AMI Notícias nº 90

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AGORA TAMBÉM EM FORMATO DIGITAL N.º 90 Distribuição Gratuita 3.º trimestre de 2023 notícias FÁTIMA LOPES Entrevista UM NOVO HOSPITAL Bangladesh Serenidade Emocional O SONHO DO BEM-ESTAR

O sonho do bem-estar Espaço +Comunidade Uma casa com lugar para todas as histórias

Entrevista, Fátima Lopes

“Todas as bolsas são preciosas quando a universidade é a chave mestra”

“Construir um hospital no Bangladesh é a bandeira para um futuro mais justo e feliz”

AMI Convida – Clara Moura, professora

ERRATA EDIÇÃO N.º 89 AMINOTÍCIAS

Por lapso de redação, a edição n.º 89 da AMINotícias não incluiu a versão final da entrevista realizada aos fundadores da revista digital Divergente, com o título “O salário mínimo é pouco para um jornalista que trabalha 10 a 12 horas por dia”.

A versão atualizada deste conteúdo está disponível para consulta desde 3 de abril de 2022, em https://ami.org.pt/blog/ o-salario-minimo-e-pouco-para-umjornalista-que-trabalha-10-a-12-horaspor-dia/.

Ficha Técnica

Este número da AMINotícias foi editado com o especial apoio da T RUST IN NEWS detentora dos títulos Visão e Visão Júnior (encarte), COMPANHIA DAS CORES LIDERGRAF e CTT - Correios de Portugal. Autorizada a reprodução de textos desde que citada a fonte.

Periodicidade Trimestral

Diretor Fernando Nobre Diretora Adjunta Luísa Nemésio Subdiretora Ana Luísa Ferreira

Editora Ana Martins Ventura Redação Ana Martins Ventura

Colunistas Isabel Fernandes, Catarina Neves, Fernando Nobre, Clara Moura

Branded Content Isabel Pinheiro, Sandra Leite Coordenador de Fotografia José Ferreira

Fotografia José Ferreira, Timothy Lima, Direitos Reservados

Grafismo Alexandre Fernandes Redes Sociais José Guimarães

Paginação Companhia das Cores - Ana Gil, Lúcia Antunes

Impressão LIDERGRAF - Artes Gráficas SA, Rua do Galhano, 15, 4480-089 Vila do Conde, Portugal

Editora, Redação e Administração AMI - Fundação de Assistência Médica Internacional, Rua José do Patrocínio 49, Marvila, 1959-003 Lisboa

• T. 218 362 100

• E-mail: aminoticias@ami.org.pt

Tiragem média 38.500 exemplares Distribuição Visão, Visão Júnior, AMI

Registo ERC 127913 Depósito Legal DL378104/14

Foto © José Ferreira / AMI 04 |
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Breves Agenda Voluntariado 08 | 10 | 16 | 18 | 19 | 22 | 23 |

FELIZ… AINDA É POSSÍVEL?”

Nestes “novos” tempos com que se confronta a Humanidade nos últimos anos, e ipso facto Portugal também, a pergunta deste meu editorial é, quanto a mim, mais que pertinente.

Será que podemos ser felizes quando assistimos ao galopar da pobreza, da fome e das guerras fratricidas, com o prenúncio talvez de um conflito atómico global, exceção claro para os 0,01% mais ricos do Planeta encerrados nas suas torres de marfim, na Indiferença e ausência total de Empatia e Amor para com o seu próximo?

Numa época em que, transversalmente a todas as gerações, a incerteza e o temor do futuro assustam 90% da população global… ainda é ou será possível sermos Felizes?

Sim, ainda é possível. Para tal, sendo a Felicidade um verdadeiro caleidoscópio ou um prisma multifacetado, é fundamental lutar para que a disrupção e segregação cessem a todos os níveis, começando pela família e alargando-se às Nações, Regiões, Continentes e à Nossa Humanidade como um todo!

A família é o pilar mestre de toda a Humanidade! Ruindo a família, desagrega-se TUDO!

É fundamental, e indeclinável, que voltemos rapidamente aos ensinamentos básicos:

1 Não matarás.

2. A minha Liberdade acaba onde começa a do outro, seja na família, no mundo laboral ou na sociedade humana como um todo.

3. A tolerância implica o Respeito e a Reciprocidade mútuos.

4. A Ganância desenfreada e a Indiferença assassinas têm de ser cerceadas pelos Estados onde deve e deverá sempre imperar a Força da Lei e não a Lei da Força como se tem vindo a observar Se não estancarmos rapidamente as causas que estão na origem da desagregação da Família, da sociedade e dos Estados, nomeadamente nas suas componentes sociais, económicas e laborais, saúde, ensino e justiça, não será possível reverter a tendência nefasta atualmente em curso.

Sim, é possível sermos Felizes! Haja Empatia, Compaixão e Amor, a começar dentro das famílias, e sejam eliminados, em todos nós, os sentimentos de raiva, de ressentimento e de exclusão do outro só possíveis se, no mínimo, os 4 pressupostos acima referidos forem interiorizados, assumidos e praticados!

Assim, sim: “haverá possibilidade” de sermos Felizes e vivenciarmos o Bem-Estar!

SUMÁRIO + EDITORIAL | 03
Fernando de La Vieter Nobre Presidente e Fundador da AMI © Gabriela Nemésio Nobre
“SER

OSONHO DO BEM-ESTAR

Alcançar o bem-estar emocional para conquistar novos patamares na vida afetiva, familiar ou profissional transforma-se num desafio de décadas, quando a injustiça social é o sentimento dominante e parece intransponível.

Paula Rodrigues conhece cada recanto e rosto do Centro Porta Amiga de Chelas da AMI, desde que, encontrou na casa o apoio alimentar e a ajuda para despesas de habitação, depois de ficar desempregada e deixar de conseguir garantir por si o sustento da sua família. À morte do filho, em 2013, seguiu-se a pior época da sua vida e a “estratégia” para sobreviver ao luto passa pelo apoio psicológico, sem o qual é impossível estar saudável. As consultas de psicologia tornaram-se “outro bem essencial”, num longo percurso para o bem-estar pleno.

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Paula Rodrigues acredita que um dia conseguirá ultrapassar o luto pela perda do filho Texto Ana Martins Ventura / AMI Fotografia José Ferreira / AMI

Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), o Índice Glo bal de Bem-Estar da população portuguesa é de 45,7%. Subiu mais de 20 pontos percentuais em cerca de duas décadas mas, não o suficiente para que os portugueses tenham um estilo de vida positivo ou sintam que vivem bem. Dentro deste índice, as relações sociais, o bem-estar subjetivo e económico representam percentagens abaixo dos 50%.

Com especialização em Psicoterapia Sistémica e Familiar, Marta Almeida considera que “o segredo para garantir o bem-estar de pessoas como Paula Rodrigues é escutar o que o paciente quer, a sua história, e anseios”. A partir da interligação desses sentimentos começa o trabalho em torno da identificação do bem-estar e do que é necessário fazer para o alcançar.

“O bem-estar e até mesmo a felicidade, apesar desta ser um conceito mais dependente das experiências emocionais de cada um, são associados ao luxo, apenas ao alcance de alguns, dependentes de uma positividade que se vende de forma exacerbada, tornando-a tóxica”, afirma a psicóloga.

Para Marta Almeida, é fundamental mostrar a cada paciente e beneficiário acompanhado no Centro Porta Amiga de Chelas que “existem sempre momentos de vida

positivos a ser vividos”. Eles representam a esperança, possibilidades, um futuro. Mas também “é importante preparar as pessoas para sobreviverem a momentos mais difíceis”, sendo esse o objetivo da saúde mental”.

Quando o sentimento de perda fica ainda mais forte e começa a reviver o luto, Paula Rodrigues encontra nas consultas de psicologia do Centro Porta Amiga de Chelas “o apoio, a conversa necessária para regressar a casa mais tranquila e com forças renovadas”. Apoio incondicional esse que a ajudou a “construir uma nova vida”, na qual caminha como considera que o filho gostaria que vivesse, “com coragem e dedicada aos netos”.

Antes, passou por uma experiência de terapia de grupo, através do Serviço Nacional de Saúde, com a qual não se identificava. A terapia em grupo fazia Paula sentir que “estava a invadir a privacidade das histórias das outras pessoas” e ela mesma “não estava preparada para partilhar a dor” que sentia pela perda recente do filho. “O meu filho nasceu com problemas cardíacos e tinha apenas dezoito anos quando faleceu” recorda, alegando que “mais do que a doença, o que o matou foi a negligência médica durante um procedimento cirúrgico que deveria ter sido feito a outra pessoa”.

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A psicóloga Marta Almeida é contra a positividade irreal. Defende a felicidade alcançada com o equilíbrio de momentos bons e momentos de perda

Um dia antes de entrar em coma, o filho de Paula foi internado para fazer uma ressonância magnética de rotina. Quando a mãe chegou ao hospital tinha sido levado não para fazer o exame, mas para o bloco operatório. Depois da cirurgia, que não estava programada e que Paula alega ter sido feita por engano, o jovem foi levado para os cuidados intensivos e “nunca mais despertou do que os médicos diziam ser ‘a anestesia ainda a fazer efeito’, quando, afinal, estava ligado ao suporte artificial de vida em morte cerebral”.

Durante anos, Paula sentiu que seria impossível voltar a encontrar uma forma de sentir emoções positivas e dar um sentido à vida. “Não há fórmula para ser feliz, um dia acontece, por momentos, e até acertar com o acompanhamento psicológico certo para ganhar ferramentas e ver outro lado da vida. Tentei desistir muitas vezes”, confessa.

Carolina Diogo, assistente social, une o bem-estar social e o bem-estar psicológico para mudar vidas

Quando conheceu Paula, a psicóloga Marta Almeida respeitou o seu espaço. “Se a paciente não estava confortável com alguma situação ou não queria falar sobre algo, devia aceitar, porque em situações tão delicadas como o luto de um filho, a confrontação não é a solução, mas antes a compreensão e a empatia”. O passo seguinte centrou-se em identificar o que constituiria o seu bem-estar, “sinalizando fatores familiares, profissionais e sociais, onde podem ser incluídas linhas tão diversas como a participação ativa na vida social da comunidade em que vive ou os impactos de uma pandemia; de uma guerra”.

TRANSFORMAR A VIDA, UM ATO HERÓICO Situações

de vida como a de Paula Rodrigues envolvem um forte sentimento de injustiça para com a vida e uma grande perda de autoestima. É nesses sentimentos que as

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Carolina Diogo, assistente social
“Ultrapassar o que nos empurra para baixo, não raras vezes, representa um ato heróico.”

O ranking perdido da felicidade portuguesa

O Relatório Anual da Felicidade Mundial indica que os portugueses estão cada vez mais infelizes tendo a sua felicidade caído do 34.º lugar, no ranking de 2019, para o 56.º, atualmente.

Em 2022, a Universidade Católica Portuguesa já havia realizado um estudo empreendido pelo Observatório da Sociedade Portuguesa, sobre a felicidade nacional, no âmbito do qual inquiriu 1.001 portugueses e denotou o seu pessimismo crescente.

Através deste estudo, o Observatório da Sociedade Portuguesa tem monitorizado as perceções sobre a vida no país, nomeadamente o sentimento de bem-estar da população, a avaliação da qualidade de vida, o nível de felicidade e a perceção sobre a saúde e segurança.

A maioria dos participantes considera ter uma qualidade de vida de razoável a muito boa (33,2% afirmam ser razoável, 52,0% boa e 5,9% muito boa). Os resultados podem parecer positivos, mas, quando comparados com resultados obti-

dos em 2021, os valores são preocupantes. Há uma diminuição em todos os itens que compõem o Índice de Qualidade de Vida, que, em 2022, teve uma variação negativa de 1,6%. As descidas mais acentuadas correspondem aos pontos relacionados com a saúde (“Até que ponto está satisfeito(a) com a sua saúde?”), que teve uma redução de 3,6%, e à qualidade de vida (“Como avalia a sua qualidade de vida?”), que caiu 2,6%.

Em relação à satisfação com a vida, apesar de a maioria dos participantes relatarem que se sentem satisfeitos (69,2%) ou muito satisfeitos (8,3%) com a sua vida em geral, quando comparamos com os resultados obtidos em 2021, existe uma diminuição generalizada. A questão “Se pudesse viver a minha vida de novo, não alteraria praticamente nada” registou o valor mais baixo desde 2016, ano em que este indicador começou a ser medido pelo Observatório da Sociedade Portuguesa. E a Medida Absoluta da Satisfação com a Vida apresenta uma variação negativa de 1,9%.

ferramentas dadas pela psicoterapia vão fazer a diferença, para “ultrapassar o que nos empurra para baixo. Não raras vezes representa um ato heróico”, afirma a assistente social Carolina Diogo.

Para alcançar esse propósito junto dos beneficiários do Centro Porta Amiga de Chelas, a assistente social aposta numa abordagem onde é possível “cruzar o bem-estar

social com o bem-estar físico e psicológico, através do acesso a uma alimentação adequada, a condições de higiene e de saúde, acesso ao trabalho e transformação dos relacionamentos interpessoais, tanto a nível familiar, como na amizade”.

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UMA CASA COM LUGAR PARA TODAS AS HISTÓRIAS

Cruzam a soleira da porta do espaço +Comunidade com as suas histórias de vida aos ombros, não raras vezes questionando-se sobre a solidão. No momento em que o primeiro sorriso aflora, espalha-se por todos os rostos ao redor da mesa de trabalho. E naquela távola redonda, onde todos têm voz e tudo é possível, o passado e os medos do futuro ficam por momentos esquecidos.

Todos os dias, as tardes renovam-se com momentos de partilha, amizade e convívio no espaço +Comunidade da AMI, situado no Bairro Portugal Novo, nas Olaias. Abriu portas em 2016, com o plano de assim se manter por um ano e com o financiamento da Câmara Municipal de Lisboa, ao abrigo do Programa BIP/ZIP. Passaram sete anos e, hoje, é ponto de encontro para Helena, Rui, Luís, Salete, Florinda, Ernesto, Cristina e Aurora. Um lugar onde o grupo reaviva memórias e constrói novos laços, para atenuar a saudade e a solidão da viuvez, da distância de filhos e netos ou da reforma, depois de uma vida de trabalho. Entre pinturas, formações, aulas temáticas ou num simples jogo de bingo, a animadora sociocultural Inês Neves recebe com familiaridade, um por um, os quinze seniores com idades entre os 64 e os 93 anos. Conhece as suas histórias, os seus medos e anseios. Distingue os dias bons, quando a felicidade irrompe porta adentro do +Comunidade desde o início das mais simples atividades. E há os

dias menos bons, sentidos logo na primeira troca de olhares, porque “não é sempre que se conseguem dias salpicados de momentos felizes”. Mas mesmo nos dias mais cinzentos, Inês Neves tem a certeza de que “no +Comunidade é sempre possível encontrar algo bom no reconforto e bem-estar partilhado”.

Chegam e vão-se sentando ao redor da grande mesa, onde formam as suas assembleias de igualdade. Naquela távola redonda, Cristina Machado reconhece um “lugar de união e convívio” com quem mais gosta. Para Maria Vieira é “partilha”. Luís Alves foi dos primeiros a chegar ao +Comunidade em 2016, entrou como colaborador da AMI. Hoje, reformado, continua a encontrar ali “uma segunda casa, onde se experimenta a alegria, o prazer de jogar bingo entre amigos, juventude”. Para Salete Graça é sempre “lugar de alegria”.

Marta Guarda, responsável pelo projeto +Comunidade, recorda que “com a transformação da população do

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Fotografias © José Ferreira/AMI

bairro Portugal Novo, cada vez mais envelhecida e a viver em casas que nunca tiveram reabilitação, foi necessário alargar a ação da AMI para além do apoio à população em situação sem-abrigo.

No Centro Porta Amiga das Olaias, surgiu assim a ideia de criar “um espaço de bem-estar para os seniores”.

Ao longo de sete anos, o +Comunidade ganhou reconhecimento em Lisboa, como lugar onde tudo é possível e acabou por ser escolhido pela escritora Elsa Serra e pela artista plástica Sofia Freire d’Andrade, como uma das muitas casas do projeto “A minha vida tem histórias”.

Sofia D’Andrade recorda os primeiros passos do projeto “A minha vida tem histórias”, inspirado nas aulas de artes plásticas que leciona a idosos em várias juntas de freguesia de Lisboa. “Aulas que deram origem ao projeto “Atelier Criativo” onde cada um escolhe, de acordo com a sua história e gosto pessoal, aquilo que quer fazer”, conta Sofia Freire D’Andrade. A esta ideia juntou-se a inspiração da escritora Elsa Serra, com o projeto “Ler Doce Ler”.

A partir deste encontro de artes nasceu a ideia de, em dupla, conseguirem “trabalhar memórias de forma positiva”. Depois das artes plásticas veio um livro e, recentemente, a loja online onde podem ser adquiridas as obras criadas através do projeto “A minha vida tem histórias” no +Comunidade, na Voz do Operário, Irmãs Oblatas e no Centro de Alojamento de Emergência Social.

Até janeiro de 2024 decorre no espaço +Comunidade o projeto “+Activ@s” destinado a um grupo de dezoito seniores, com mais de 65 anos. Através de um investimento de 15.253,00€, dos quais 75% são financiados pelo BPI e Fundação “La Caixa”, são realizados encontros socioculturais, rastreios de saúde, sessões de informação, ações de formação e ateliers de exercício físico.

O objetivo passa por promover o relacionamento interpessoal; hábitos de vida saudável e literacia em saúde; assim como aumentar competências cognitivas, com metas bem definidas, concretizáveis através de parcerias estabelecidas com a Junta de Freguesia do Areeiro, Gebalis, Secretariado Diocesano de Lisboa da Obra Nacional Pastoral dos Ciganos, Associação de Moradores do Bairro Portugal Novo Olaias – Paz, Amizade e Cores (AMPAC) e Associação VOX.

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Inês Neves, animadora sociocultural
“Mesmo nos dias mais cinzentos, no +Comunidade conseguimos encontrar algo bom no reconforto e bem-estar partilhado.”
Ser “+Activ@s” com BPI Sénior e Fundação La Caixa
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“FOMOS CRIADOS PARA RECONHECER A DOR E NÃO A FELICIDADE”
Fotografias © José Ferreira / AMI Fátima Lopes, apresentadora

De visita ao espaço +Comunidade da AMI, nas Olaias, a apresentadora Fátima Lopes deixa-se encantar pelo lugar onde a comunidade sénior do bairro Portugal Novo concretiza sonhos. Ali todos podem ser artistas, criar, reinventar-se e partilhar, “um dos segredos para conseguirem plantar felicidade e bem-estar nas suas vidas”.

Na sua plataforma digital Simply Flow, Fátima Lopes escreve muitas vezes sobre o conceito de “felicidade” e não gosta de ler e ouvir que existe “uma felicidade absoluta, que dura para sempre”. Ser feliz passa por um vasto conjunto de fatores”, entre eles “a alimentação completa e saudável, ter uma casa, um sono de qualidade, até fazer exercício físico”, defende.

No mundo digital anuncia-se felicidade absoluta através do treino certo. É possível?

Não há felicidade eterna. Há momentos de felicidade, de bem-estar. O que temos que fazer é lutar para que os momentos de felicidade e bem-estar sejam cada vez mais e para que tenhamos a capacidade e as ferramentas para desfrutar desses momentos, quando eles acontecem. Porque, às vezes, estamos a viver momentos de felicidade e bem-estar e não sabemos identificá-los.

Não gosto de ler e ouvir as pessoas que trabalham na área de coach criarem a ideia de que existe uma felicidade plena, total e absoluta para sempre. Existe, sim, nos filmes da Disney: “foram felizes para sempre”. Mas, a vida real é muito diferente.

Formalizamos, complicamos a felicidade?

Complicamos tudo e criamos uma ideia pouco real do que é a felicidade. Atiramo-nos para a estratosfera e, portanto, não temos uma noção real do que é a felicidade, que acabamos por colocar num pata -

mar inalcançável. Por isso, quando estamos a viver momentos de felicidade, muitas vezes não temos consciência deles e não os desfrutamos. Se começarmos a analisar todos os momentos da nossa vida e a pensar “tive aquele momento com os meus colegas, gostei de lá estar, foi maravilhoso”, então encontramos tudo o que deve ser a felicidade e nem sabíamos que estávamos a sentir. Fomos educados para reconhecer a dor e não a felicidade. Precisamos ensinar o contrário.

Quando nos programas que faço as pessoas dizem “não tenho nada de bom na minha vida” ou “a minha vida foi sempre péssima”, pergunto: “tem filhos?”. Então os seus olhos abrem-se. Iluminam-se de emoção. Depois pergunto: “os seus filhos como são?”. É quando respondem: “são excelentes filhos”. Nesse momento desafio-as: “então não tem nada de bom na vida?”. E digo, corrija a frase “não tenho nada de bom na vida” para “algumas coisas na vida não correram como gostaria”.

Como podemos desconstruir estes pensamentos?

Aprende-se. Não fui sempre assim. Tinha 27 anos quando fiz a primeira formação sobre “Desenvolvimento Pessoal”.

Era um objetivo meu, mas o“chip” que recebi provavelmente é igual ao “chip” que grande parte das pessoas recebeu. O “chip” do “complicómetro”.

Se eu tiver consciência que esse “chip” só traz tristeza e infelicidade, então

vou perguntar: “Existe o contrário? Existe. Pode-se aprender? Sim. Então quero aprender”.

Precisamos de ter a capacidade de olhar para a nossa vida e entender que há situações graves que merecem toda a nossa energia, tempo e preocupação e outras que não têm nada de especial, nós é que fazemos delas algo muito grande.

Claro que muitas pessoas não têm possibilidades de aceder a formações de desenvolvimento pessoal, nem mesmo a apoio ao nível da saúde mental que as possa ajudar a fortalecer-se. Infelizmente, existe pouco disso com valores acessíveis e quando há, até mesmo gratuito, tem recursos humanos muito limitados para levar a terapia a uma população alargada.

Se o apoio psicológico ainda não é algo acessível para toda a população, como alcançamos uma boa saúde mental nesta busca pela felicidade?

A nossa saúde mental é um mundo, muito mais do que consultas de psicologia e fármacos receitados pela psiquiatria. São muitas coisas interligadas que, muitas vezes, ainda não vemos dessa forma. Precisamos cuidar bem de nós. Se não fizermos uma alimentação saudável, há implicações na saúde mental. Se não praticarmos exercício físico há efeitos negativos na saúde mental. Se não tivermos sono de qualidade, se vivermos rodeados de relações tóxicas, se não soubermos gerir o tempo

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profissional e familiar. Tudo isso tem implicações no nosso equilíbrio e saúde mental.

A saúde mental não é apenas uma coisa. É preciso que o Serviço Nacional de Saúde e a Segurança Social estejam preparados para responder a um conjunto de fatores.

Se não cuidarmos dessas vertentes, se não tivermos possibilidades financeiras, sociais, para cuidar delas, mais cedo ou mais tarde, vamos ter um alerta.

Depois, tomar um comprimido e sentarmo-nos de braços cruzados à espera de um milagre não é solução. No dia em que fizermos o desmame da medicação, a realidade vai estar lá toda. Porquê? Porque não mudámos comportamentos. Mas, por questões financeiras, infelizmente, muitas pessoas, com baixos salários, não têm como contornar o recurso único à farmacologia, sem acesso rápido e gratuito a psicoterapia. É aí que deve começar a intervenção social profunda.

E quando a felicidade não é só uma questão de saúde, mas, cultural? Os portugueses estão predispostos a ser felizes?

Segundo estudos, somos dos países mais infelizes. Efetivamente somos um povo que enfrenta muitas dificulda -

des, económicas, sociais. Mas pergunto: quantos povos no mundo não vivem muito abaixo daquilo que temos e conseguem ter uma postura muito mais positiva? A questão é que o “drive” [na nossa cabeça] é sempre o “copo meio vazio”. Tivemos anos de crise profunda com a intervenção da Troika. Foi terrível, imensas famílias a dependerem de apoio alimentar. Mas, depois, isso passou, entrámos numa fase melhor da economia, as pessoas recuperaram o trabalho, as carreiras, o poder de compra, começaram a conseguir pagar as suas contas, desde o básico ao que pode ser considerado extra. No entanto, se fôssemos perguntar como se sentiam, o discurso dos portugueses seria o mesmo. Portanto, isto é que tem de mudar: a perspetiva. Está um dia de sol incrível, a vida em casa está organizada. Perguntamos: “como é que está?”. A resposta é: “vai-se andando”.

Vai-se andando para onde? Isso não é nada. Se estamos bem, devemos dizer que estamos bem. Ninguém nos vai jogar pioneses no chão para cairmos, só porque dissemos que estamos bem.

Temos preconceito de admitir que estamos felizes?

Não é preconceito, é medo.

Porquê medo?

Nós, portugueses, ainda temos medo da felicidade porque vivemos muito agarrados à vida dos outros e pouco agarrados à nossa.

Achamos que se dissermos que somos felizes alguém vai fazer alguma coisa para estragar tudo. Por isso, à cautela, dizemos sempre que não somos muito felizes, mas, cá dentro, se calhar, até estamos a rejubilar de felicidade.

Houve algum momento na sua carreira em que pensou “estou na minha felicidade mais plena”?

Muitos. Neste momento, com as reportagens do programa Caixa Mágica tenho presentes de Deus

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Fátima Lopes
“A nossa saúde mental é um mundo, muito mais do que consultas de psicologia e fármacos receitados pela psiquiatria.”

todas as semanas. Vivo a alegria de estar com pessoas diferentes em diferentes lugares, de ver as pessoas darem-se à reportagem em frente a câmaras de televisão, onde nem sempre se sentem confortáveis e vêem em mim uma pessoa de confiança para partilharem a sua vida. Isso para mim é felicidade.

Sempre sonhou fazer o que faz hoje?

Nunca pensei trabalhar com televisão. Dentro do meu curso gostava

muito da área de marketing e publicidade. Foi o Emídio Rangel que me descobriu e fui parar à televisão por acaso. Se é que há acasos, o que eu não acredito. Acho que o Universo é muito sábio e sabia que esta miúda adorava televisão, mas não dava esse passo porque achava que não tinha cara para isso. Hoje vejo-me como uma apresentadora sénior. Em 2024 faço 30 anos de carreira e tenho muito orgulho em dizer que sou apresentadora sénior.

Gosto de conhecer pessoas novas e gosto de as ajudar a brilhar nos programas que faço. Essa é a minha missão. É fazer com que qualquer pessoa que passe pelos meu programas, seja nas reportagens, seja no estúdio, possa brilhar. Pode não ter muito jeito para falar, pode ter vergonha, mas, naquele momento, o meu trabalho é ajudá-la a brilhar.

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No espaço +Comunidade da AMI a apresentadora Fátima Lopes destaca o projeto "A minha vida tem histórias", desenvolvido por Elsa Serra e Sofia Freire D'Andrade

A frequentar o doutoramento, Mariana Gomes vai integrar uma investigação sobre a população imigrante fixada no Litoral Alentejano

Depois da licenciatura, Noemi Oliveira fez uma pós-graduação em Ambiente e Sustentabilidade. O mestrado é o próximo objetivo académico

“TODAS AS BOLSAS SÃO PRECIOSAS QUANDO A UNIVERSIDADE É A CHAVE MESTRA”

Com inscrições abertas até 31 de outubro para a sua 9.ª edição, o Fundo Universitário AMI continua a contribuir para que dezenas de estudantes frequentem licenciaturas e mestrados. Noemi Oliveira e Catarina Gomes provam que, em qualquer momento da vida, é possível ingressar na universidade. Basta ter o apoio necessário.

A biologia e a psicologia são paixões das quais não desistiram até as transformarem em profissão. Acompanhada pelo marido, também estudante, e de um filho, Noemi Oliveira veio da Ilha do Fogo, em Cabo Verde, para realizar a Licenciatura em Biologia da Universidade de Évora.

Também com destino à Universidade de Évora, Mariana Gomes partiu do Funchal para fazer uma licenciatura em Psicologia. Na bagagem trazia apenas o suficiente para fazer face às despesas dos primeiros meses. Depois de anos de espera até ingressar no ensino superior, Noemi Oliveira afirma que, “desde a Ação Social ao Fundo Universitário AMI, todas as bolsas são preciosas quando a universidade é a chave mestra para abrir as portas que surgirão pela frente”.

Em 2020, com 24 anos, Noemi Oliveira pensava que o sonho de estudar biologia seria sempre apenas isso, um sonho. “As pessoas diziam que a universidade era para pessoas mais jovens, solteiras e sem filhos”. Mas, ”precisamente por ter um filho”, Noemi não abria mão de um dia fazer uma licenciatura.

Adão Lopes, irmão mais velho de Noemi e Raquiel Lopes, a irmã mais nova, estavam a meio dos seus percursos

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académicos na área da Engenharia Informática, na Universidade de Évora, e não permitiram que Noemi guardasse o seu sonho num lugar inacessível. Apoiaram a irmã até conseguir entrar na Licenciatura em Biologia da Universidade de Évora, que viria a tornar-se uma escola-casa para toda a família Lopes.

“Os primeiros meses foram difíceis. Ainda só tínhamos a bolsa da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa] no valor de 600,00 euros, mas as propinas tinham um valor anual de 1.250,00 euros e preocupava-nos como iríamos conseguir pagar tudo”, recorda Noemi. Além desta despesa tinham uma renda de casa no valor de 500,00 porque, sendo um casal com um filho, não podiam ficar na residência académica.

Ao mesmo tempo, o marido de Noemi, já licenciado em Línguas, Literaturas e Culturas (Estudos Ingleses) pela Universidade de Cabo Verde, iniciava, também na Universidade de Évora, um processo de equivalência para lecionar em Portugal. Um plano que teve de abandonar, durante algum tempo, para trabalhar noutra área e “suprir as despesas da família”.

Começavam a pensar em regressar a Cabo Verde, quando o Fundo Universitário AMI surgiu como solução. O irmão e a irmã de Noemi tinham beneficiado deste recurso e a jovem decidiu candidatar-se.

Quatro anos depois, quando olha para a grande aventura em que toda a família embarcou, com licenciaturas, mestrados e doutoramentos entrelaçados, Noemi pensa que “quando andava a trilhar isso tudo, parecia que nunca mais acabava, mas valeu a pena e nunca devemos desistir. Por mais difícil que seja o percurso, um dia vencemos”.

Em 2022, começou a dar aulas de Biologia em Arraiolos e espera colocação para o ano letivo 2023/2024. O marido dá aulas de Inglês em Castro Verde, o irmão mais velho é professor de Engenharia Informática em Évora e a irmã que estudou na mesma área é programadora numa empresa espanhola. Em breve a família terá uma historiadora. Outra irmã de Noemi, com 32 anos, foi colocada na Licenciatura em História e Arqueologia da Universidade de Évora, porque “nunca é tarde para concretizar um sonho”.

“A BOLSA DA AMI PERMITIU-ME SER INVESTIGADORA”

Mariana Gomes também escolheu a Universidade de Évora para iniciar o seu percurso académico. Partiu do Funchal em 2016, para frequentar a Licenciatura em Psicologia, com o dinheiro contado para as despesas dos primeiros meses, antes da bolsa de estudo da Ação Social ser atribuída. “Uma poupança conseguida a fazer e vender tartes de nata”, conta.

A psicologia, enquanto ferramenta para compreender e ajudar os outros, sempre despertou o interesse de Mariana Gomes que pensava estudar a área “quando surgisse a oportunidade”. Os anos de licenciatura foram difíceis, com bolsa de estudo para propinas, mas, sem apoio extra para despesas com habitação, alimentação ou materiais de estudo. Quando, em 2019, decidiu prosseguir o plano de estudos para o Mestrado em Psicologia Social e das Organizações no Instituto Universitário de Lisboa – ISCTE questionou-se sobre “como conseguiria suportar despesas ainda mais elevadas em Lisboa”. Durante a elaboração de um projeto para o mestrado, Mariana Gomes ficou a conhecer o trabalho desenvolvido pela AMI na área da saúde mental e, explorando projetos que a AMI desenvolve na área da educação, ficou a conhecer o Fundo Universitário.

A bolsa do Fundo Universitário permitiu a Mariana Gomes explorar o que assume como “uma paixão”: fazer investigação sobre psicologia e educação. Atualmente, com 27 anos, está a frequentar o doutoramento na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, na área da educação. Um percurso, mais do que académico, profissional. Para Mariana, “a descoberta vocacional como investigadora só foi possível porque o Fundo Universitário AMI permitiu ter todo o valor necessário para propinas e assim ficar com tempo os primeiros passos como investigadora, sem a preocupação de manter um trabalho em part-time”. A jovem investigadora defende mesmo que “deveriam ser desenvolvidas mais bolsas, por entidades públicas ou privadas, para apoiar estudantes no acesso à habitação, alimentação e cuidados de saúde”.

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Mariana Gomes
“Deveriam ser desenvolvidas mais bolsas (...) para apoiar estudantes no acesso à habitação, alimentação e cuidados de saúde.”

“CONSTRUIR UM HOSPITAL NO BANGLADESH É A BANDEIRA PARA UM FUTURO MAIS JUSTO E FELIZ”

No sudoeste do Bangladesh os cuidados médicos são quase um luxo para a maioria da população que vive em bairros de lata. As ambulâncias, camas, médicos e enfermeiros contam-se pelos dedos, no distrito de Satkhira. Para criar mais respostas, a AMI, em conjunto com a organização DHARA, aposta na construção de um hospital e um instituto de formação em várias áreas da saúde.

À frente da DHARA - Development of Health & Agriculture Rehabilitation Advancement, Lipika Das Gupta sonha com o dia, cada vez mais próximo, em que um novo hospital e um instituto de formação em saúde vão abrir portas no distrito de Satkhira, situada no sudoeste do Bangladesh, próximo à fronteira com a Índia, onde muitos hindus se fixam em busca de melhores condições de vida e acabam confinados em bairros de lata, vítimas de segregação com base na sua religião. Para a ativista social “construir um hospital no Bangladesh é a em bandeira para um futuro mais justo e feliz”. Um “símbolo de máxima felicidade, depois de uma luta de sete anos”, afirma, reconhecendo que, “para milhares de

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© Timothy Lima

pessoas que vivem em Satkhira, um novo hospital é símbolo de novas possibilidades de cura, de saúde, de vida e de um bem-estar a que não conseguem aceder”.

A desigualdade entre culturas e nacionalidades é uma das principais razões para Lipika Das Gupta embarcar na aventura de construir um hospital e uma escola, mas, também, para manter a DHARA, uma associação liderada por mulheres, parceira da AMI na área da saúde desde 2009.

Como hindu no Bangladesh, Lipika viveu muitas vezes o “preconceito, perseguição e desfavorecimento”. Por isso, o hospital e centro de formação representam “um legado para quem não tem nada”. Por outro lado, enquanto doente crónica, sempre assumiu a saúde como “um bem demasiado precioso” ao qual gostaria que “todos tivessem acesso de forma igual”.

Com o nome Dr. Fernando Nobre Medical Technology College & Hospital, o edifício ficará concluído até ao fim de outubro e abre portas no primeiro trimestre de 2024, representando um investimento total de 346.085,00 euros e a concretização de “um ideal” num meio onde “não é possível aceitar, de braços cruzados, que pessoas não tenham acesso a cuidados de saúde por falta de um lugar onde sejam assistidas, ou por falta de profissionais”. A saúde materna e infantil são um dos principais focos na receção de pacientes em ambulatório, no acesso a consultas de especialidade e na formação base de profissionais como parteiras e enfermeiras, assim como na formação complementar de médicos.

“Para milhares de pessoas que vivem em Satkhira, um novo hospital é símbolo de novas possibilidades de cura, de saúde, de vida e de um bem-estar a que nunca antes conseguiram aceder.”

Com a falta de profissionais na área da saúde a marcar a realidade do Bangladesh, porque as vagas nos cursos são limitadas, assim como as instituições de ensino, Lipika Das Gupta coloca muita esperança nos seus dois filhos formados em medicina.

O projeto deveria ter terminado em maio de 2021, porém, devido à pandemia de Covid-19, e ao aumento do preço dos produtos, a obra sofreu atrasos.

Depois do longo caminho até à construção, a disponibilidade de profissionais no mercado será o desafio seguinte. “São necessários seis médicos para dar resposta a vinte camas e assistência a 500 mulheres e 500 crianças”, explica Lipika Das Gupta, salientando que “sem esses profissionais há risco de o Governo não autorizar a abertura do hospital”.

Gotas num oceano contabilizando que naquele distrito 700 mil pessoas têm dificuldade em aceder a cuidados de saúde e “apenas existe um hospital público, com capacidade para tão só 50 camas, uma ambulância disponível e constante falta de médios e enfermeiros”. Por isso, este projeto da AMI e da DHARA representa uma aposta no acesso a saúde de qualidade, oportunidades de formação e emprego, com vista à redução de desigualdades e erradicação da pobreza.

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Lipika Das Gupta © Fernando Nobre

VOLUNTARIADO, FELICIDADE E BEM-ESTAR

Quando há um pouco mais de um ano aceitei o desafio de dar aulas de português a ucranianos, em regime de voluntariado, estava longe de compreender o alcance que isso poderia ter na minha condição de professora aposentada. Desengane-se quem pensa que a situação de aposentada me deixava muito tempo livre e que a proposta de tal atividade era uma oportunidade de ouro para preencher uma vida pacata. Nada disso! Era apenas mais uma tarefa a acrescentar às mil e uma outras que já fazia com o gosto de quem, com a chegada da aposentação, tinha finalmente tempo para se dedicar àquilo que a vida profissional obrigara a adiar. Ainda assim, em boa hora aceitei o repto, com a consciência das dificuldades próprias da situação, visto tratar-se de pessoas refugiadas de uma guerra que estava a começar e da qual não podíamos de todo imaginar o futuro. Começámos (o meu marido e eu) com um grupo de uma dezena de homens e mulheres que tinham acabado de chegar a Portugal, sem qualquer conhecimento da língua e da cultura do país de acolhimento. Felizmente, tínhamos o apoio de uma das suas compatriotas, a viver em Portugal há alguns anos, que fazia a ponte traduzindo para ucraniano os rudimentos de uma língua que lhes soava totalmente estranha e na qual tinham dificuldade em reconhecer o mundo, para não falar da dificuldade de dizê-lo. As aulas iam-se fazendo entrecortadas pelas mensagens pouco animadoras sobre o país que tinham deixado para trás e onde, para além das suas casas, tinham ficado familiares e amigos expostos à violência e destruição. Aos poucos, vencemos os obstáculos do vocabulário e da gramática e conquistámos alguns sorrisos, também graças ao empenho e boa disposição de Olena, a tradutora coadjuvante, que não poupava esforços para aliviar a amargura dos seus compatriotas, organizando festas, passeios e campanhas de angariação. A boa disposição era palavra de ordem para todas as pessoas que ali se cruza -

vam. Encarávamos isso como um dever de hospitalidade. Ao longo de quase ano e meio de colaboração com a AMI, a procura das aulas de português foi uma constante. O que no início surgiu como resposta para uma comunidade específica foi-se transformando para atender a necessidades de pessoas de outras latitudes e, pouco a pouco, as aulas transformaram-se num espaço de acolhimento onde se fala português com sotaques do Mundo Eslavo, da América Latina, de África ou do Médio Oriente. Mas não esqueçamos o título deste texto e o convite que o motivou. Como se relacionam o voluntariado, a felicidade e o bem-estar num mundo carente de esperança para tantos milhares de pessoas?

O que é a felicidade? O que entendemos por bem-estar? Perguntas complexas que não se comprazem com respostas simplistas e que, por conseguinte, não poderei aqui desenvolver. Permito-me, contudo, deixar cinco tópicos que julgo interessantes e que tomo de empréstimo a Martin Seligman, fundador da psicologia positiva. São eles: emoções positivas (que nos tornam capazes de ultrapassar as experiências negativas e projetar o futuro de forma construtiva); compromisso (remete para a capacidade de investir energia em projetos que desenvolvam a motivação e a criatividade, tornando-se resiliente perante a adversidade); relações pessoais positivas (a condição gregária do ser humano está na base do seu desabrochar pessoal, abrindo-se ao outro para estabelecer relações de amor e amizade); sentido da vida (desenvolver projetos que fazem sentido); realização pessoal (testar, experimentar e cumprir objetivos dão o sentimento de realização).

Para concluir, creio que não será abusivo dizer que estes são os elementos que me movem na minha ação de partilhar o meu conhecimento da língua portuguesa e que são também os mesmos que reconheço naquilo que move os refugiados e os migrantes a investir energia na aprendizagem de uma nova língua e de uma nova cultura.

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Apoio aos Refugiados Ucranianos merece reconhecimento em Coimbra

A AMI foi agraciada em julho, pela Câmara Municipal de Coimbra com a Medalha de Solidariedade Social –Grau Ouro, no âmbito do trabalho desenvolvido pelo Centro Porta Amiga de Coimbra no acolhimento e integração de refugiados ucranianos, que escolheram a zona Centro do país para fixar residência. Cerca de 300 refugiados ucranianos têm acesso a apoio alimentar, habitacional, legal, educativo, cuidados de saúde, apoio jurídico e aulas de português através do Centro Porta Amiga de Coimbra.

Reciclar radiografias por um mundo melhor

De 4 a 22 de setembro decorre a 27.ª Campanha de Reciclagem de Radiografias da AMI. Durante a campanha, as radiografias com mais de 5 anos ou sem valor de diagnóstico, podem ser depositadas nos sacos disponíveis nas farmácias aderentes, sem relatórios, envelopes ou folhas de papel.

A iniciativa é realizada em parceria com a Associação de Distribuidores Farmacêuticos (Adifa) e a Associação Nacional das Farmácias (ANF) e conta com o apoio da Associação de Farmácias de Portugal (AFP).

A recuperação da prata contida nas radiografias permite evitar a deposição destes resíduos em aterro sanitário e reduzir a sua extração na natureza, assim como

Bolsas para Estudantes Universitários

Até 31 de outubro decorre a 9.ª edição do Fundo Universitário AMI, uma bolsa de apoio social no valor de 700,00 euros, que se destina a financiar o pagamento de propinas de estudantes que estejam a frequenta licenciatura, mestrado integrado ou mestrado simples em instituições de ensino superior públicas. Desde a 1.ª edição do Fundo Universitário AMI, no ano letivo 2015/2016, já foram apoiados mais de 300 alunos. O regulamento está disponível em ami.org.pt.

eliminar as nefastas consequências que resultam dessa atividade, muitas vezes realizada em países em desenvolvimento, destruindo áreas naturais e explorando as populações locais.

BREVES | 19 Nacional_

Camarões_

Prevenir o casamento

infantil

Segundo a Organização das Nações Unidas, 650 milhões de meninas e mulheres no mundo casaram ou entraram em união informal marital antes de completar 18 anos. O casamento infantil acontece quando um, ou os dois cônjuges, são menores de 18 anos. Em todo o mundo, 19% de todas as mulheres entre os 20 e 24 anos casaram-se ou passaram a viver com um parceiro antes dos 18 anos. Este é o caso de Yvette, uma menina camaronesa que engravidou de um professor, foi expulsa de casa pelo pai e viu desfazerem-se os seus sonhos de estudar até ser apoiada pela organização Sustain Cameroon, nos Camarões.

Em parceria com esta organização, a AMI está a desenvolver um projeto de capacitação que pretende contri -

Saúde Comunitária

Até abril de 2024, a AMI está a desenvolver um projeto de capacitação das direções regionais de saúde de Bafatá, Bolama, Gabú, Quinara e Tombali, no âmbito da implementação do programa de saúde comunitária. O projeto resulta de uma parceria com a UNICEF Guiné-Bissau e tem como objetivo contribuir para a saúde de proximidade de grávidas e crianças menores de cinco anos. Uma meta que será alcançada através do reforço da capacidade institucional das direções regionais de saúde na gestão do pagamento dos incentivos mensais aos agentes de saúde comunitária; na organização de reuniões mensais de coordenação; e na gestão dos medicamentos, materiais e equipamentos do programa de saúde comunitária.

buir para mudar o rumo de crianças e jovens como a Yvette. A iniciativa procura, não só abranger as raparigas que já se encontram em casamentos precoces, mas também contribuir para a sua prevenção, fomentando uma maior capacitação e independência económica das jovens em risco.

Ucrânia_

Após 18 meses de guerra na Ucrânia, a AMI continua a apoiar os refugiados ucranianos em Portugal, nomeadamente através do Centro Porta Amiga de Coimbra, cuja ação tem sido determinante no ensino de português, acesso a habitação e reintegração no mercado de trabalho.

Na Ucrânia, após o colapso da barragem Kakhovskaya HPP, na região de Kherson, em junho deste ano, milhares de pessoas viram as suas habitações destruídas pelas cheias, deslocando-se para outras cidades, como Khmelnitsky, onde receberam abrigo e apoio alimentar.

A AMI respondeu ao apelo da ONG Zhakyst para prestar apoio psicossocial às vítimas da catástrofe, estando a financiar a intervenção de uma equipa constituída por um advogado, um assistente social e dois psicólogos.

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© DR
Guiné-Bissau_
A missão continua © AMI © DR

Vamos Pintar Portugal de

Verde

No Dia Nacional da Conservação da Natureza a AMI lançou o desafio para mais uma ação de reflorestação na Mata Nacional de Leiria, com o objetivo de fazer renascer cinco hectares de floresta destruída por incêndios.

A campanha de angariação de fundos decorre até ao final do ano, estando a ação de reflorestação prevista para o primeiro trimestre de 2024.

Ao longo de mais de uma década, o projeto Ecoética já permitiu reabilitar e reflorestar mais de 400.000 m² de terreno com cerca de 30.000 árvores, sobretudo em áreas devastadas por incêndios florestais.

Campanha Escolar Solidária AMI/Auchan

As lojas Auchan acolheram a 15.ª edição da campanha de vales de material escolar, com o objetivo de apoiar 3.377 crianças e jovens beneficiários da AMI em Portugal. À semelhança das campanhas anteriores, o valor angariado entre 14 e 27 de agosto foi duplicado pela Auchan. Os kits completos (compostos por mochila, cadernos, estojo e todo o material necessário para os alunos) foram preparados numa ação de voluntariado, em

setembro, num espaço do Regimento de Transportes do Exército Português, em Lisboa, cedido pelo Estado-Maior do Exército.

Desde o início da campanha, em 2009, já foram distribuídas mochilas e material escolar a cerca de 50.000 crianças, num total de mais de dois milhões de euros em material escolar.

Recolha de Géneros Alimentares e de Higiene

Nos dias 14 e 15 de outubro a AMI regressa às lojas ALDI em vários pontos do país, para realizar uma nova recolha de géneros alimentares e de higiene.

Todos os que quiserem colaborar como voluntários nesta missão devem enviar um e-mail para voluntariado@ami.org.pt a manifestar a sua disponibilidade.

A alimentação é uma das principais necessidades identificadas pelos beneficiários da AMI, que se não for colmatada, condicionará todo o trabalho de apoio social.

BREVES | 21 Mecenato_

AGENDA AMI

4 A 22 SET

27.ª Campanha de Reciclagem de Radiografias

AVENTURAS SOLIDÁRIAS

• 22 A 28 OUT Açores

• 28 NOV A 7 DEZ Guiné-Bissau

4 a 22 de Setembro . ª

VOLUNTARIADO PRECISA-SE

Voluntariado Nacional

Centros Porta Amiga, Abrigos e Apoio Domiciliário

Voluntários especializados em psiquiatria, psicologia, enfermagem, medicina e informática

CPA Chelas

Voluntários para lecionar aulas de canto à comunidade sénior

CPA Porto

Voluntários para distribuição alimentar 18 a 22 de setembro 16 a 20 de outubro

Lisboa, Almada, Cascais, Coimbra, Gaia e Porto Apoio na recolha alimentar nos dias 14 e 15 de outubro em supermercados Aldi

Centros Porta Amiga e Sede da AMI Apoio logístico para triagem e distribuição dos bens no dia 16 de outubro

Voluntariado à distância

Confeção de Taleigos Amigos (sacos de pano com restos de tecido) para doar à AMI

Teambuilding Empresarial

Sede da AMI e Delegação da AMI no Porto Reciclagem e Triagem de Radiografias até 22 de setembro

Centros Porta Amiga de Almada, Angra do Heroísmo, Cascais, Coimbra, Funchal, Lisboa, Porto e V. N. de Gaia Financiamento e distribuição de cabazes natalícios aos beneficiários da AMI no âmbito da Missão Natal

Pinhal de Leiria

Financiamento e participação em ação de reflorestação no primeiro trimestre de 2024.

Para apresentação de propostas, por favor, contacte-nos através do e-mail voluntariado@ami.org.pt

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