Especial
Fotos: Carlos Grevi
Reação da PM repercute
Protesto | Campos aderiu às manifestações que ganharam o mundo
ra Afrobrasileira na Educação Básica, mas, na prática, isso não é cumprido. Há um sentimento coletivo de que isso não é importante”, destacou Simone Pedro. Segundo ela, é preciso que as pessoas entendam o que é o racismo. A coordenadora do NEABI-UENF, Maria Clareth, reitera a importância das ações afirmativas que visam inserir o negro em espaços sociais que há pouco tempo lhes eram relegados, como a política de cotas. “Essas ações têm resultados positivos, mais ainda há muito a ser feito para alcançarmos a tão sonhada equidade”, disse. Valendo-se da circunstância da pandemia, Simone compara o racismo a um vírus: “É preciso entender o tamanho que ele tem, onde se esconde e onde ele ataca para que a gente possa começar a combatê-lo. Por isso é importante explicar para as pessoas o que é o racismo e mostrar, seja por meio de protestos, seja por meio de uma verdadeira revolução pedagógica, que ele não se mostra em ações isoladas, mas está sedimentado em nossas estruturas sociais”, afirmou. Racismo em Campos Campos é uma cidade de notória importância para a história do país e muito do sucesso de sua produção se deu devido à força do trabalho escravo. Simone Pedro pontua que o número de pessoas escravizadas no território que hoje compreende o município era desproporcional ao número de pessoas livres, sobretudo dos brancos que os tinham como propriedade. “Considerando o fato de que esses negros não foram plenamente inseridos na sociedade, não é de se estranhar que os pretos e pardos ainda são maioria, encontram-se sobretudo nas periferias da cidade, vivendo em situações precárias e são os que têm menos acessos os serviços e bens públicos”, destacou. Contudo, segundo ela, esse fato não significa que o preconceito advém da condição socioeconômica dos negros. “Mesmo pessoas pretas que pertencem a classes sociais mais favorecidas sofrem atos discriminatórios na cidade”, afirmou.
O segundo ato, ocorrido na última quarta-feira (10), na Praça São Salvador, reuniu cerca de 100 pessoas e também teve a presença da Polícia Militar. Porém, os policiais não interferiram. “Hoje os policiais estão aqui para garantir a nossa segurança, o que deveria ter acontecido da primeira vez”, comentou Totinho. Para o jornalista e embaixador do Conselho Pan-Africano no Brasil, Rogério Siqueira, é preciso que a polícia se retrate pelas ações no primeiro ato. “A polícia está tomando partido, o que não deveria acontecer. Tivemos outras manifestações em Campos no período da quarentena e, em comparação, percebemos que a polícia deu tratamento desigual. A gente quer tratamento igualitário e que os limites da função da polícia sejam respeitados. É necessário que a PM se retrate por meio do seu comando e admita que errou. É óbvio que a gente reconhece as contribuições que o 8º BPM dá à nossa segurança pública, mas quando erra tem que reconhecer e pedir desculpas à sociedade e aos negros e negras que estavam ali e sofreram uma violência desproporcional”, comentou. A reportagem questionou, por email, o comando da Polícia Militar em Campos sobre a ação poli-
Nos últimos dias, Campos teve dois protestos antirracistas sendo que o primeiro deles ganhou notoriedade, principalmente, pela repressão da Polícia Militar que, em ação truculenta, jogou gás lacrimogêneo em cerca de 15 manifestantes que protestavam seguindo as recomendações de afastamento e com máscaras para prevenção contra o coronavírus. O caso teve ampla repercussão e foi repudiado por instituições. O advogado Jorge de Assis, presidente da Comissão da Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Campos emitiu uma nota de repúdio, em nome da OAB, em que chamou a ação da polícia de “desproporcional, desnecessária, inconstitucional e inconvencional”. “O ato foi brutalmente reprimido pela polícia sem a menor razão de ser. Os policiais desafiaram, inclusive, a Constituição, no artigo 5º, inciso 16, que diz que todos podem se reunir pacificamente sem armas em locais aberto ao público, independente de autorização. O cidadão tem o direito de protestar e expressar sua ideia. Aquilo que aconteceu é inadmissível e nós da OAB vamos enviar uma notícia ao Ministério Público para que apure aqueles os autores sejam punidos”, falou.
Família | Andrea Menezes com seus filhos Bernardo
cial durante o primeiro ato. Por meio de nota, a Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar informou que “Os policiais militares estão instruídos a priorizar a conscientização e o diálogo no contato com os cidadãos” e ainda que “os manifestantes não obedeceram a ordem de dispersar e foi necessário o uso de armamento de menor potencial ofensivo para que a determinação fosse cumprida”, informou a nota. A reportagem perguntou novamente o motivo das agressões, já que os manifestantes eram poucos e mantiveram a distância, mas não recebeu resposta.
Aqui, todos têm sangue negro
Didi segurando a taça Jules Rimet
Amarildo
Wilson Batista
Aloysio Balbi Que o Brasil foi o último país a abolir a escravidão, em 1888, isso é fato. Que Campos foi a última cidade a cumprir a lei, isso é fake. A historiadora Silvia Paes afirma que essa informação não tem fundamento. Segundo ela, essa versão não encaixa com o movimento abolicionista de Campos, que tinha à época entidades denominadas “Liras”, que tinham como objetivo angariar recursos para comprar a alforria dos negros. Ao mesmo tempo, antes da abolição,
Mercedes Batista
Zezé Motta
muitos senhores libertaram seus escravos espontaneamente. A história de que Campos teria sido a última das cidades a manter os negros sob o ferro do suplício se descaminha ao seguirmos os rastros do jornalista negro José do Patrocínio, o Tigre da Abolição, que era campista e um dos principais ativistas da causa. “O fato é que, em Campos, hoje, mesmo os que têm cabelos loiros e olhos azuis, têm sangue negro correndo em suas veias. A miscigenação aqui foi bem acentuada. Mas é importante salientar que a miscigenação não impede que haja o pre-
Nilo Peçanha
Roberto Ribeiro
conceito racial em nossa sociedade”, disse a historiadora. Em se tratando de personagens negros, a história de Campos não se limita a José do Patrocínio. Existem outros vultos em áreas diversas: na política, Nilo Peçanha, que era negro chegou à presidência da República. Nas artes, Mercedes Batista foi a primeira bailarina negra do Teatro Municipal do Rio; incluem-se aí os sambistas Wilson Batista, Roberto Ribeiro e a atriz Zezé Mota. No futebol, dois bicampeões — 1956 e 1956 — Amarildo e Didi. Uma galeria acima de qualquer cor.
COM O PRECONCEITO
Vinícius Faria, administrador público
“Nós, aqui no Brasil, temos essa questão racial um pouco camuflada e alguns atos que podem parecer brincadeiras, no fundo estão cheios de preconceito. A gente aceita o negro no futebol, no pagode, e fazendo atividades de cunho popular, mas quando o negro ocupa posições sociais majoritariamente ocupadas por brancos, isso é colocado em cheque. Você não vê muitos negros como médicos ou juízes. Eu já sofri preconceito dentro da escola em uma época que isso não era muito discutido. Um professor me chamou na frente da turma, olhou pra mim e disse “isso aqui é pra vocês verem como a coisa fica quando fica negra”. Os alunos riram e eu fiquei muito constrangido. Eu tinha mais ou menos 12 anos e não contei nem pra minha mãe. Lógico que até hoje sofremos preconceitos de forma velada, mas esse foi o que mais me marcou.”
Totinho Capoeira, presidente do Conselho Municipal de Igualdade Racial “Uma vez fui para um evento em uma universidade em Ilhéus, na Bahia, e fiquei hospedado em um resort com minha companheira. Nesse resort, não tinha ninguém preto, nem para servir comida, nem para limpar chão. Os pretos estavam todos na cozinha ‘trancados’, quando eu passava, eles me olhavam pela porta da cozinha para ver quem era, porque ali não tinha circulação de pretos. Quando fomos encerrar a hospedagem, a recepcionista perguntou a minha esposa de qual banda era ela dançarina e eu falei que éramos dois professores. Quando a gente saiu, teve funcionário negro que pediu para tirar foto com a gente, porque não era comum negro hospedado ali. Isso pra mim foi muito triste. Eu e minha esposa saímos de lá chorando".
Jorge de Assis, presidente da Comissão da Igualdade Racial da OAB Campos “Os descendentes do povo africano cotidianamente sofrem as agruras do racismo, que é muito doloroso do ponto de vista emocional. Não importa a posição que a pessoa ocupa, todos da pirâmide sofrem, independente se estão na base ou no topo. Há alguns anos, eu estava na Praça São Salvador, aguardando o ônibus da OAB. Eu estava na frente, mas quando o ônibus chegou, eu cedi a vez para uma colega e para um advogado já mais idoso, como um ato de cavalheirismo. Eles subiram e quando eu fui subir, o motorista me perguntou se eu era advogado mesmo. Eu estava de terno e gravata, com um broche da OAB na lapela do terno e ainda assim ele me questionou. Aparentemente é uma pergunta boba, mas os outros que estavam na frente, a nenhum foi perguntado se era advogado".
Stella Tó Freitas, comunicóloga
“Pela nuance da minha pele, o racismo chega muito superficialmente, mas eu o sinto de várias formas. Seja em não ser respeitada como profissional, seja de pessoas que julgam meu cabelo, seja de pessoas que simplesmente ignoram minha presença ou fala em alguns lugares. São situações constantes. As pessoas não-negras precisam estar abertas ao diálogo. Ouvir é fundamental. O Brasil tem pouco mais de 500 anos e 300 deles foram de escravidão da população negra. Há muitos anos estamos falando, gritando e muitas pessoas sequer param para nos ouvir. O estado ataca, agride e reprime pessoas negras, não é de hoje. Em uma cidade conservadora como Campos que aplaude o discurso do executivo federal, é preciso ter muita cautela e estratégia”.