AMI Notícias nº 93

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LIBERDADE HOJE PORTUGAL 50 ANOS DEPOIS DE ABRIL

Reportagem

TESTEMUNHOS DE '74

N.º 93 Distribuição Gratuita 3.º trimestre de 2024
Abertura
Eugénio Ruivo José Vítor Malheiros
Cunha

04 | Liberdade hoje:

Portugal 50 anos depois de abril

A madrugada que esperei

Meninas da Liberdade

A arte é professora da sociedade

Jornalismo que não desiste

Breves – Nacional, Internacional, Mecenato

Agenda AMI

Voluntariado

Ficha Técnica

Este número da AMINotícias foi editado com o especial apoio da TRUST IN NEWS detentora dos títulos Visão e Visão Júnior (encarte), COMPANHIA DAS CORES LIDERGRAF e CTT - Correios de Portugal. Autorizada a reprodução de textos desde que citada a fonte.

Periodicidade Trimestral

Diretor Fernando Nobre Diretora Adjunta Luísa Nemésio Subdiretora Ana Luísa Ferreira

Editora Ana Martins Ventura Redação Ana Martins Ventura e Ana Luísa Ferreira

Colunistas Isabel Fernandes, Catarina Neves, Fernando Nobre

Branded Content Sandra Leite Coordenador de Fotografia José Ferreira

Fotografia José Ferreira, Alfredo Cunha, Ana Luísa Ferreira, Direitos Reservados.

UTILIZE

Grafismo Alexandre Fernandes Redes Sociais José Guimarães

Paginação Companhia das Cores - Lúcia Antunes e Pedro Cartaxana

Impressão LIDERGRAF

Editora, Redação e Administração AMI - Fundação de Assistência Médica Internacional, Rua José do Patrocínio 49, Marvila, 1959-003 Lisboa • T. 218 362 100 • E-mail: aminoticias@ami.org.pt

Tiragem média 38.500 exemplares Distribuição Visão, Visão Júnior, AMI

Registo ERC 127913 Depósito Legal DL378104/14

LIBERDADES

A Liberdade assemelha-se, quanto a mim, a um caleidoscópio de liberdades. Em permanente mutação, corre constantemente o perigo de se perder mas, creio-o convictamente, renasce sempre, já que nunca será possível silenciar as consciências éticas e os valores universais.

“A minha Liberdade acaba onde começa a do outro.”

Eis o axioma que deveria estar sempre presente na mente de todos nós, de modo a evitarmos o surgimento do egoísmo feroz, do umbiguismo agudo que ameaçam assustadoramente as nossas sociedades, tanto mais que a indiferença, a intolerância e a desregulada inteligência artificial (seguramente a maior ameaça às nossas liberdades) já nos afetam e crescem freneticamente!

A Liberdade, ou melhor as liberdades, estão em perigo sério de morte quando os que ousam questionar o pensamento dominante são votados ao ostracismo/”cancelamento”. E essa é já a realidade atual da Europa.

Sim. Reparem que para além da liberdade de expressão, foram já postas em causa a liberdade de movimentação e a de decisão devidamente informada de tratamento ou prevenção de doenças. Foram, quanto a mim, dados os primeiros passos para a ameaça gravíssima das liberdades sociais, cívicas, políticas, económicas e culturais…

O rufar dos tambores da derradeira guerra global já é ensurdecedor, como se tornou também ensurdecedor o silêncio cúmplice, coagido, cobarde ou corrupto daqueles que acreditávamos se levantariam em consciência para gritar “o rei vai nu” e dizer a alto e bom som: é tempo de parar, escutar e ver o que aí vem.

Temo que a maioria das governações, enferma de calculismos e ambições pessoais estéreis mas extremamente perigosas, perdeu a visão de Estado e do bem comum.

O poder financeiro global, tal bezerro de oiro, exclusivo e com poder aparentemente absoluto e global, tudo parece dominar e corromper.

As liberdades perderam já muitas batalhas, mas ainda não perderam a guerra! Resta ainda, nomeadamente, a liberdade de Consciência e de Pensamento, próprias dos Espíritos Livres que, pensando pela sua própria cabeça, questionam e interpelam o status quo.

Vai ser necessário, não tenho a mínima dúvida, muita coragem e resistência firme, lutarmos com afinco, persistência e resiliência totais nesta sociedade enferma e a caminho da distopia global.

Quando fundei a AMI, fará em breve 40 anos, o intuito era melhorar a vida dos mais desprotegidos e indefesos, e dar-lhes voz. Essa missão continua e faz, mais do que nunca, todo o sentido, num mundo cada vez mais injusto, com dois pesos e duas medidas sem sentido na apreciação das tragédias humanas em curso.

Sim, vamos continuar a lutar e a defender as nossas liberdades, repudiando as paixões e sectarismos cegos, para enfim alcançarmos o mais fundamental direito humano: o Direito à Paz.

Não permitiremos que a Papoila, símbolo para mim da Liberdade e da verdadeira democracia, como escrevi há quinze anos num dos meus livros “Humanidade: despertar para uma Cidadania Global Solidária”, morra!

Fernando de La Vieter Nobre Presidente e Fundador da AMI
© Gabriela Nemésio Nobre

LIBERDADE HOJE PORTUGAL 50 ANOS DEPOIS DE ABRIL

Que país fomos no primeiro verão de 1974 e que país somos neste verão de 2024? Da habitação ao trabalho, passando pela igualdade de género, muito está conquistado, mas há quem esperasse mais em menos tempo. Sobretudo, menos retrocesso e esquecimento.

Texto Ana Martins Ventura Fotografia José Ferreira

Diz-se que verão quente foi o de 1975, mas foi no primeiro verão após o 25 de Abril que os sonhos das jovens gerações de então, e das gerações que nasceriam nas décadas seguintes, se começaram a concretizar. O verão de 1974 foi o verão da vida de Isabel Tomé que, com 14 anos, viu chegar a água potável ao seu bairro. Não esquece o dia em que inauguraram “o simples chafariz, que nem representava uma distribuição em rede, apenas água potável disponível”. Alguns anos depois, ainda menina, casou pressionada pela família. Quando vieram casas novas para os habitantes do bairro ficou feliz por ver a família ser selecionada para uma nova vida, apesar de ter ficado para trás, na casa antiga, por ser casada e representar outro agregado familiar. Pensou que seria passageiro, até mais novas casas serem construídas. Mais de quarenta anos passaram até conseguir, em 2016, uma casa com condições dignas. No verão dos 50 anos de Abril, Isabel sente que, finalmente, vive de forma digna, como lhe foi prometido em 1974.

“Só faltava mais um bocadinho de tolerância e partilha e menos materialismo, para Abril estar completo,como todos o imaginámos.”
Isabel Tomé

Na velha casa que os seus pais e irmãos deixaram para trás, de portas e janelas velhas, onde, de noite, os ratos andavam pelos quartos, acabou por criar os filhos sozinha, depois do divórcio. Lamenta que “nem mesmo o esforço de, em tempos difíceis para quem não tinha recursos, estudar e concluir o 12.º ano na área de química e matemática, lhe tenha dado a oportunidade de ter um emprego com salário digno” e que transformasse a sua vida.

Trabalhou em assistência a seniores, crianças, nas limpezas, até que um dia a saúde começou a falhar. A casa velha desgastou-lhe o corpo e a mente. Isabel recorda bem o dia em que a médica de família disse “a sua vida tem sido muito difícil, a senhora aguentou uma situação seguida de outra, até ceder física e psicologicamente”.

Tempos depois do diagnóstico de esgotamento - hoje o burnout - Isabel foi reformada por invalidez, com cerca de 200,00 euros e sem outros complementos solidários, além do apoio alimentar a que acede através do Centro Porta Amiga da AMI em Cascais. A casa nova que tanto esperou chegou apenas em 2016, já os filhos estavam criados e longe, ainda assim salvou-a quando a saúde cedeu.

Uma conquista tardia pela qual ainda podia estar a aguardar, “se a AMI não tivesse intervindo no processo de atribuição da casa e declarado a urgência da situação”. De 1994 (ano em que começou a intervir em Portugal) a 2024, a AMI contribuiu para a construção de um novo

Portugal onde as pessoas tiveram acesso a educação, saúde, habitação e alimentação saudável, apoiando milhares de pessoas (mais de 80.000) de norte a sul e nas ilhas, sem contar com o impacto da sua presença em mais de 80 países. Este ano, só entre janeiro e março, os serviços sociais da AMI em Portugal apoiaram 5.641 pessoas em situação de vulnerabilidade social. Destas, 698 procuraram o apoio da AMI pela primeira vez, o que corresponde a um aumento de 31% relativamente ao primeiro trimestre de 2023.

Apesar das dificuldades por que passou, para Isabel “o mundo é bom e não há que lamentar. Antes de ‘74, nem água, nem casa, nem pensão de invalidez, nem apoio de uma instituição. Não havia nada. Os pobres ficavam entregues a si mesmos, trabalhavam até morrer ou, se tivessem sorte, na velhice eram cuidados pela família”. Deste tempo o que se perdeu e gostava de voltar a encontrar era “menos egocentrismo e mais solidariedade”. Para quem vê sempre o lado positivo da vida “só faltava mais um bocadinho de tolerância e partilha e menos materialismo, para Abril estar completo, como todos o imaginámos”.

“O MEU TRABALHO, A MINHA CONQUISTA”

Se o trabalho era precário e mal pago há 50 anos e com ele mal se conseguia dar a volta a ciclos de pobreza, como o de Isabel, hoje, o trabalho deveria ser um símbolo de melhores condições de vida.

“Precário continua ele, ou podemos referir-nos de outra forma a contratos de um mês, seis meses?”, questiona o operador de call center Pedro Sousa, que “nos meses mais difíceis, quando as despesas extra com a saúde desorganizam as contas de um salário mínimo”, recorre a apoio alimentar e para pagar a renda da casa. Não pretende negar que, se hoje conseguir trabalho na carreira com a qual se sonhou é um desafio, “há 50 anos, muitos nem sonhavam com carreiras, herdavam-se ofícios, de geração em geração. Trabalho digno e dignidade no trabalho, algo que hoje falta”.

Há horas extra exigidas a troco de folgas (o famoso banco de horas) que apenas será gasto no imaginário, quando se trabalha das 9h00 às 22h00, sem ter quem o substitua. Exigências ao sábado e domingo. Respostas a e-mails durante as férias. Culpabilização por se exigir o direito a não ser contactado durante o período de descanso. Um horário duvidoso, com apertadas alíneas sobre horas de trabalho suplementar. Este é o mundo do trabalho hoje. Mais do que uma questão de ironia, para Pedro, 1974 e 2024 têm mundos laborais aproximados, “o cenário é apenas mais digital, mas se eliminássemos o digital poderíamos muito bem estar algures na década de 70, sem o banco de horas, claro, ele simplesmente não existia”. Com otimismo, porque com Abril renasceu um país mais luminoso e uma vida empoderada, Pedro acredita que “tudo continua a ser possível e nada do já conquistado

Isabel Tomé nunca desistiu de ter uma habitação condigna. Conquistou-a mais de 40 anos depois de Abril.
“As pessoas com deficiência já não são encerradas

a vida toda, sem direitos e sem dignidade. Essa conquista, rumo a uma integração plena, ninguém tira aos portugueses.”

se perderá, isto se impedirmos mudanças desfavoráveis no Código do Trabalho e continuarmos a atualizar salários, mínimos e médios”, afinal, até onde poderá chegar quem tem hoje entre 35 e 40 anos se não conseguir trabalhar, acompanhar os custos de vida, suportar a renda de uma casa?

“O QUE É UM LUGAR PARA A MULHER?”

Patrícia Maio assume-se “de esquerda, a favor da igualdade, liberdade e fraternidade, mas sobretudo uma mãe que quer uma sociedade justa para a sua filha”. Cresceu em liberdade e com um mundo de possibilidades aberto à sua frente, no entanto, sempre consciente do quanto os direitos da mulher estão num limbo, sempre dependentes de mais uma conquista. Já foi jornalista, trabalhou numa ONG dedicada à promoção e defesa dos diretos sociais e humanos, agora é, “simplesmente uma empresária”. E depois de tanto lutar pelo seu lugar como profissional fica “revoltada” quando vê algumas pessoas empurrarem as mulheres para um determinado papel, “afinal o que é isso de um lugar para a mulher? Que lugar é esse e porque é dela e não de um homem?”.

Tudo o que está a acontecer em Portugal, as mudanças menos positivas, poderá ser consequência do que fizemos com a liberdade conquistada em Abril. “Pois se o voto é livre, à esquerda ou à direita representa o maior exercício da Democracia”, mas as escolhas devem ser coerentes com aquilo que são as necessidades de todos, porque “o que está a influenciar más decisões políticas e ataques a direitos humanos e sociais é a desinformação” que leva muitas pessoas a embarcarem em discursos extremistas. A empresária revê a História que a sua geração agarrou à nascença, com a conquista de saúde para todos e educação para todos, mais igualdade social, de género. “As mulheres, sobretudo, conquistaram papeis que lhes eram vedados, mas, para elas ainda está muito por fazer”.

“PELO MEU FILHO”

Maria João foi mãe “tarde, pelos 40 anos”, como gosta de lembrar, pois, em 2008, havia quem planeasse uma família aos 30 ou 35 anos, mas “mais tarde do que isso ainda não havia tanto como agora”.

Trabalhava numa editora, tinha independência financeira, mas depois de Gabriel nascer e dos primeiros diagnósticos de autismo tudo se desvaneceu. Teve que se demitir para cuidar do filho em exclusivo e ficou financeiramente dependente do marido, numa situação de grande vulnerabilidade, sujeita a abusos psicológicos. Hoje, Gabriel tem 16 anos e é acompanhado por uma instituição durante o dia, mas Maria João passou demasiado tempo afastada da vida profissional e embora só cuide do filho a partir das 16h00, as tardes e as noites são tão complicadas que fica esgotada. Reconhece que “dificilmente será possível recuperar a carreira”, mas afirma “pelo meu filho tudo vale a pena”.

Numa sociedade que tem cada vez mais condições para prestar cuidados de saúde mental, Maria João lamenta que “as mulheres ainda sejam as mais prejudicadas e as que mais independência perdem, por não conseguirem conciliar a vida profissional e familiar”.

Maria João apenas tem acesso a um apoio de pouco mais de 100,00 euros por cuidar do filho, sendo que, por essa dedicação, teve que abandonar o trabalho como fonte de rendimentos. Gabriel também tem um abono, curto, claro, para alimentação, roupa e o valor dos medicamentos que não é comparticipado. Mãe e filho ficam muitos dias “dependentes do bom humor e boa vontade de um pai que nem sempre quer estar disponível”.

Acabaram as instituições obsoletas, “as pessoas com deficiência já não são encerradas a vida toda, sem direitos e sem dignidade. Essa conquista rumo a uma integração que, um dia, será plena, ninguém tirará aos portugueses”, mas, como as mães sem profissão cuidarão dos filhos, sem acesso a casa própria, sem autonomia financeira? Essa é a questão que Maria João não consegue calar de noite, quando não consegue dormir.

“As pessoas não entendem a dimensão que é poder escolher quando e como queremos estar na rua, o que fazer com as nossas vidas, defender boas condições de trabalho, de estudo.”

Eugénio Ruivo

A MADRUGADA QUE ESPEREI

Se a liberdade não foi conquistada para sempre, para onde seguem os nossos direitos? Eugénio Ruivo, José Vítor Malheiros e Alfredo Cunha falam sobre o poder de não desistir.

Texto Ana Martins Ventura Fotografia Ana Luísa Ferreira e Alfredo Cunha

© Armando Redondo
© Ana Luísa Ferreira
“Há um valor que, com frequência, esquecemos de destacar: a igualdade.”
José Vítor Malheiros

A mesma camisola que lhe protegeu o corpo torturado depois de intermináveis interrogatórios no Forte de Caxias, protege-o hoje do esquecimento, do tempo e da sociedade. Há 50 anos, o resistente Eugénio Ruivo esperou durante muito tempo para ouvir o som da mudança que trouxe os direitos humanos a Portugal, “os mesmos direitos que hoje vemos perderem-se, como se não representassem um trabalho árduo ao qual muitas pessoas dedicaram as suas vidas”.

Eugénio começou a trabalhar com doze anos, herdando o histórico da mãe que, na década de 1940, com nove anos, veio do Bombarral trabalhar para Lisboa, para a casa de uma família, “ficando a sua vida confinada à cozinha e ao quarto onde dormia, sem tempo para sair à rua e impedida de chegar à varanda”.

Na juventude da sua mãe e na sua “a vida em Portugal era de uma miséria absolutamente flagrante e grande parte das crianças viviam com grandes dificuldades e num elevado índice de pobreza”. Quando começou a trabalhar junto com os pais, na venda ambulante de roupa, deu-se o despertar para aquilo que o rodeava. Nas feiras viu “crianças a trabalhar descalças e sem nunca terem ido à escola. Retrato profundo de como era Portugal em plena segunda metade do século XX.

A vontade de mudar levou-o a unir-se cedo ao Movimento da Juventude Democrática, para “defender as mulheres, as crianças, os jornalistas”. Numa época em que bastava uma reunião a favor de menos horas de trabalho, creches ou propinas mais baixas, para alguém ser preso, Eugénio enfrentou três detenções e inúmeros espancamentos.

Eram 7h do dia 27 de abril quando se sentou no bordo de uma cadeira da cela que ocupava em Caxias e, olhando pela janela, começou a ver alguém aproximar-se da prisão. Horas depois surgiram nos corredores

© Ana Luísa Ferreira

Sophia de Melo Breyner, Jorge Sampaio, Rogério Paula, Francisco Sousa Tavares, Miguel Sousa Tavares, Joaquim Mestre, José João Louro, Maria Eugénia Varela Gomes, Cecília Areosa Feio, José Cardoso Pires. “Ao vê-los entrar percebi logo que tudo estava a mudar, que tinha chegado a madrugada, ou o dia”. Eugénio sente que “hoje, muitas pessoas não entendem a dimensão do que é poder escolher quando e como queremos estar na rua, o que fazer com as nossas vidas, decidir como trabalhar e defender boas condições de trabalho, de estudo”.

CONQUISTAR TODOS OS DIAS

“Cinquenta anos é muito tempo, duas gerações” e, nesse entretanto, onde muito aconteceu, José Vítor Malheiros, jornalista e um dos fundadores do jornal Público, não esquece que, “em Portugal, conquistou-se muito, criou-se a liberdade para combater por direitos e a sociedade de agora e de há vinte anos não têm absolutamente nada a ver com a sociedade que existia até ao 25 de Abril”.

Num país onde tudo mudou, “os direitos humanos estão garantidos em termos legais e na prática, mas é preciso conquistá-los permanentemente”.

Para quem participou na fundação de um jornal no pós25 de Abril “não podia ser mais notório que a liberdade está sempre em processo de conquista”.

A madrugada que foi tão esperada abriu uma porta para a liberdade em 1974, mas “esta liberdade não está conquistada para sempre e isto é uma coisa que os últimos anos têm demonstrado, pela vaga de movimentos extremistas antidemocráticos que têm invadido o país, a Europa e o mundo”.

AS IRMÃS LIBERDADE E IGUALDADE

Se a Liberdade está nas nossas palavras e anseios, José Vítor Malheiros afirma que “há um valor que, com frequência, esquecemos de destacar: a igualdade”. É claro e certo que “os direitos têm de ser direitos de todos, porque se não forem não temos capacidade para construir uma sociedade justa”. O problema é que nos últimos anos “voltámos a ter graves problemas de igualdade de género e que se repercutem muito no trabalho. Para José Vítor Malheiros é inegável que “as mulheres continuam a ganhar menos e a trabalhar muitíssimas mais horas, não só no seu percurso profissional, mas no trabalho que fazem em casa” e, ainda que, a igualdade esteja plasmada na lei e seja um direito constitucional, na prática não é assim, pelo menos não na totalidade.

“O que fizemos nos últimos 50 anos foi um trabalho extraordinário.”
José Vitor Malheiros

As falhas de hoje não desmerecem o percurso feito. “O que fizemos nos últimos 50 anos foi um trabalho extraordinário”, mas a lista de direitos nunca está acabada”. O direito ao trabalho digno está conquistado, no entanto, “deve haver igualdade na divisão das benesses que a sociedade em geral produz e o trabalho continua a ter uma fatia escassa em matéria de divisão igual de benefícios e na distribuição ou acesso à riqueza que produzimos para o país com o nosso trabalho e os nossos impostos”.

PORTUGAL NUMA FOTOGRAFIA

Se fosse hoje o dia do muito esperado 25 de Abril, Alfredo Cunha tornaria a sair à rua e tirava a mesma fotografia que, à época, representava todo um País: o rosto determinado de Salgueiro Maia.

Tinha vinte anos acabados de fazer e andava pela redação d’O Século, quando, sem querer, lhe vestiram o fato de “Fotógrafo da Revolução”. Captou a chegada da coluna de Salgueiro Maia ao Terreiro do Paço, a manifestação nas ruas, dos momentos negros aos mais felizes, mas gostava mesmo é que o conhecessem por “nunca desistir de lutar pela liberdade, de expressão, de trabalho, de exigir e ter direito a melhores condições de vida em Portugal”.

Para o fotojornalista “só não vê quem não quer, que alguns ideais e direitos começam a ficar abalados e, com isso, estamos a perder terreno no acesso a bens de primeira necessidade que proporcionam um nível de vida digno”.

Claro que, o Portugal de hoje evoluiu e nunca mais será o mesmo. Alfredo Cunha recorda uma produção fotográfica em que estabeleceu um paralelo entre 1970 e 2020. Apesar de todos os problemas de hoje, “é incontornável que há 50 anos o nosso país era uma coisa paupérrima e agora é apenas menos rico que os outros da Europa”.

O fotojornalista desafia-nos a imaginação para situações do quotidiano em que a garantia de direitos é sempre mais sensível. “Imaginem as condições de uma pes-

soa idosa num lar há 50 anos e as condições que tem hoje”, a imagem é, inquestionavelmente diferente, muito diferente, desde o número de instituições disponíveis, às infraestruturas que as mesmas têm e que permitem a prestação de cuidados continuados de saúde e bem-estar”. E se avançarmos para os direitos na educação, Alfredo Cunha destaca logo “o acesso”.

Segundo o Censo de 1970, no início dessa década Portugal tinha uma elevada taxa de analfabetismo, 20% entre os homens e 31% entre as mulheres. Quanto aos portugueses no ensino secundário eram apenas 2,8% e no ensino superior 1,6%. Em 2021, outro Censo trouxe-nos números que, embora ainda sejam preocupantes numa Europa de direitos e conquistas, são também surpreendentes. A taxa de analfabetismo era de 3,96% entre as mulheres e de 2,1% entre os homens e 1 782 888 tinham formação superior, representando 19,8% da população com 15 ou mais anos.

Se o acesso à educação foi democratizado, as condições em que crianças, jovens e adultos hoje estudam transportam-nos para mundos opostos, “se entrássemos numa escola em 1970 uma parte significativa das crianças estavam descalças e com fome”, afirma Alfredo Cunha. Hoje, nas escolas estão algumas das grandes diferenças entre sermos um país menos rico ou um país paupérrimo. “As crianças têm uma alimentação digna e completa durante o tempo que passam na escola e, cada vez mais, têm um acesso igual à tecnologia”, descreve o fotojornalista.

“Em 1974, a Liberdade era urgente e procurava-se com urgência. Agora, precisamos manter esta procura viva, sempre.”
Alfredo Cunha

E, se a habitação é, neste momento, uma das grandes crises que Portugal enfrenta, com rendas inflacionadas e prestações bancárias incomportáveis, em 1970 quase 30% dos portugueses estavam mal alojados e, no distrito de Lisboa, 21 mil famílias residiam em bairros de lata. Alfredo Cunha acompanhou esse retrato em que “faltava tudo, e não só nos bairros de lata, mesmo nas casas das aldeias as condições eram muito precárias. Não tinham água canalizada, instalações sanitárias e eletricidade. Frigorífico ou televisão eram objetos de luxo, acessíveis para poucos”.

Celebraram-se 50 anos de Liberdade há cinco meses, meio século da nossa História que será especialmente assinalado até 2026. Se dedicamos tanto tempo à celebração dos 50 anos de Abril então que se reflita sobre “o que significa isto da ‘liberdade conquistada’ e como a devemos proteger. Afinal, a perda de liberdade é a base de tudo o que deteriora as condições de vida, por isso, em 1974, a Liberdade era urgente e procurava-se com urgência. Agora precisamos manter esta procura viva, sempre”.

© Alfredo
Cunha

MENINAS DA LIBERDADE

Há cinquenta anos que a precariedade laboral e financeira nunca foi tão elevada e afetou tanto as mulheres. Nunca as mulheres tiveram tanta dificuldade em conciliar a vida profissional e familiar. Nunca a violência contra as mulheres esteve tão exposta, o que é uma conquista, mas significa que continua a existir.

Para Ana Souto e Francisca Pires “nada está garantido para as mulheres”.

Texto Ana Martins Ventura Fotografia AMI

Do direito ao voto, à propriedade, à moda, a casar independentemente da profissão escolhida, à saúde (mental e física), ser mulher com direitos mudou a face de Portugal em 50 anos. Ana Souto e Francisca Pires participaram nas conquistas que lhes trouxeram a liberdade que as suas mães e avós não tiveram. Estudaram, num tempo em que as meninas para lá da antiga 4.ª classe se contavam pelos dedos, conquistaram a confiança de colegas, que contrabandeavam os livros proibidos, e aprenderam. Aprenderam o suficiente para saberem desde cedo que “a liberdade teria sempre que vir acompanhada de conquistas, porque, de outra forma ninguém daria coisa alguma às mulheres de mão beijada”.

As conquistas refletiram-se na Constituição da República, ainda hoje uma das mais avançadas do mundo, na

garantia de direitos iguais entre homens e mulheres. “Mas, muito do que ficou consagrado na lei fundamental, como o salário igual, ainda está por cumprir”, afirma a professora Ana Souto.

No pós-25 de Abril nunca a precariedade laboral e financeira foi tão elevada e afetou tanto as mulheres como agora. Nunca as mulheres tiveram tanta dificuldade em conciliar a vida profissional e a vida familiar. E no entanto, “as questões do trabalho são fundamentais para a mulher, porque sem ele não conseguem ter autonomia”.

Também nunca como agora a violência contra as mulheres esteve tão exposta, o que é uma conquista, mas também significa que a violência continua a existir e a ser elevada.

Para Ana Souto, essa análise social é reveladora das “adaptações que

foram sendo feitas, por quem vai explorando as mulheres de alguma forma”. Portanto, afirma “não há nada que esteja garantido”.

Francisca Pires está certa de que “não perdemos nada porque ainda não ganhámos tudo”. Hoje, a educadora de infância e psicoterapeuta sente-se “completamente livre, mas muito triste, porque apesar de toda esta evolução chegámos ao que chegámos, a uma verdade histórica distorcida sobre a liberdade, que fomenta o não desenvolvimento”.

A terapeuta teme os preconceitos que começam a surgir novamente contra as mulheres.

Além da mudança assustadora, Francisca aponta “o muito que a violência doméstica ainda ocupa na sociedade, com impunidade, porque ou as penas são brandas, ou os casos arquivados”.

UMA CONVENÇÃO PELOS DIREITOS

DAS MULHERES E DAS RAPARIGAS

Na defesa dos direitos das mulheres e das raparigas o ano 2023 foi de ouro. Em abril do ano passado, no âmbito da Estratégia para a Igualdade de Género 2020-2025 foi publicado o relatório “Igualdade de Género na União Europeia”. Nas suas páginas ficaram gravadas importantes conquistas legislativas, avanços sociais e desafios persistentes na luta pela igualdade de género na União Europeia (UE) e nos Estados-Membros.

A maior de todas as conquistas: a adoção da Convenção de Istambul, que obriga os Estados-Membros a adotar um conjunto abrangente de medidas para combater todas as formas de violência e discriminação contra as mulheres e raparigas.

Pela primeira vez, na história da Europa, firmou-se um tratado que protege em particular os direitos das mulheres e das raparigas.

A Croácia, Bulgária, Malta, Holanda, Bélgica, Polónia, Lituânia, Finlândia, assumiram os compromissos do tratado de tolerância zero na violência contra as mulheres e aprovaram leis com penas pesadas para proteger as mulheres da violência doméstica, assumindo o compromisso de erradicar o flagelo.

Dos marcos legislativos de 2023, o relatório destaca ainda a adoção da Diretiva de Transparência Salarial, que fortaleceu o princípio da igualdade salarial para o trabalho igual ou de valor igual. Uma diretiva da UE para combater as disparidades dos salários em função do género. Foi também delineado um acordo provisório sobre a igualdade de tratamento e igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional.

“A liberdade teria sempre que vir acompanhada de conquistas, porque, de outra forma ninguém daria coisa alguma às mulheres de mão beijada.”

Apesar dos avanços, o relatório da UE aponta que ainda persistem lacunas graves na igualdade de género no mercado de trabalho e que a violência contra mulheres, incluindo o feminicídio, prevalece, com abordagens inconsistentes entre os Estados-Membros.

MENINAS “DE SORTE”

Com a extrema-direita a subir e o preconceito a ganhar proporções, “faz todo o sentido as mulheres continuarem a sair à rua, seja de encarnado, branco, amarelo, azul e participar, como nos ensinou Maria Velho da Costa”, afirma Francisca Pires. A psicoterapeuta considera que foi uma menina “de sorte” e é uma mulher “de sorte” porque conseguiu estudar, algo raro para as mulheres da sua geração e nunca se sujeitou a estigmas sociais como o da velha expressão “ele ajuda em casa” que a deixa “de cabelos em pé”.

“Em 1969 contavam-se pelos dedos as mulheres nas turmas para lá do que hoje é o 9.º ano. E no interior do país ainda eram menos as mulheres a estudar para lá da 4.ª classe”, afirma. Com 13 anos já tinha consciência da forma diferente como as mulheres eram tratadas em sociedade.

“Era comum ver as meninas deixarem de ir à escola para tratar da casa. Se alguém podia estudar eram os rapazes”. Mas havia um preconceito generalizado, contra as meninas e meninos pobres.

“As crianças pobres andavam descalças e quando chegavam à escola sem sapatos eram colocadas na última fila,

queria dizer que não valia a pena dedicar-lhes muito tempo, porque não iam chegar longe”.

Ana Souto recorda muito da vida antes do 25 de Abril: “A mortalidade infantil era elevada. Na Educação o analfabetismo era enorme e todas as vertentes que acompanhavam a vida das pessoas eram precárias ou insuficientes”.

Ana Souto desafia a sociedade a um exercício: “Imaginem tudo isto na vida das mulheres que sustentavam sozinhas as famílias porque os maridos estavam na guerra?”.

Cuidadoras do lar, por vontade ou imposição, no pós-revolução, as mulheres foram as que mais ganharam. O poder falar, poder escrever, poder representar com outra expressão, com liberdade.

Enquanto mães, cidadãs, no espaço profissional, cívico, no espaço político, tudo, ou quase tudo, estava vedado às mulheres. “Dizia-se: à mulher a casa, ao homem a praça”, conta a professora. Um preconceito destruído não com o 25 de Abril, mas nas décadas que se seguiram.

“Elas vieram para a rua”, cantou Maria Velho da Costa, logo depois de Abril “e elas vieram de facto para a rua”. Tomaram a dianteira das cooperativas agrícolas, das fábricas. Obrigaram a que se fizessem creches. Obrigaram a que houvesse água em sítios onde não havia. Em casa tomaram posições e intervieram na vida social e política.

©
José Ferreira

A ARTE É PROFESSORA

DA SOCIEDADE

João Nepomuceno Baltazar de Lima, mais conhecido como João Afonso, fez da sua vida uma grande aprendizagem e ensinamento, principalmente musical, num percurso onde a arte é vida e conhecimento.

Fotografia DR

Semelhante a Zeca na voz e no idealismo, aos treze anos deixou-se contagiar pelo ambiente que o envolvia e abandonou os planos de estudar Agronomia para se dedicar à música “muito além da alma”. Para João Afonso, “a música, a arte, marcam o ritmo de uma sociedade”.

Também influenciado pelo jeito de tocar guitarra da África Austral, sobretudo de Moçambique, a sua música é uma união de culturas que

ensinaram e formaram o homem e o músico, mas considera-se sobretudo “um autodidata com um percurso invertido”. Pois, primeiro, começou a tocar e a cantar, só depois começou a explorar e a aprender música e teoria musical. A arte, por si, foi a sua professora primordial.

A aproximação à arte-professora de Zeca Afonso deu-se com o regresso forçado de Moçambique, em 1978, perante a ameaça da insegurança e

da fome”. O fascínio pela música do tio estava em si guardado, desde o tempo dos almoços de família em terras africanas. “Um tempo em que a imagem do tio se transformou numa espécie de endeusamento, pela arte, pelos ideias, pela exigência e profissionalismo que imputava na sua carreira musical” recorda João Afonso. Do contacto com Zeca Afonso ficou-lhe ainda o privilégio de privar com Fausto, Júlio Pereira, Janita Salomé e José Fortes.

Sente-se-lhe o orgulho na voz quando diz que é uma honra ser sobrinho de Zeca Afonso, mas sente-se igualmente, a firmeza do timbre quando afirma que faz questão de seguir o seu próprio caminho. Chegou a duvidar se deveria continuar a abraçar a música, por não saber se o público apreciava o seu trabalho ou a semelhança da sua voz com a de Zeca Afonso. “Até que ponto o êxito era porque as pessoas me apreciavam a mim, ou sobretudo apreciavam as canções do meu tio cantadas por mim, que tenho um timbre de voz ligeiramente semelhante ao dele?”, questionou-se. E “certas situações de pessoas a abraçarem-me e a chorarem colocaram em dúvida se eu não devia parar ali”. Mas, no fim, não tem dúvidas: “decidi bem, e não parei”.

PELA ARTE SE APRENDE O QUE SE PODE VIVER

João Afonso considera que o seu tio “foi acima de tudo um humanista preocupado com as injustiças no Mundo e as suas poesias mais do que tudo são indicadoras disso mesmo”. Acredita que “movimentos como aquele que a geração de

“Quantas

pessoas passam por nós todos os dias de manhã nos transportes, esmagadas pelo peso do trabalho duro que vão enfrentar; no fim do dia, com fome e exaustas, e muitas destas pessoas vieram de outro continente para ter esta vida aqui.”

Zeca Afonso iniciou, criam uma cisão. Uma necessidade incontornável de mudança social”, afinal a arte tem o poder de transformar a matéria das coisas, dando-lhe formas diferentes a cada nova moldagem ou composição.

O legado de Zeca Afonso infiltrou-se por várias gerações, o que significa que, mesmo quem não foi seu contemporâneo, identifica-se “com o movimento, os valores do humanista, da fraternidade, igualdade. Porque querem justiça social. Isto é aprendizagem, formação pura. A arte é isso, uma professora da sociedade”.

João Afonso acredita que se os acontecimentos de Abril se dessem hoje, “nunca seriam cantados exatamente da mesma forma. Estamos todos diferentes. Mais conscientes, mais capazes”. Ao mesmo tempo, às vezes, “estamos também mais permissivos, mais omissos.”

O músico alerta para a indiferença com a qual nos habituámos a conviver. “Quantas pessoas passam por nós todos os dias de manhã nos transportes, esmagadas pelo peso do trabalho duro que vão enfrentar; no fim do dia, com fome e exaustas,

e muitas destas pessoas vieram de outro continente para ter esta vida aqui. Se fizeram essa viagem, tal como um dia a minha família fez a sua, é porque acreditam que, aqui, vão ter uma oportunidade para viver com dignidade. Isso devia ser motivo de honra e não de preconceito nosso”, afirma o músico.

“Ouvir mais música, sentir o seu ritmo, perceber de onde vem cada acorde, cada estrofe do poema que a acompanha pode ser o melhor ensinamento a tirar” para destruir preconceitos, criar laços entre povos e percebermos que todos estamos conectados e não separados por cores e crenças. “O mundo de hoje mostra-nos isso, às claras, todos os dias e fomos nós que há muitos séculos o fomos provocar para isso”, para que as nações cruzassem conhecimentos, para que as culturas se misturassem e criassem novos saberes, da arte, à ciência. Então João Afonso questiona “se criámos nós, portugueses, o conceito de globalização, quem somos nós para agora negarmos acolhimento ao mundo?”

João Afonso

JORNALISMO QUE NÃO DESISTE

Os jornalistas acreditam que a solução para salvar as redações está na união contra a indiferença, dentro e fora da profissão, em toda a sociedade.

A enfrentar uma das maiores crises da sua história nacional, o jornalismo está em situação de total precariedade e Luís Filipe Simões, presidente do Sindicato dos Jornalistas (SJ) afirma “sem informação não há Democracia e é preciso falar, falar muito, sobre o que está a acontecer”. Durante a cerimónia da 26.ª edição do Prémio AMI – Jornalismo Contra a Indiferença que, em 2024, foi organizada em parceria entre a AMI e o SJ, Luís Filipe Simões recordou que “o jornalismo contra a indiferença é

um dos pilares da Democracia, mas precisa de financiamento urgente”. Na abertura da mesa-redonda com o tema “Desafios do Jornalismo: liberdade, empregabilidade e futuro”, que teve como objetivo homenagear o jornalismo e os jornalistas, o presidente do SJ destacou ainda que “vivemos hoje um momento de emergência em que corremos o risco de perder o jornalismo que conquistámos nos últimos 50 anos. Um jornalismo de intervenção e vigilância”. Mas, como podem os jornalistas

escrever as histórias de quem ainda não tem voz social, se eles mesmos vivem em condições tão precárias? Vânia Maia, hoje jornalista freelancer, é assertiva: “amo profundamente o jornalismo, é a maior paixão da minha vida”. Um sentimento que é tanto uma força, como uma fragilidade. “A paixão é perversamente usada contra os jornalistas, pois, em nome dela, sujeitam-se a condições de trabalho que outros profissionais não aceitariam”, afirma.

© José Ferreira

Para que seja possível manter uma carreira digna no jornalismo, Vânia

Maia acredita no papel forte dos “projetos sem fins lucrativos, que não têm como objetivo máximo as audiências, assim como o trabalho em consórcio internacional”.

Ruben Martins, jornalista do Público e professor reconhece que, “são cada vez menos os estudantes que seguem carreira no jornalismo”. As novas gerações até têm o sonho do jornalismo, mas depois “percebem que, com os salários pagos no jornalismo não conseguem ter uma casa e uma família”.

“A

paixão é perversamente usada contra os jornalistas, pois, em nome dela, sujeitam-se a condições de trabalho que outros profissionais não aceitariam.”

Começa então o que Ruben Martins descreve como “o fim da paixão”. Dos tempos em que começou a trabalhar na redação d’A Capital, Cesário Borga recorda que “os salários baixos no jornalismo sempre foram um tormento”. Atualmente, o problema do jornalismo será ainda maior. Quando ingressou no jornalismo, na década de 1970, apesar da cen -

sura, dizia-se que, ”só era notícia o que os jornalistas decidiam ser notícia”. Depois, o bom senso sobre a informação e a literacia perderam-se, quando “as redes sociais acabaram com a valorização da informação e isso é que está a destruir o jornalismo”.

Palavras e união contra a indiferença

Em 2024, o Prémio AMI - Jornalismo Contra a Indiferença foi atribuído à reportagem “Violeta“ de Filipe Santa Bárbara, da TSF, com o 1.º lugar na categoria Rádio, que o júri considerou ser mais do que um retrato individual. Aborda várias falhas coletivas da sociedade e do sistema. Filipe Santa Bárbara tem a sensibilidade exemplar de contar a história de uma mulher trans, romena que procura Portugal como refúgio de maus tratos e perseguição, inflingidos a uma mulher trans na Roménia. A forma como a sua história é contada envolve o ouvinte, não só pelo texto, pelo trabalho na edição, mas também pela qualidade da banda sonora de Margarida Adão. Na categoria Imprensa o 1.º lugar foi atribuído ex-aequo a Ana Cristina Pereira, do Público, pela reportagem “Ao fim de 40 anos, Vicente não queria sair da prisão“. No decorrer da sua avaliação, o júri considerou que Ana Cristina Pereira desenvolveu um trabalho que acompanha vários momentos da vida de Vicente, um homem sem documentos, sozinho, e que esteve preso, à margem da sociedade, mais de 30 anos.

A forma como a história é construída e contada demonstra várias falhas do sistema e como uma decisão da nova lei da saúde mental lhe mudou a vida e deu a sentir o sabor da liberdade. Ana Cristina Pereira conseguiu

retratar todos estes momentos de forma sensível, respeitosa e pungente.

Susana André, da SIC, pela reportagem “Crimes em claro“, na categoria Televisão, foi galardoada também com o 1.º Prémio. Ao visionar “Crimes em claro” o júri foi transportado até às rotinas de jovens com albinismo. Na Zambézia, a milhares de quilómetros da capital de Moçambique, a equipa de reportagem consegue demonstrar uma realidade pouco conhecida, mas chocante. Onde a diferença tanto pode valer ouro como uma sentença de morte. Um trabalho no terreno assinalável que resulta em testemunhos e imagens surpreendentes. O júri, constituído pelas jornalistas Filipa Simas, da RTP, e Margarida Cardoso do projeto Fumaça; por André Pestana Nascimento, representante da Sociedade de Advogados Uría Menéndez; e Alexandre Nobre, administrador da AMI, decidiu ainda atribuir menções honrosas às reportagens “Portugueses Ciganos: uma história com cinco séculos“, também da autoria de Ana Cristina Pereira (na categoria Multimédia); “Tráfico de seres humanos“, da autoria de Céu Neves e publicada no Diário de Notícias (categoria Imprensa); assim como à reportagem “O cancro tem latitude e longitude“, de Ana Tulha, publicada na Notícias Magazine (também distinguida na categoria Imprensa).

Premiar a cidadania jovem

O “Linka-te aos Outros” dirige-se a estudantes do 7º ao 12º ano de escolaridade e contribui para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Através deste prémio os jovens estudantes podem ajudar a alterar realidades sociais e melhorar a comunidade que o rodeia. Acabar com a pobreza, promover a prosperidade e o bem-estar de todos, proteger o ambiente e combater as alterações climáticas são objetivos, cujo alcance depende do envolvimento de todos.

As candidaturas para a 13.ª edição estarão abertas de 21 de outubro a 20 de dezembro.

O regulamento pode ser consultado em ami.org.pt e os pedidos de esclarecimento podem ser enviados para linkateaosoutros@ami.org.pt.

Pedidos de ajuda à AMI aumentam de forma preocupante

No primeiro trimestre de 2024, os serviços sociais da AMI em Portugal apoiaram 5.641 pessoas em situação de vulnerabilidade social, destas, 698 procuraram o apoio da AMI pela primeira vez, o que corresponde a um aumento de 31% relativamente ao primeiro trimestre de 2023. A maioria das pessoas tem idade ativa e naturalidade portuguesa.

Relativamente às pessoas em situação de sem-abrigo, no total, os Centros Porta Amiga, Equipas de Rua e Abrigos da AMI acompanharam 1.020 pessoas. Só as Equipas de Rua acompanharam 217 pessoas em situação de sem-abrigo no primeiro trimestre, mais 25% relativamente ao mesmo período em 2023.

Uma carrinha para a Equipa de Rua de Lisboa

A Equipa de Rua de Lisboa da AMI desloca-se todos os dias entre a zona do Cais do Sodré e a Estação de Santa Apolónia e/ou outras zonas com o objetivo de ir ao encontro da população em situação de sem-abrigo e, através de uma intervenção multidisciplinar, responder às suas necessidades e prevenir a exclusão social. Para dar continuidade a este trabalho, é necessário substituir a carrinha, que conta com mais de 20 anos e, por isso, a AMI está a receber donativos através de MBWAY, com o

número 962 777 431. Outras formas de doar estão ainda disponíveis em ami.org.pt Em 2023, a Equipa de Rua de Lisboa da AMI apoiou 283 pessoas. E, no seu conjunto, as Equipas de Rua da AMI, em Lisboa, Porto e Vila Nova de Gaia, acompanharam um total de 406 pessoas em situação de sem-abrigo, das quais 202 pela primeira vez, mais 87% face a 2022.

Ajuda chegou finalmente a Gaza

Segundo a ONU, o conflito entre Israel e a Palestina já provocou mais de 34.000 mortes desde 7 de outubro de 2023, e forçou milhares de pessoas a deixar as suas casas no norte de Gaza e a fugir para sul.

Após grandes dificuldades em fazer chegar a ajuda ao terreno, a AMI conseguiu enviar duas parcelas de €10.000 em abril e junho de 2024 à organização local palestiniana Juhoud for Community and Development para compra de alimentos a distribuir pela população deslocada da Faixa de Gaza. Foram apoiadas cerca de 2.000 pessoas, mas é urgente enviar mais ajuda. Saiba como pode apoiar esta missão em ami.org.pt

Lançamento do projeto IMPACT-GB

A AMI apresentou no dia 11 de julho, na Casa dos Direitos, em Bissau, o projeto IMPACT-GB dedicado à prevenção da violência contra as crianças talibé.

Desenvolvido em consórcio com as organizações

Ajuda de Desenvolvimento de Povo para Povo GuinéBissau (ADPP-GB), o Instituto da Mulher e Criança (IMC) e a Associação Guineense de Luta Contra Migração Irregular, Tráfico de Seres Humanos e Proteção das Crianças (AGLUCOMI-TSH), e financiado pela União Europeia, o projeto decorrerá até 2027.

Apoio a comunidades refugiadas no Bangladesh

Até fevereiro de 2025, está em curso o projeto “Providenciar acesso inclusivo e fortalecimento económico aos refugiados e deslocados dos bairros de lata de Chattogram, no Bangladesh”. Em parceria com a organização Bengali Integrated Social Advancement Programme (BISAP),

Prevenção de Doenças de Potencial Epidémico em Moçambique

Com o objetivo de apoiar 66 ativistas comunitários e chefes de quarteirões dos dois Bairros da área do Centro de Saúde através da aquisição de equipamentos de proteção individual para as atividades realizadas na deteção e prevenção de doenças como malária, diarreia e cólera, a AMI financiou o projeto “Manguana – Prevenção de Doenças de Potencial Epidémico”. A iniciativa decorre em parceria com a Associação Anjos Terrestres e o Centro de Saúde da Manga Nhaconjo, na Beira, em Moçambique, e beneficia mais de 14.000 famílias dos bairros 13 e 14 da cidade da Beira.

a intervenção decorre nos bairros de lata urbanos, nomeadamente, em 4 campos de refugiados Bihari e ainda nas comunidades de acolhimento locais, beneficiando 4.700 pessoas diretamente e 28.200 pessoas indiretamente.

AMI e Auchan angariam material escolar

A AMI e a Auchan voltaram a unir esforços pelo 15.º ano consecutivo para angariar material escolar para 3.485 crianças e jovens apoiados nos Centros Porta Amiga da AMI em Portugal. À semelhança das campanhas anteriores, o valor angariado será duplicado pela Auchan. As mochilas constituídas pelo material escolar necessário serão montadas numa ação de voluntariado nos dias 12 e 13 de setembro, num espaço do Regimento de Transportes do Exército Português, em Lisboa, cedido pelo Estado-Maior do Exército.

Reflorestar o Pinhal de Leiria

Sob o mote, “Vamos pintar Portugal de verde”, a AMI lança o desafio de plantar mais 5.000 árvores no Pinhal de Leiria, no âmbito do projeto Ecoética. Desde 2011, a AMI já reflorestou mais de 400.000 m2 de terreno com mais de 40.000 árvores, mas foi a partir de 2017 que direcionou o projeto para as áreas afetadas por incêndios.

A recuperação de 1m2 quadrado de terreno custa 1 euro, contemplando o levantamento topográfico, licenciamento, limpeza, preparação do terreno, reflorestação, usando sementes autóctones e certificadas e manutenção do terreno reabilitado durante os primeiros 5 anos.

Recolha de géneros nas lojas Aldi

Nos dias 13 e 14 de outubro de 2024, decorrerá uma recolha de géneros alimentares e de higiene em 9 lojas Aldi em todo o país (Almada; Cascais; Coimbra, LisboaAreeiro, Campo de Ourique, Benfica e Telheiras; Porto e Gaia).

A AMI contará com a ajuda imprescindível dos seus voluntários para levar a cabo esta missão.

Esta é uma iniciativa fundamental, uma vez que a alimentação é uma das principais necessidades identificadas pelos beneficiários.

Voluntariado com o Sporting CP

No dia 21 de junho, o Centro Porta Amiga de Almada recebeu a visita de 60 colaboradores do Sporting Cube de Portugal, que reabilitaram o terraço, tornando-o num espaço de convívio mais bonito e acolhedor para os beneficiários deste equipamento social da AMI. Os voluntários participaram ainda na triagem e separação de roupa.

AGENDA AMI

17 SET

Sessão informativa No Planet B (online)

24 SET

Sessão Informativa No Planet B (Funchal)

20240724_NPB_163x179mm.pdf 1 24/07/2024 17:54

27

A 29 SET

Sessão Informativa No Planet B (Greenfest, Braga) 13 E 14 OUT

Recolha de géneros nas lojas Aldi

1 SET A 31 OUT

Candidaturas Fundo Universitário AMI

Estabelecer uma ponte entre a ciência e a sociedade para promover uma estratégia de transição inclusiva.

LINHA DE FINANCIAMENTO PARA PEQUENAS ORGANIZAÇÕES DO SECTOR AMBIENTAL

CANDIDATURAS ABERTAS EM SETEMBRO mais informações em www.ami.org.pt

VOLUNTARIADO

Lisboa

Campanha Escolar Solidária AMI/Auchan

Triagem e preparação de material escolar

12 e 13 de setembro; 9h30 às 13h00; 14h30 às 18h00

Apoio logístico na distribuição de material escolar 16 e 17 de setembro; 9h30 às 13h00; 14h30 às 18h00

Cascais

Centro Porta AMIga de Cascais

Voluntários para atividades de tempos livres Espaço de Prevenção à Exclusão Social da Criança

Porto

Centro Porta AMIga do Porto Voluntários para distribuição alimentar: 15h00 às 17h00

Lisboa, Almada, Cascais, Coimbra, Vila Nova de Gaia e Porto

Supermercados ALDI

Recolha de Bens Essenciais: 12 e 13 de outubro

Centros Porta AMIga, Abrigo e Apoio Domiciliário

Voluntários especializados em psiquiatria, psicologia, enfermagem, medicina e informática

Voluntariado à Distância

Taleigos Amigos

Confeção de sacos de pano para doar à AMI

Missão Natal

Financiamento e distribuição de cabazes de Natal

Pinhal de Leiria

ECOÉTICA: Financiamento e participação em ação de reflorestação 1.º trimestre de 2025

Norte a Sul

Peddy Paper Objetivos de Desenvolvimento Sustentável Teambuilding Empresarial

Para apresentação de propostas, por favor, contacte-nos através do e-mail: voluntariado@ami.org.pt

[FICHA DE CANDIDATURA ONLINE]

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AMI Notícias nº 93 by Fundação AMI - Issuu