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Desmistificando o “Terrorista Pobre

Desmistificando “Terrorista Pobre o ”

Os jihadistas que cometeram o massacre de Páscoa no Sri Lanka eram membros da elite educada de seu país, um contexto mais próximo da norma do que da exceção. Este texto, ricamente documentado, retrata a mística da relação entre terror e desespero.

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Claude Berrebi e Owen Engel

Esse texto foi publicado originalmente em inglês pela revista Tablet (tabletmag.org) de 30 de abril de 2019. Foi traduzido por Devarim e está sendo publicado sob a gentil permissão da Tablet.

Os atentados no domingo de Páscoa, visando os fiéis cristãos no Sri Lanka, foi um dos ataques terroristas mais mortíferos da história moderna. O massacre, no qual cerca de 250 pessoas foram mortas, foi planejado e coordenado com sofisticação e foi rapidamente atribuído ao Estado Islâmico, um grupo que, qualquer que seja o papel que tenha desempenhado, é conhecido por possuir o conhecimento técnico e rede operacional necessários para realizar este tipo de ataque.

A maior surpresa para muitos foi a origem dos nove terroristas islâmicos, incluindo uma mulher, que realizaram os atentados suicidas. Longe da imagem comum de terroristas embrutecidos, levados a cometer atos desesperados por conta do desespero que abate suas vidas, os terroristas do Sri Lanka eram membros da elite de seu país. “A maioria dos terroristas é bem educada [e] provém de famílias economicamente bem estabelecidas. Alguns deles estudaram no exterior”, disse o ministro adjunto de Defesa do Sri Lanka, Ruwan Wijewardene, em entrevista coletiva 1 . Um dos supostos agressores estudou Direito na Austrália, enquanto outros dois, irmãos, são filhos de um homem de negócios rico e bem estabelecido.

Ao contrário dos mitos persistentes Pesquisadores demonstram mica do crime, apresentada pelo econoem torno do terrorismo, o pano de fundo dos atacantes do Sri Lanka está mais próximo da norma do que da exceção. Pesquisadores demonstram há anos que há anos que a maior parte dos atentados terroristas é cometido mista ganhador do Prêmio Nobel, Gary Becker 7 , e à teoria econômica tradicional do suicídio, apresentada pelos economistas Daniel Hamermesh e Neal Soss 8 . a maior parte dos atentados terroristas por indivíduos que são, Aparentemente, parece fazer sentido é cometido por indivíduos que são, em em média, mais ricos e que os mesmos indicadores de uma promédia, mais ricos e mais instruídos do que o nível mediano de suas respectivas sociedades. Mas, a partir de 11 de setemmais instruídos do que o nível mediano de suas pensão ao crime e ao suicídio, a saber, a falta de recursos ou educação, também sejam encontrados no tipo de pessoas probro de 2001, quando 19 terroristas isrespectivas sociedades. pensas a realizar um ato terrorista, que é lâmicos radicais da Al Qaeda sequestracriminoso e muitas vezes suicida. Para os ram quatro aviões e atacaram os Estados Unidos, um falpolíticos, o agrupamento dessas três questões – pobreza, so consenso, ligando o terrorismo a pobreza, ignorância educação precária e terrorismo – facilita a solução do proe desesperança, começou a se formar entre políticos e esblema. Se você reduzir a pobreza ou promover a educação, pecialistas americanos. Em 2002, o presidente George W. o terrorismo cairá. Mas a realidade não colabora com a Bush declarou que os EUA “luta contra a pobreza porconveniência política e a maioria dos pesquisadores e ecoque a esperança é a resposta ao terror” 2 . Seu secretário nomistas refuta a ideia de que o terrorismo depende da pode Estado, general Colin Powell, concordou: “O terrorisbreza e da ignorância. mo emerge de situações onde há pobreza, onde há ignoPara começar, vejamos a pesquisa feita sobre a relação rância.” 3 As percepções do governo Bush sobre as raízes entre condições microeconômicas, ou condições econômido terror foram rapidamente ecoadas por outros políticos cas no nível individual, e terrorismo. Desde 2001, vários americanos e por líderes em todo o mundo 4 . estudos (de algumas das principais mentes econômicas do

Quase duas décadas depois, os americanos ainda permundo, como o ex-presidente do Conselho de Assessores cebem o terrorismo como uma séria ameaça 5 , e os ataques Econômicos da Casa Branca de Obama, Alan Krueger) interroristas ocorrem quase diariamente: no Sri Lanka, no vestigaram a relação entre as condições econômicas indiviatual conflito israelo-palestino e em outras partes do sul duais e o terrorismo. Esses estudos coletaram dados sobre da Ásia e do chifre da África. Grandes operações terroristas as características dos principais grupos terroristas, como também foram realizadas por grupos jihadistas atuando no militantes do Hezbollah, terroristas muçulmanos que viOcidente, que atacaram França, Alemanha, Espanha, Esveram e operaram nos EUA entre 1993 e 2008, e os mártados Unidos, Reino Unido e Holanda, entre outros. Nos tires da Jihad Islâmica Palestina e da Autoridade Nacional anos entre 11 de setembro de 2001 e o ataque de abril no Palestina de 1987 a 2002. Sri Lanka, a maioria dos políticos moderou suas opiniões Nenhuma das análises estatísticas encontrou um víncusobre as raízes do terrorismo, mas ainda persiste a ideia de lo consistente entre o terrorismo e a pobreza no nível inque o fenômeno é baseado na pobreza e na ignorância. dividual. Na verdade, a conclusão foi exatamente oposta

Há pouco mais de um mês, foi revelado um discurso – os principais estudos empíricos abrangentes 9 geralmendo líder do Partido Trabalhista Britânico, Jeremy Corbyn 6 , te sugerem que os terroristas têm maior probabilidade de em que ele expressa simpatia pelos homens-bomba do Havir de melhores condições financeiras, pertencer a um grumas. No clipe, ele sugeriu que os jovens da Palestina se volpo socioeconômico mais elevado ou simplesmente estar tam para o terror por causa de “desesperança” e de falta de acima da linha da pobreza. Conclusão definitiva: Os efeiopções. À primeira vista, parece lógico interligar terroristos econômicos no nível individual não têm impacto somo e dificuldades. Não seria mais provável que pobres e bre o terrorismo 10 . desesperados, ou seja, os que têm menos a perder, se envolMuitos desses mesmos estudos também investigaram vam em atividades destrutivas? Essa linha de pensamento a relação entre educação e terrorismo. A visão convenciopode ser atribuída diretamente à tradicional teoria econônal previa que os terroristas teriam níveis mais baixos de

educação ou seriam ignorantes e, portanto, teriam menos alternativas de emprego do que seus pares mais instruídos. Aqui, os pesquisadores 11 novamente refutaram a conclusão convencional, descobrindo que, na média, o terrorista não apenas não é ignorante, mas, na verdade, tende a ter um nível de educação superior 12 à média de suas respectivas regiões.

Isto deveria ter afastado a ideia do terrorista pobre e arruinado levado a atos desesperados por seu desespero individual. Mas não foi o que aconteceu; ainda foram feitas considerações sobre o efeito das condições macroeconômicas no nível da sociedade. Talvez, ponderaram os pesquisadores, não foi a falta de educação ou a pobreza individual que motivou atos de terror, mas sim a maior pobreza na escala social que elevou os níveis de terrorismo.

A pesquisa acadêmica inicial parecia apoiar a sabedoria convencional de que pobreza e terror estavam fundamentalmente ligados. Descobertas preliminares 13 sobre recessões e expansões econômicas, de fato, concluíram que as contrações econômicas aumentam a probabilidade de atividades terroristas e que os locais de ataque são caracterizados pela baixa abertura econômica. Contudo, falhas graves nesses trabalhos foram logo expostas quando outros pesquisadores apontaram que esses estudos focavam nos locais que foram os alvos dos ataques e não nos lugares ou nações de origem dos perpetradores. Pesquisas mais recentes e refinadas, como o trabalho dos economistas Krueger e Laitin 14 , surgiram em resposta. Esses novos estudos sobre a relação macroeconômica-terrorista chegaram à conclusão oposta: o PIB per capita no país de origem do terrorista não parece afetar a frequência do terrorismo. De fato, os resultados dessas análises sugeriram que, quanto maior o PIB per capita da nação, maior sua propensão a produzir terroristas.

Uma olhada na história parece apoiar esses achados. De acordo com várias medidas de bem-estar econômico, o início do ano 2000 mostrou a economia dos territórios palestinos 15 em seu melhor estágio. Esse é o ano, no outono de 2000, após o fracasso da cúpula de Camp David, em que os palestinos iniciaram a campanha terrorista co

Flores colocadas em memória das vítimas do atentado terrorista no Teatro Bataclan em Paris, 2015.

nhecida hoje como a segunda intifada 16 . Para os políticos, o aqueles com níveis educacionais e finanO aumento maciço de ataques terroristas sangrentos, embora muitas vezes apresentado como evidência de quão abjetas eram as condições de vida dos paagrupamento de pobreza, educação precária e terrorismo facilita a ceiros mais elevados. Enquanto a teoria da triagem de Bueno de Mesquita ganhava força em alguns círculos, dois estudos-chave investigaram lestinos, na verdade começou numa éposolução do problema. Se a premissa geral de que a qualidade dos ca de força econômica para os palestivocê reduzir a pobreza terroristas está relacionada à sua riqueza, nos. No entanto, com o aumento da violência, a força econômica dos territórios palestinos pareceu diminuir 17 . Em 2005, ou promover educação, o terrorismo cairá. Mas a idade e educação. Em 2007, os pesquisadores Benmelech e Berrebi 19 descobriram que terroristas mais velhos, mais exapós a morte de mais de 1.000 israelenrealidade não colabora com perientes e mais altamente qualificados, ses e 3.000 civis e militantes palestinos, a conveniência política. ou seja, terroristas de maior qualidade, quando a violência da intifada começou tendem a matar mais indivíduos, a caua diminuir, a economia palestina estava sar mais danos e também têm maior proem uma das fases mais fracas da história recente. babilidade de escapar das autoridades. Para aprofundar

Duas conclusões principais podem ser extraídas das essa pesquisa e, possivelmente, desenhar as relações com evidências disponíveis: as condições econômicas e os nías condições econômicas no nível da sociedade, um estuveis de educação no nível individual não parecem afetar o do adicional enfocou a relação entre as condições econôterrorismo, e o PIB per capita no país de origem de um micas e as características dos terroristas. Benmelech, Berindivíduo não afeta a frequência do terrorismo. Em mearebi e Klor 20 descobriram que o agravamento das condidos dos anos 2000, a maioria dos especialistas e estudioções econômicas num trimestre (tal como o aumento do sos parecia ter abandonado a visão convencional das raízes desemprego) aumenta a probabilidade de que o terrorista do terrorismo. No entanto, logo surgiu uma nova teoria suicida do próximo trimestre seja melhor educado, mais sobre a ligação entre pobreza, educação e terrorismo, que velho e mais experiente. Esses estudos foram os primeitentou incorporar essa nova informação. ros a indicar que, embora o agravamento das condições

Em 2005, Ethan Bueno de Mesquita 18 , da Universieconômicas não aumente o número de ataques, este agradade de Chicago, produziu uma teoria focada na relavamento está potencialmente relacionado ao aumento da ção entre a oferta e a demanda de terroristas. De acoreficácia e sofisticação dos ataques terroristas suicidas. Esdo com Bueno de Mesquita, um grande grupo de indises resultados parecem apoiar a teoria de Bueno de Mesvíduos queria ser terrorista e “... se as organizações terquita de que grupos terroristas selecionariam candidatos roristas tiverem à disposição uma grande quantidade de de maior qualidade. voluntários ao terror suicida, eles serão capazes de escoNo entanto, as pesquisas mais recentes levantam allher terroristas suicidas mais qualificados”. Os grupos gumas novas questões sobre a abrangência do modelo de terroristas selecionariam os indivíduos de melhor nível Bueno de Mesquita. Em 2015, uma nova campanha tereconômico e/ou com os níveis mais altos de educação. rorista palestina entrou em erupção. Os ataques foram Esta premissa, de que os grupos terroristas podem escosubstancialmente diferentes do que as ondas anteriores de lher entre grandes quantidades de voluntários, parece vir violência palestina, pois os agressores normalmente traprincipalmente de evidências aleatórias. Bueno de Mesbalhavam sozinhos, em vez de dentro de um grupo terquita cita um membro sênior do Hamas dizendo que rorista maior. Por causa dessa característica individualis“o maior problema do grupo é a horda de jovens que ta, a campanha é muitas vezes referida como a intifada bate em nossas portas, clamando para serem enviados”. do “Lobo Solitário”. Em suma, há uma grande “oferta” de potenciais terroA violência diminuiu em 2017, e um estudo em anristas que querem lutar contra as injustiças percebidas, o damento por Berrebi e Weissbrod 21 está trabalhando para que permite que grupos terroristas examinem esses cananalisar as características dos indivíduos envolvidos. Até didatos e selecionem candidatos de maior qualidade, ou agora, o estudo descobriu que, embora haja, neste novo

tipo de terrorismo, muitos perpetradores Há muitas teorias alta de sua sociedade, um pano de fundo com nível de educação equivalente a ensino médio incompleto, também há muitos que são altamente educados e de origem afluente. No geral, tanto o número inexploradas que podem ajudar a explicar melhor as raízes do terrorismo, que não é excepcional no contexto mais amplo do terrorismo. À medida que o terrorismo evolui, devemos tratar essa questão como um imde terroristas que são profissionais altamas uma coisa é certa: pacto não apenas da pobreza, educação mente qualificados, universitários, e pesa visão convencional ou de organizações terroristas, mas tamsoas de famílias mais abastadas está bem acima da média. O que a pesquisa sugere é que, embora as organizações terrorisé simples demais. Os louvores de Corbyn bém de outros fatores. Esta atitude permitirá maior compreensão dos mecanismos do terror e, a partir daí, o desenvoltas possam eliminar os candidatos de mepara o nobre sofrimento vimento de soluções reais, que ultrapasnor qualidade, como afirmam Bueno de dos desesperançados sem a mera conveniência política. Mesquita e outros, outros fatores além do processo de seleção devem desempenhar um papel na formação da conexão entre educação superior, riqueza e terrorismo. terroristas do Hamas repousam tão somente num mito. Claude Berrebi é professor de Economia e Política Pública na Escola de Políticas Públicas da Hebrew University. Em 2019, é “Israel Institute

O que está claro agora é que quase toVisiting Professor at Princeton’s Woodrow Wil das as pesquisas atuais mostram que os terroristas tendem son School of Public and International Affairs”. a ser mais ricos e mais instruídos. Contudo, ainda precisamos testar novas teorias para descobrir o porquê. Se o moOwen Engel está cursando o segundo ano da Escola Woodrow delo de triagem de Bueno de Mesquita não explica tudo, Wilson de Políticas Públicas e Assuntos Internacionais na Univer uma teoria alternativa sugere que, caso o conteúdo educasidade de Princeton. cional seja radicalizante, quanto mais escolaridade alguém recebe numa determinada sociedade, mais provável é que Traduzido para o português por Raul Cesar Gottlieb. ele possa se envolver em atos terroristas. Outra teoria possível é que o terrorismo é uma forma moderna e mortal de protestos e revoltas políticas que, ao longo da história, foNotas 1 https://www.reuters.com/article/us-sri-lanka-blasts/picture-emerges-of-well-to-do -young-bombers-behind-sri-lankan-carnage-idUSKCN1S00G2 ram muitas vezes iniciadas pelas comunidades intelectuais. 2 https://www.un.org/ffd/statements/usaE.htm Uma terceira alternativa, pode ser que indivíduos de ori3 4 https://2001-2009.state.gov/secretary/former/powell/remarks/2002/8038.htm https://www.theguardian.com/world/2001/nov/13/september11.usa1 gens socioeconômicas inferiores não tenham o luxo de par5 https://www.theguardian.com/world/2001/nov/13/september11.usa1 ticipar da revolta, pois precisam se preocupar em alimentar suas famílias e a luta da vida cotidiana. 6 7 8 https://twitter.com/magnitsky/status/1098897534800543744 https://www.nber.org/chapters/c3625.pdf https://econpapers.repec.org/article/ucpjpolec/v_3a82_3ay_3a1974_3ai_3a1

Há muitas outras teorias inexploradas que podem aju_3ap_3a83-98.htm dar a explicar melhor as raízes do terrorismo, mas uma coi9 https://dataspace.princeton.edu/jspui/handle/88435/dsp01bk1289895 10http://www.nber.org/ens/feldstein/Krueger/1-s2.0-S0165176508002759-main. sa é certa: a visão convencional é simples demais. Polítipdf cos como Jeremy Corbyn precisam parar de tratar a ameaça terrorista como se fosse um problema unidimensional 11 https://www.aeaweb.org/articles?id=10.1257/jep.21.3.223 12https://claudeberrebi.huji.ac.il/sites/default/files/claudeberrebi/files/2007-berrebi -peps-terr-pov-edu.pdf que é solucionável com o aumento da riqueza individual 13https://scholarship.claremont.edu/cmc_fac_pub/189/ e da educação. Os louvores de Corbyn para o nobre sofri14http://harris.princeton.edu/faculty/krueger/terrorism4.pdf 15https://unctad.org/en/PublicationsLibrary/gdsapp2011d1_en.pdf mento dos desesperançados terroristas do Hamas repou16https://journals.lib.unb.ca/index.php/jcs/article/view/220/378 sam tão somente num mito. O massacre contra os cristãos no Sri Lanka não foi co17https://www.brookings.edu/on-the-record/west-bank-and-gaza-economy-before -and-after-the-crisis/ 18https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/j.1540-5907.2005.00139.x metido por voluntários desesperados oriundos dos miserá19https://www.jstor.org/stable/30033742?seq=1#page_scan_tab_contents veis da terra. Os terroristas que realizaram esse assassinato 20https://claudeberrebi.huji.ac.il/publications/economic-conditions-and-qualitysuicide-terrorism em massa eram bem-educados membros da classe média 21 https://www.inss.org.il/person/weissbrodmichal/

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