à noite num popular cinema da parte judia de Haifa. O malsucedido atentado contra um imane que incitava abertamente o massacre dos judeus. E mais nenhum ato pirotécnico. Como roteiro de filme de espionagem, o livro de Friedman seria um fracasso.

Contudo, este não é o seu objetivo. O valor do livro, que é de leitura fácil e agradável, consiste na análise que os espiões fazem a respeito da sociedade israelense e da sociedade árabe naquele período e também no relato da transformação da sociedade israelense, que na época da fundação do estado era eminentemente europeia, à medida que a imigração dos judeus dos países árabes se materializou no país.

Friedman sustenta que os judeus árabes reverteram os sonhos europeus dos fundadores do Estado, que informam ser possível construir a amizade entre os povos com base no racionalismo, e plantaram na sociedade israelense a consciência da mentalidade baseada em religião, honra e tribalismo da sociedade árabe. O historiador Bernard Lewis disse “usar terminologia ocidental com o objetivo de explicar os fenômenos políticos do mundo muçulmano é tão apropriado e esclarecedor como o relato de um jogo de rugby feito por um especialista em tênis”. Ao contrário dos europeus, os imigrantes judeus dos países árabes entendiam o jogo que estavam vendo. Entendiam que o incitamento à matança dos judeus não era apenas uma figura de retórica, principalmente quando vinha apresentada como uma obrigação religiosa.

Assim, lemos na página 147 uma análise publicada por um dos antigos espiões nos anos 1990 a respeito do processo de paz que havia arrebatado e enchido de otimismo vastos setores da sociedade israelense:

Temos que pensar muito [neste processo] e às vezes nos colocar no lugar deles. Eu não sou daqueles que quer a paz a qualquer preço, colocando em risco a nossa segurança. … Se 90% da população árabe quer viver conosco em paz, e trabalhar conosco, e criar suas famílias por trabalhar para os judeus ou com os judeus, ou de qualquer outra forma, basta que tenhamos os outros 10% atirando em alguém aqui e ali, matando uma pessoa aqui e duas ali, para que os ventos do mal soprem em ambos os lados. … O controle está na mão de extremistas, com quem não temos linguagem comum. Eles vivem num nível completamente diferente, e eu não digo isto em termos de moralidade. Eles leem a sua religião com letras completamente diferentes.

Comenta Friedman logo em seguida: Os judeus que vieram para Israel do mundo Islâmico trouxeram com eles uma profunda desconfiança deste mundo: uma avaliação da importância da religião, que os ocidentais frequentemente não entendem; e o conhecimento que nada de bom acontece aos fracos. Pouco tempo atrás, muitos israelenses consideravam esta visão como retrógrada, mas os eventos dos anos recentes, dentro e em torno de Israel, mudaram a forma de como o povo pensa. Nas palavras de Gamliel [o espião que faz a observação acima], é possível discernir a posição política majoritária dos israelenses de hoje.

Muito mais do que o relato heróico de uma das facetas da guerra de independência que Israel venceu a um custo imenso e contra toda e qualquer previsão realista – ela foi lutada não porque se avaliava que a chance de vitória era grande, mas porque não havia outra alternativa – o livro de Friedman informa sobre a grande perplexidade e a incompreensão dos que querem pautar o conflito israelense e palestino dentro dos parâmetros das sociedades ocidentais.

No momento da apresentação do mais novo plano de paz entre israelenses e palestinos, este pelo governo dos Estados Unidos, que se baseia em construir prosperidade para os palestinos e, através dela, encerrar o conflito, a leitura do pequeno livro (248 páginas) de Friedman é muito oportuna.

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