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Arquitetura Não é Luxo!
O arquiteto Henrique Coutinho, do BLOCO Arquitetos, diz que arquitetura não deve ser vista como luxo e aposta na reestruturação dos centros urbanos.
Brasília é um destaque no mundo por causa de sua arquitetura desde a sua inauguração e continua mantendo a tradição. Em abril de 2023, o projeto do Mercado Mané, complexo gastronômico situado no Eixo Monumental projetado pela equipe brasiliense do BLOCO Arquitetos, foi eleito um dos 50 melhores projetos arquitetônicos do mundo pela conceituada revista britânica Monocle, na categoria “Top Temporary Activation”. O escritório de arquitetura é reconhecido como um dos melhores do Brasil e coleciona prêmios e menções honrosas nacionais e internacionais. Aproveitando a celebração da premiação, Luciana Campos convidou o arquiteto Henrique Coutinho, da BLOCO Arquitetos, para compartilhar suas ideias sobre arquitetura e sua função na sociedade.
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LC: Henrique, arquitetura é luxo? Como a arquitetura pode contribuir para uma sociedade melhor?
HC: Para nós, arquitetura é uma área do conhecimento que é vital para a criação de cidades mais belas, funcionais e democráticas. Nesse sentido, seria essencial que o governo de cada país e cada cidade investisse em boa arquitetura para áreas e equipamentos públicos, que não é o que acontece no Brasil há mais de 50 anos, de forma geral. Por isso, hoje em dia há obviamente um descompasso entre o que fazemos e a forma como a sociedade nos enxerga, pois acabamos por nos distanciar de projetos relevantes na escala pública das cidades. Hoje em dia, muitas vezes a boa arquitetura no Brasil fica restrita a construções privadas (casas, apartamentos e alguns poucos edifícios). Dessa forma, os arquitetos também se distanciaram de algumas de suas prerrogativas profissionais mais importantes, sendo mais conhecidos por atuarem com clientes de alto poder aquisitivo. Somos formados para trabalhar em diferentes escalas de atuação e com os mais diversos programas de necessidades. Criar uma cidade, projetar uma calçada, um conjunto habitacional popular ou desenhar uma residência privada tem complexidades distintas, mas envolvem, ou deveriam envolver, o trabalho de um arquiteto e urba- nista. Por isso, não achamos que a arquitetura deveria ser vista como um luxo, e sim como necessidade básica.
LC: Que conceitos principais você procura contemplar na elaboração de seus projetos arquitetônicos?
HC: Arquiteto é essencialmente um prestador de serviço, portanto, a base do nosso trabalho está em responder e interpretar uma demanda para que o resultado seja o mais adequado técnica, estética, financeira, cultural, construtiva e ecologicamente. Em nosso trabalho, especificamente, simplicidade e racionalidade são conceitos básicos em todos os projetos.
LC: Vocês escolheram montar o escritório do BLOCO no Setor Comercial Sul. Acredita na revitalização da área? Tem algum exemplo de projeto do BLOCO que alterou a dinâmica de um determinado local?
Sem dúvida o Setor Comercial Sul é um dos mais interessantes locais do Plano Piloto de Brasília. A reestruturação de centros urbanos de grandes cidades é uma necessidade em quase todas as capitais brasileiras, mas não é só um fenômeno nacional. Projetos urbanísticos de grande porte envolvendo o poder público, mas também a iniciativa privada, estão acontecendo em quase todos os grandes centros urbanos do mundo. É uma necessidade mundial rever o uso do carro, melhorar espaços e equipamentos públicos, diversificar o uso, pensar espaços inclusivos e seguros para o idoso e para a mulher. No Brasil há muita discussão sobre isso, mas pouquíssima ação. Acredito que podemos melhorar substancialmente nossas cidades quando unirmos a sociedade civil organizada e a política. Ocupar o SCS é parte da estratégia de discutir essa região da cidade e fazer com que ela seja social e economicamente viável. O potencial é gigante!
Em termos de algum exemplo específico no qual tenhamos trabalhado, há o Mercado Mané. Trata-se de um projeto de reaproveitamento de uma estrutura de cobertura existente ao lado do Estádio Nacional e sua transformação em um mercado gastronômico, um “oásis” no meio de uma área que foi deixada deserta e inacabada após os jogos olímpicos e Copa do Mundo, em Brasília. Sua construção mudou completamente a dinâmica de uso daquele espaço e o qualificou, mostrando possibilidades de uso para áreas similares na cidade. Recentemente esse projeto foi publicado pela importante revista britânica “Monocle”, que o premiou como um dos “50 melhores projetos de 2023” em uma lista que reúne arquitetura, design e mobiliário. O prêmio “Monocle Design Awards 2023” foi conferido na categoria “Top Temporary Activation” (Melhor Ativação Temporária). Trata-se de um projeto temporário, pois ele será desmontado em seis anos para a cons- trução de um grande complexo comercial nos arredores do estádio. O Mercado Mané também foi um dos 15 projetos finalistas do “Prêmio Obra do Ano 2023” do Archdaily Brasil .
LC: Num país heterogêneo, com grande desigualdade social e com problemas econômicos como o Brasil, há espaço para se preocupar com arquitetura?

HC: Como disse anteriormente, infelizmente a sociedade ainda vê a nossa profissão de maneira excludente e elitista, mas podemos mudar isso agindo de maneira respeitosa e efetiva. Precisamos convencer nossos clientes a fazer menos muros, menos vagas de garagem, menos cômodos minúsculos de serviço� precisamos convencê-los a melhorar as calçadas, praças, iluminação pública. Precisamos nos envolver com governos locais, associações de classe e outras organizações comunitárias para que possamos atuar numa escala mais abrangente. Isso é pouquíssima coisa, mas faz muita diferença e pode ser um bom começo! Arquitetura, sozinha, não pode mudar o mundo. Porém, ela pode ser parte importantíssima dessa mudança.
LC: O trabalho de seu grupo é reconhecido internacionalmente e o BLOCO está entre os principais escritórios de arquitetura do país. Qual é o segredo do sucesso?
Muito trabalho, autocrítica, persistência, resiliência e acima de tudo muito respeito por quem nos contrata e por quem constrói o que projetamos. Respeito deve existir em todas as etapas do nosso trabalho, desde o cliente ao pintor. Sempre aprendemos a escutar mais do que a falar.