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‘Quero ser governadora eleita’

Assim,

Como vice-governadora do Distrito Federal, coube a Celina Leão (PP) assumir o comando da capital federal após a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, de afastar o titular do cargo, Ibaneis Rocha, por 90 dias. Sua expectativa é que ao final desse prazo, o titular volte. Tão pouco acredita que tem chances de prosperar qualquer processo de impeachment.

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Segunda mulher a comandar o GDF, Celina assumiu o posto em meio à crise deflagrada pela invasão das sedes dos três Poderes da República no dia 8 de janeiro e às suspeitas de negligência do governador e do então secretário de Segurança Pública, Anderson Torres, atualmente preso. Uma tarefa, no mínimo, espinhosa para quem percorreu o país durante o segundo turno da eleição presidencial ao lado da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e da senadora Damares Alves (Republicanos-DF).

Nada que intimide essa goiana de olhos claros, cabelos loiros e muita personalidade, que fez sua estreia na política em 2011, como, deputada distrital. Antes de chegar ao Palácio do Buriti, exerceu mandato de deputada federal e ganhou destaque como coordenadora da Secretaria da Mulher na Câmara dos Deputados.

Como definiria Celina Leão para quem ainda não a conhece?

Celina Leão é uma mulher que foi forjada pela força da resistência, muita luta, muito trabalho, mas na sua vida pessoal é uma pessoa muito simples, atleta que gosta de coisas simples, de esporte. Goiana, fui criada no interior de Goiás, mexendo com cavalos. Então eu tive uma infância muito simples, com pessoas do meio do rural. Montei cavalos muitos anos para fazer competição de provas. Aprendi que a verdadeira felicidade somos nós que construímos, não é a busca incessante por coisas. A felicidade são momentos que você precisa estar em paz. Eu acho que isso foi uma coisa muito importante para todos esses processos políticos que eu venci e para ser a mulher que eu sou hoje, desde dormir em qualquer lugar, comer qualquer comida e estar feliz com aquilo. Simplicidade é uma coisa que fez parte da minha infância, que eu carrego toda vida, ajudou muito na minha campanha política. Estar ouvindo você perguntar, qual é o melhor dia do seu gabinete? É o dia que eu estou na rua. Sou mulher forte que tem a bandeira da mulher também como uma bandeira de vida.

Na Câmara dos Deputados, a senhora destacou-se como coordenadora da Bancada Feminina e, em algumas ocasiões, foi obrigada a reagir de forma dura para que fosse respeitada por alguns colegas homens. O que mais afasta a mulher da política atualmente?

Acho que é o próprio ambiente, que deixa ainda a mulher muito temerosa de participar da vida pública. A própria estrutura partidária é muito machista. Nós temos poucas mulheres que participam por esse temor de perder algo. Tivemos uma vitória tímida (em 2022), saímos de 79 para 91 deputadas (federais) eleitas, um crescimento de apenas 18%, mas aumentamos.

Nós tínhamos feito uma perspectiva de crescermos 30%, trabalhamos para isso, desde que pactuamos junto ao TSE re- soluções que beneficiaram as mulheres nas inserções dos programas eleitorais em horários com mais visibilidade, porque não existia uma grade específica para mulheres. A própria estrutura ainda é muito machista, mas eu acho que as mulheres se percebem em outras mulheres e vão vencendo.

Hoje estava recebendo uma deputada, a primeira deputada negra da história do DF, delegada que venceu na vida através dos estudos, trabalho, força de vontade. Então, são mulheres como eu, como a delegada Jane, como tantas outras que tiveram coragem de buscar um mandato. Eu sempre falo, se você acredita no que você faz, se você tem uma bandeira no seu coração, vá à luta, não tenha medo.

Durante a campanha eleitoral de 2022, a senhora manifestou seu apoio à candidatura de Jair Bolsonaro, assim como Ibaneis. A senhora acredita que isso possa limitar ou atrapalhar a relação do GDF com o governo Lula?

Não, sou uma democrata, acredito que os Estados e o Governo Federal têm que governar para todos os brasileiros. Nós somos 58 milhões de brasileiros que votaram no presidente Bolsonaro, aqui no DF, a maioria optou pelo presidente Bolsonaro, mas nós teremos como presidente da República Lula. Eu também preciso respeitá-lo, porque ele foi eleito também de uma forma democrática.

No dia da nossa diplomação, eu fiz um discurso que iríamos ter um governo para todos, que a oposição seria respeitada, as divergências seriam respeitadas e que nós iríamos governar para todos, essa unidade, sem saber que iríamos passar um problema tão grave como nós estamos passando. É preciso ter a capacidade de entender o que são as instituições e a democracia nesse momento. O presidente Lula vai ter que governar para todos. Eu, aqui, para todos e todos os demais governadores.

A senhora é a segunda mulher a assumir o GDF? Como recebeu a notícia de que assumiria o lugar de Ibaneis Rocha por 90 dias?

Com muito pesar e muita tristeza. É um momento de muita dificuldade, onde nós éramos notícias em veículos internacionais e eu sabia o tamanho da responsabilidade, sempre entendi assim que o governador sempre foi muito diligente nessa parte de relacionamento com os Poderes.

Foi uma decisão muito dura para nós e precisávamos mostrar para população do DF, que eles elegeram um projeto que tinha um governador e uma vice, e a gente espera que seja de forma temporária mesmo, e que poderiam contar com aquela chapa completa. Tenho certeza que eu agreguei votos para o Governador Ibaneis, fiz parte do projeto político dele e, hoje, estou numa condição de extrema lealdade aqui na minha posição.

Desde o afastamento, eu nunca despachei da sala do Ibaneis, não quero a cadeira do governador Ibaneis. Tenho trazido para a cidade a normalidade, para que a gente tenha as condições políticas e o governador possa pleitear o retorno dele ao Governo do DF.

Como a senhora avalia o afastamento por 90 dias do governador Ibaneis do comando do GDF?

Não quero discutir decisões do Supremo, uma decisão judicial. Acho que foi uma medida que o Judiciário tomou por precaução. O afastamento do governador é judicial e vocês terão uma governadora por 90 dias, que é completamente fiel ao projeto do governador Ibaneis. Em reuniões disse que nesses 90 dias a equipe iria se reportar a mim, para não ter um duplo comando, para que a gente pudesse ter uma cidade organizada, para dar tranquilidade sobre a decisão judicial, que não teria nenhum tipo de interferência no Governo Federal.

Qual sua avaliação sobre a invasão da sede dos 3 Poderes da República no último dia 8 de janeiro?

Eu fui deputada federal, produzi 200 legislações naquela Casa, não tem como você não se impactar. Eu, que acompanhei de dentro do Ministério da Justiça, ao lado do ministro Flávio Dino, ao lado do ministro Alexandre Padilha, todo aquele momento e depois visitei a Câmara, é muito triste, porque você parte um país que sai do campo de ideias e vai para o campo da violência.

Todos os países que começam a apoiar esse tipo de ato e fica validando atos de extremistas, corre o risco de ter um país que vive sobre estado de exceção. E aí você fragiliza algo que é o mais importante que o brasileiro tem hoje, que é a democracia. Então, foi algo muito chocante para mim.

A senhora acha que houve negligência das forças policiais do DF? Como está vendo a intervenção federal sobre a segurança pública do DF?

Houve um apagão na parte da segurança pública, porque todo uma equipe foi trocada. Eu não quero fazer pré-julgamento de ninguém, de nenhuma das pessoas que estavam lá, nem do secretário Anderson Torres. Agora que houve um apagão houve, que as ordens não foram dadas, isso já foi detectado por várias pessoas, pelo próprio Ricardo Capelli (interventor do DF), pelo próprio governador, que havia recebido as informações de que estava tudo sob controle no momento anterior à invasão dos Poderes.

Houve erros, acho que o inquérito vai conseguir apurar onde e porque, quando, quem, quem fez, se foi doloso, culposo, se foi omissão, negligência, tudo isso. Quem tem as condições de fazer todo um diagnóstico é o Poder Judiciário, que está cuidando dos inquéritos.

A intervenção foi necessária, porque nos dá uma garantia. Toda a área que estava sob suspeição foi afastada do GDF, o que nos deu condição de governarmos para que a população tivesse tranquilidade. Então, foi necessário no primeiro momento, inclusive nos dá uma certa tranquilidade, porque todos os dados foram coletados pelo Interventor Ricardo Capelli, trabalhou com as forças de segurança, tem informa- ções, está elaborando relatórios para entregar. O espírito de colaboração nosso foi grande aqui, sabendo da gravidade do momento

De que forma a senhora e o próprio GDF têm contribuído em busca dos responsáveis pelos atos de 12 de dezembro e 08 de janeiro?

Primeiro dando todo o suporte para que a intervenção dê certo e eles colham todos os dados necessários. Isso inclusive já aconteceu, porque há uma negociação deles para nos devolverem a segurança pública. Nós também criamos aqui um gabinete de restabelecimento da ordem, pedimos apuração para Controladoria sobre o envolvimento de possíveis servidores do GDF e fazer as apurações de qual foi a gravidade dos atos praticados por cada um deles. Você não pode ter também uma posição injusta aqui por parte do GDF, mas já mandei que fossem aberto os procedimentos administrativos. Então todas as providências foram tomadas, essa relação de respeito que hoje o governo federal tem conosco e nós temos com ele, conseguimos no meio de uma crise.

Quais serão suas prioridades como governadora interina do DF? Pretende tocar as promessas de Ibaneis na campanha eleitoral?

Nós já fizemos uma reunião da previsão da ocupação do Centrad (Centro Administrativo de Taguatinga), uma prioridade nossa, inclusive já determinei que fosse feito, um laudo para ver quais são as reformas e fazer a licitação. Determinei a licitação, pois vamos ter que fazer para uma obra viária. Temos dois órgãos, que é o Na Hora e o BRB, para que poderão começar o processo de ocupação imediata.

Fizemos uma reunião também com a área de Saúde para que a gente pudesse ter protocolos únicos entre Secretaria de Saúde e IGES, um canal de atendimento ao usuário, onde ele entra, e sabe para onde vai, pois o usuário não tem obrigação de saber o que é IGES e o que é Secretaria de Saúde.

Hoje nós temos 7 sistemas na Secretaria de Saúde que que não conversam entre si, por isso precisamos de uma padronização de atendimento, de cuidar de insumos, do cidadão. E esse contato direto com o cidadão, desde a tele consulta, que tipo de dor você está sentindo, para qual hospital vai ser encaminhado, para o cidadão não entrar no carro e ir de hospital em hospital, sem saber ao certo. Nós fizemos essa reunião já para assinar o decreto do grupo de trabalho, fazer toda a logística.

Também fizemos uma reunião com a secretaria de Educação para o retorno das aulas. Então, o GDF não parou. Tomamos várias medidas, criamos grupo de trabalho com metas, olha, vocês têm tanto tempo para organizar. Acredito que o

Governador Ibaneis gostaria que eu cuidasse da cidade, entregasse a cidade no mesmo ritmo de trabalho que ele tem.

Carregar o piano do Governador e da Vice, está sendo mais trabalhoso, desafiador ou prazeroso do ponto de vista político?

Muito trabalhoso, muita responsabilidade, é um momento que é muito difícil para mim, entende? As pessoas às vezes pensam: a Celina virou a governadora. Eu quero ser governadora eleita, eu sou uma democrata. Estou cumprindo missão porque eu tenho certeza que a vontade do governador era que eu fizesse um trabalho sério pela cidade e cuidasse das pessoas com o mesmo carinho que ele sempre cuidou, então estou aguardando ansiosa o retorno dele.

Passados alguns dias, vão surgindo imagens inéditas do ocorrido dentro do Palácio do Planalto, STF e Congresso. Seria possível avaliar que a PMDF, de alguma forma, foi envolvida, foi complacente com militares do Exército, fez corpo mole em relação aos golpistas?

O que falham são os humanos, as instituições não. Na Polícia Militar estamos com 43 homens feridos. A instituição Polícia Militar sempre deu conta de todas as manifestações que aconteceram aqui. A PM recebe ordens, entendendo então assim, qual foi a ordem que a instituição recebeu? Existia um corpo de inteligência que foi desmontado, então assim, nesse momento que se procuram culpados, culpar a Polícia militar como instituição é um erro gigante e aí tem que individualizar cada conduta, de cada imagem que vem surgindo. E o Ministério Público do DF tem uma competência residual para apurar e acompanhar o caso dos militares, já estão atuando nesse sentido junto com a promotoria militar, mas as instituições não falham. O que falha são homens e mulheres, que muitas vezes erram, e aí precisam ser punidos na medida de sua responsabilidade.

Acredita que poderá haver um impeachment do Governador Ibaneis ou da chapa?

Acho que a democracia prevalecerá e respeitará uma chapa que foi reeleita em primeiro turno, de forma inédita. Acredito que esse processo não tem a possibilidade de prosperar, porque os próprios deputados entendem que o que aconteceu está sendo apurado.

E o novo secretário de Segurança Pública, Sandro Avelar?

É uma pessoa que tem capacidade técnica, trânsito político. Passou por vários governos: Agnelo, Temer, Bolsonaro, em vários cargos estratégicos pela competência. Agora, novamente é requisitado em um momento de crise. Foi o secretário da época das manifestações grandes de 2013 e sempre deu conta do recado e conhece o DF.

Qual seu Plano B?

Não tenho plano B nenhum, eu tenho um plano A que já arquitetei, para os 90 dias desse afastamento, dar o meu melhor, cuidar das pessoas, entendeu? Então isso não está em cogitação na minha cabeça, nenhum plano B.

Perspectivas para 2026?

Claro, um projeto político meu e do governador Ibaneis estava em curso, era a vice, sucessora natural dele. Então, com certeza, perspectiva 2026, um trabalho sério e correto para que a gente tenha aí a possibilidade de ter aprovação da população do Distrito Federal.

Celina por Celina.

Acho que sempre me sai bem nos momentos que eu sou desafiada, dou o melhor de mim. A Celina por Celina é isso, uma mulher como qualquer outra que está aí na nossa sociedade, que teve coragem de se candidatar, de lutar pelo que acredita e que hoje está diante de uma crise institucional, mas que também tem a coragem e força para enfrentar.

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