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O médico, os exames e o paciente
Frequentemente atendo em meu consultório pessoas me pedindo que eu lhes solicite o maior número de exames possível: “Doutora, me investigue dos pés à cabeça, peça todos os exames que puder”. Muitas vezes, nem têm queixas clínicas relevantes, mas são motivados pelo grande medo de doenças ou da morte. Outras vezes, pacientes me mandam resultados de exames pelo WhatsApp me perguntando se está tudo bem. Não me contam nem o que estão sentindo, mas estão preocupados em saber o que mostram os números e os laudos. Preciso, nesses casos, explicar-lhes que não é possível interpretar exames sem ter uma suspeita clínica levantada numa consulta clínica adequada. Isso tem me feito questionar: quando foi que nós médicos deixamos nossos pacientes terem a impressão de que o resultado de exames é mais importante que a cuidadosa escuta da sua história, um exame físico minucioso e a elaboração de um bom raciocínio clínico?
É importante entender que os exames são pequenas amostras de um todo muito complexo representado pelo organismo humano. Não é possível avaliar toda a saúde de um indivíduo através de exames de sangue, como pensa uma boa parte das pessoas leigas. Cada doença tem alterações laboratoriais específicas e é preciso formular uma suspeita diagnóstica antes de solicitá-los. Além disso, todo exame tem uma taxa de falsos positivos e de falsos negativos, e o médico tem que considerar prosseguir com a investigação de sua hipótese diagnóstica mesmo que um exame solicitado não mostre o resultado que era inicialmente esperado. Mesmo os exames de imagem, que estão cada vez mais avançados e precisos, têm limitações diagnósticas porque mostram apenas as anormalidades anatômicas e não o funcionamento dos sistemas. Ainda é preciso considerar que os sintomas associados a uma doença não dependem só da disfunção orgânica do corpo, mas também da interação com o sistema psíquico do doente.
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E o que dizer, então, dos exames preventivos, solicitados mesmo quando o indivíduo investigado não sente nada? Sim, há situações em que há espaço para estratégias de prevenção, mas essas devem ser muito bem pensadas e referendadas por estudos científicos, que levam em consideração a prevalência das doenças em determinadas populações e faixas etárias. É recomendada, por exemplo, a realização de mamografia em mulheres acima dos 50 anos para a prevenção do câncer de mama. A realização de colonoscopia para prevenção do câncer de intestino é recomendada em pessoas com 45 anos ou mais. O exame do colo do útero deve ser rotineiramente realizado em mulheres em idade entre 25 e 65 anos de idade. Essas estratégias comprovadamente aumentam as taxas de detecção de câncer e a prevalência elevada dessas doenças em nossa população justifica os custos. Isso pode se refletir na diminuição de mortes por essas doenças. Não adianta, por outro lado, recomendar estratégias de prevenção para doenças mais raras, pois o aumento do número de casos detectados não justifica os custos e o trabalho. Concluindo, o que queiro deixar como mensagem é que solicitar múltiplos exames não é sinal de melhor cuidado com a saúde. A boa prática médica está em saber solicitar os exames corretos com racionalidade, evitando assim gastos desnecessários e o desgaste do paciente. Precisamos urgentemente voltar a valorizar a boa consulta, onde há escuta, atenção, empatia e cuidado. Isso sim, vai se refletir em resultados mais satisfatórios e ganhos para todos os lados envolvidos.

* Luciana Campos é médica gastroenterologista da rede pública e privada, mestre em Ciências Médicas pela USP e pesquisadora clínica no L2 Instituto de Pesquisas. IG: @lucianatcampos.









Rócio Barreto