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A droga da velocidade

Há quem diga que a velocidade produz nas pessoas efeito similar ao das drogas. Não conheço estudos científicos que confirmem isso, nem tenho qualificação para empreendê-los, mas ouso fazer uma suposição. Podemos não saber no caso dos indivíduos, mas há fartos indícios de que a velocidade é uma droga para a sociedade.

A percepção que temos é a de que incrementos de velocidade nos trazem grandes benefícios em termos de ganho de tempo. Ou, de forma mais intuitiva, reduções de velocidade provocam perdas inaceitáveis no nosso precioso tempo. Mas será que é isso mesmo? Se examinarmos essas perdas e ganhos com racionalidade confirmaremos mesmo a grandeza dessas percepções?

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Um exercício que gosto de fazer com meus alunos é pedir para eles calcularem quanto tempo economizariam percorrendo a 80 km/h os aproximadamente quinze quilômetros do Eixão, entre a Ponte do Bragueto e o Viaduto Camargo Corrêa, sem precisar reduzir a velocidade no Buraco do Tatu, em comparação com a realização do mesmo percurso a 60 km/h.

A título de curiosidade, especialmente para quem não mora em Brasília, quinze quilômetros em um ambiente urbano é uma distância bastante considerável, que raramente se consegue percorrer de forma contínua, ininterrupta. Tudo bem, no Rio de Janeiro corresponde mais ou menos à extensão da Ponte Rio-Niterói. Mas em geral são trajetos saturados, com retenções e interrupções. Se estivéssemos falando da Região Metropolitana de Belo Horizonte, por exemplo, quinze quilômetros é mais ou menos a distância entre o centro da cidade e o município de Betim. Ou, saindo do centro de S. Paulo, rodando quinze quilômetros consegue-se atravessar Osasco e chegar a Barueri. Ou seja, percursos longos e demorados.

Em Brasília, porém, mantendo a velocidade estável na marca de 80 km/h, é possível cruzar a cidade de Norte a Sul em pouco mais de 11 minutos. E se a viagem se der a 60 km/h, gastam-se apenas 3 minutos e 45 segundos mais. Isso mesmo. Se as autoridades de trânsito do DF propusessem a impopular redução do limite de velocidade no Eixão, provavelmente enfrentariam pesadíssimas reações, mas estaríamos falando de uma perda de menos de quatro minutos, tempo que só dá para tomar um cafezinho se ele estiver frio.

Em termos de segurança, porém, que racionalmente deveria contar mais que as percepções e falsas sensações, deveríamos estar falando de vidas poupadas. Estudos sérios estimam que, em casos de atropelamentos a 30 km/h, 5% das vítimas morrem. A 50 km/h, a taxa de mortos já chega a 45%. A 80 km/h, nenhum atropelamento deixa sobreviventes. Isso porque a energia envolvida no impacto não é proporcional à velocidade, mas ao quadrado dela. Em outras palavras, quando a velocidade dobra, o impacto do atropelamento é multiplicado por quatro.

Essa é que é a dura realidade. Ou seja, se quisermos mesmo falar de uma política de combate às drogas que realmente impactam na população, incapacitando pessoas, ceifando vidas e desagregando famílias, a velocidade precisa figurar como séria candidata a alvo número um.

* Paulo Cesar Marques da Silva é professor da área de Transportes da Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília. Possui graduação em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal da Bahia (1983), mestrado em Engenharia de Transportes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1992) e doutorado em Transport Studies pela University of London (University College London) (2001).

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