CORONAVÍRUS
O MUNDO ANÓMALO
Dez meses passaram desde que foi detetado o “caso 0” de Covid-19 em Wuhan. Oficialmente, a 17 de novembro de 2019, na China, a primeira e mais determinante cadeia de contágio propagar-se-ia por mais de duzentos países e territórios, contaminando cerca de 18 milhões de pessoas em todo o mundo. Na Europa, faz-se sentir o rescaldo de praticamente três meses de confinamento e de uma nova forma de vida, doravante dominada pelo medo e pela esperança de um tratamento eficaz e seguro. Meio milhão de pessoas perderam a vida em consequência de uma pandemia cujo vírus, as comunidades médicas e científicas correm contra o tempo para compreender. Segundo Fernando Nobre, Cirurgião-Geral e Urologista, Presidente da AMI, que nos relembra que a gripe sazonal mata todos os anos no mundo entre 600 mil a 1 milhão de pessoas, “tendo em conta a elevada capacidade de mutação do vírus, as formas diversificadas de sintomas e patologias que o mesmo apresenta e cuja origem ainda se discute, criar tratamentos que possibilitem a defesa do organismo perante esta doença e nos quais as populações possam confiar, não só na sua eficácia, mas também na ausência de efeitos secundários graves, constitui um enorme desafio. Espera-se, ainda, que não venham a colocar em causa as liberdades, garantias e democracias e que não obriguem a prescindir das mesmas em troca da dita maior segurança sanitária... A Declaração Universal dos Direitos Humanos está em perigo.” As consequências globais deste fenómeno pandémico foram, e estão a ser, catastróficas para as economias, os Estados e fundamentalmente para muitos cidadãos do mundo, que viram as suas vidas mudarem drasticamente do ponto de vista social, económico, da saúde, habitação, etc. Por outro lado, deparámo-nos com a extrema fragilidade da vida humana, que pode ser fustigada por um “inimigo invisível” que não olha a estratos sociais, nacionalidades, culturas, religiões ou etnias. O coronavírus afetou em larga escala, tanto países desenvolvidos, como é o caso dos Estados Unidos, como países em desenvolvimento (por exemplo, o 16 |
Brasil), mas com diferenças abismais de recursos médicos e institucionais. Agora, colocam-se questões determinantes: O novo coronavírus veio para ficar? Voltaremos a viver em Estado de Sítio? “Que futuro para as Democracias e para as nossas Liberdades e Garantias?” questiona ainda Fernando Nobre. Conseguirá a humanidade adaptar-se a esta nova forma de vida, firmada pelo medo? A Unicef alertou para outra faceta desta crise mundial, que é tão ameaçadora para o nosso futuro quanto a própria pandemia, a crise na educação. Mais de 9 milhões de crianças estão em risco de não voltar à escola, de acordo com a Save the Children. A uma geração de jovens poderá não lhe ser garantido o acesso à educação e à alimentação. A sociedade, tal como a conhecemos, está a tomar um rumo que não conseguimos predeterminar. A incerteza impera. Até nas coisas simples. As dinâmicas relacionais entre pessoas estão agora pautadas pelo distanciamento e isolamento, aspetos antagónicos àquilo que caracteriza o ser humano na sua génese, um ser social. Por outro lado, as questões humanitárias globais para promoção da igualdade, prosperidade e dignidade tornaram-se mais prementes. Se era importante garantir que toda a população mundial tivesse acesso a água potável, a saúde e habitação, agora parece ter deixado de ser prioridade. Para além de que, com o medo instalado, problemáticas tão urgentes como as Alterações Climáticas, as Migrações e os ODS ficaram para segundo plano. A paisagem atual não pode permitir que a segurança de alguns seja posta de lado por escassez de recursos económicos. Assim, urge abrir o diálogo global e fazer desta pandemia uma oportunidade para a mudança, para a igualdade e equidade da população mundial.