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6. Ato cooperativo
No tocante à simulação esta é causa de nulidade do negócio jurídico (art. 167 do CC) e não mais de anulabilidade como previa o Código Civil de 1916 (art. 147, inc. II). Como a lei 5.764/71 foi editada na vigência do Código Civil revogado a simulação apareceu no artigo 43 como causa de anulação da assembleia, entretanto com a vigência do Código Civil de 2002 a simulação, seja a absoluta, seja relativa, enseja a nulidade da deliberação tomada na assembleia. O mesmo pode se dizer quanto a deliberação tomada em fraude à lei que é causa de nulidade da assembleia e não de anulação, de modo que não convalesce com o tempo (art. 169 do CC).
6. Ato cooperativo
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Como visto anteriormente as sociedades cooperativas são pessoas jurídicas que exercem uma atividade econômica, em proveito comum dos associados, sem finalidade lucrativa (art. 3º da lei 5.764/71), podendo ter como objeto qualquer gênero de serviço, operação ou atividade (art. 5º da lei 5.764/71). Seus atos são de comércio na forma, mas não na essência, por não existir o lucro, e por não reunir todas as suas características formais. Isso porque, a cooperativa é uma organização de natureza ambivalente, por ser igualmente uma associação e
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uma empresa. É uma associação na medida em que há uma união de pessoas que se organizam para a consecução de fins não econômicos, visto que é constituída para prestar serviços aos seus associados. Por outro lado, apesar de seu fim social, tem certos objetivos em comum com os outros tipos de sociedades, como o de solvência, de modo que precisa realizar atividades econômicas para atender as necessidades de seus associados. A importância de um conceito de ato cooperativo está justamente no elemento que diferencia a sociedade cooperativa que é a sua criação para realizar atividades no interesse exclusivo dos seus associados, que são, ao mesmo tempo, donos e clientes, sendo excepcional a realização de negócios com terceiros não associados. Portanto, o ato cooperativo é o que caracteriza a sociedade cooperativa, de modo que o legislador optou por adotar um conceito, embora nem precisasse fazê-lo, para destacar que o ato cooperativo não é ato de comércio, tendo em conta que os associados são os próprios donos da cooperativa. A lei 5.764/71 traz em seu artigo 79 um conceito de ato cooperativo, dispondo que “denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus
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associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associados, para a consecução dos objetivos sociais”, e que “o ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria”, de modo que a relação jurídica decorrente do ato cooperativo está sujeita aos ditames do direito cooperativo e não do direito comum, embora possa ser aplicado ao ato cooperativo os princípios gerais dos negócios jurídicos e dos contratos, quando compatível e pertinente ao negócio realizado. O Superior Tribunal de Justiça sedimentou na súmula nº 602 o entendimento jurisprudencial no sentido de que o Código de Defesa do Consumidor, lei nº 8.078/90, é aplicável aos empreendimentos habitacionais promovidos pelas sociedades cooperativas, afastando, portanto, a aplicação do parágrafo único do artigo 79 da lei 5.764/71. O ato cooperativo também não se sujeita a legislação trabalhista, pois a relação jurídica entre cooperativa e associados não se caracteriza como relação de trabalho, como destaca o artigo 90 da lei 5.764/71 ao dispor que qualquer que seja o tipo de cooperativa, não existe vínculo empregatício(art. 3º da CLT) entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela (art. 442 da CLT). Entretanto,
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quando a utilização de cooperativas tiver o intuito de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos da Consolidação das Leis do Trabalho (art. 9º da CLT), como o de servir de fachada para mascarar relações de emprego, a nulidade dos atos praticados acarreta o reconhecimento judicial do vínculo de emprego entre o cooperado e o tomador de serviços da Cooperativa (TST-AIRR: 6314089.2003.5.04.0511, Rel. RICARDO ALENCAR MACHADO, 3ª Turma, julgado em 13/06/2007, DJ 03/08/2007). Para a realização das suas atividades as cooperativas podem contratar empregados sob o regime da legislação trabalhista e previdenciária, hipótese em que igualam-se às demais empresas em relação aos seus empregados (art. 91 da lei 5.764/71); podem realizar negócios necessários para o desempenho de suas atividades, como a locação ou compra de imóvel para funcionamento de sua sede, locação ou compra de veículos, de insumos, de serviços de tecnologia e outros, que se enquadram como negócios jurídicos em geral, não se confundindo com o ato cooperativo nem com as operações de mercado realizadas com terceiros. A lei Marco Para as Cooperativas da América Latina adota conceito parecido no seu artigo 7, destacando na
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justificativa que “o conceito utilizado se limita aos atos realizados entre as cooperativas e seus sócios ou pelas cooperativas entre si, sempre em cumprimento do objeto social. Entretanto, existem outras posições legais e doutrinárias que conferem a esta noção um alcance mais amplo, incluindo, por exemplo, as operações com não associados e ainda todas as operações que as cooperativas realizam para cumprir seu objeto social e, especialmente, o ato constitutivo, sendo este compreendido como o primeiro ato cooperativo gerador dos demais. Por isso, postula-se que os atos de mercado praticados pela cooperativa, realizados em cumprimento de seu objeto social, vinculados à atividade dos sócios e por conta deles não implicam em renda, faturamento ou qualquer vantagem patrimonial para a cooperativa” (Lei Marco para as cooperativas de América Latina/ Aliança Cooperativa Internacional para las Américas. 2009, pág. 5). Portanto, os atos cooperativos se distinguem entre atos internos e externos, sendo que os primeiros são os celebrados entre os associados e a cooperativa; e os segundos, são os celebrados com terceiros não associados, mas para benefício de seus associados, ou seja, para poder cumprir seu fim social. O que importa é que o objeto social seja atendido e não haja
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lucro, visto que a distribuição de lucro descaracteriza a natureza da sociedade como cooperativa. “As operações com terceiros são operações tendencialmente lucrativas. O superavit que a cooperativa alcança em tais operações constitui ‘lucro’, no sentido técnicojurídico. Se o lucro assim obtido pela sociedade viesse a ser dividido, por qualquer forma, entre os associados, estariam, sem dúvida, feridos os princípios de identidade e de dupla qualidade. Existem, porém, opções atinentes à destinação desses lucros que eliminam a apontada contradição. Se mediante a prática de negócios com terceiros a cooperativa pode atingir, melhormente, o seu fim, qual seja o de incrementar o status econômico dos sócios e se estes, por outro lado, não se beneficiam dos lucros auferidos (ou porque os mesmos revertem sob a forma de ‘bônus’ aos terceiros contratantes ou porque se destinem a atividades de interesse coletivo), apaga-se, inegavelmente, o caráter comercial daquelas operações, que passam a conviver, sem contradição, dentro dos fins do empreendimento cooperativo, com os princípios aludidos” (Walmor Franke. Direito das sociedades cooperativas, pág. 28/29).
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Como autorizam os artigos 85 e 86 da lei 5.764/71, as cooperativas podem adquirir produtos de não associados para completar lotes destinados ao cumprimento de contratos ou suprir capacidade ociosa de instalações industriais, e podem fornecer bens e serviços a não associados, desde que tal faculdade atenda aos objetivos sociais e estejam de conformidade com a lei. Entretanto, o artigo 87 da lei 5.764/71 determina que os resultados das operações das cooperativas com não associados serão levados à conta do Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social – FATES, de modo a atender interesses coletivos como o fomento da educação ou para fins de assistência social, e serão contabilizados em separado, de molde a permitir cálculo para incidência de tributos, visto que as operações da cooperativa realizadas com terceiros são operações de mercado de natureza contratual, não estando abrangidas pelo parágrafo único do artigo 79 da lei 5.764/71. Outra abertura promovida na lei 5.764/71 (art. 88) é a permissão para que as cooperativas participem de sociedades não cooperativas para melhor atendimento dos próprios objetivos e de outros de caráter acessório ou complementar, como por exemplo a aquisição de ações de sociedade anônima.
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A autorização para realizar operações com terceiros e para participar de sociedades não cooperativas constitui-se num meio de obtenção de capital pela cooperativa para que possa atingir seus objetivos sociais, sendo considerados como renda tributável os resultados positivos obtidos pelas cooperativas nas operações de que tratam os artigos 85, 86 e 88 (art. 111 da lei 5.764/71), de modo a não desvirtuar sua natureza. A lei complementar nº 130/09 (art. 12, inc. VII) contém autorização específica para que as cooperativas de crédito possam participar de sociedades não cooperativas, com vistas ao atendimento de propósitos complementares, no interesse do quadro social, cabendo ao Conselho Monetário Nacional dispor sobre as condições de participação societária em outras entidades, inclusive de natureza não cooperativa. Como explica WALMOR FRANKE o negócio interno ou negócio-fim, comumente, só pode realizar-se em benefício do cooperado se precedido ou sucedido de um negócio externo, ou de mercado, denominado negócio com terceiros ou negóciomeio, que embora sejam negócios distintos há uma íntima conexão entre eles, de modo que os negócios com terceiros são negócios de mercado que se efetuam corno meio de realização das operações internas, sem as quais a existência da
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cooperativa perderia a sua razão de ser (Direito das Sociedades Cooperativas, pág. 24 e 87/88). Para exemplificar, pode-se citar uma cooperativa agrícola na qual o cooperado entrega a sua produção para ser vendida, no mercado interno ou externo, junto com a dos demais cooperados e com a de terceiros quando necessário, para que seja obtido um preço melhor do que se o associado a vendesse individualmente. Nesse caso a cooperativa precisa realizar uma operação de mercado para vender a produção dos seus cooperados para poder remunerá-los, tanto que o artigo 83 da lei 5.764/71 diz que a entrega da produção do associado à sua cooperativa significa a outorga a esta de plenos poderes para a sua livre disposição, inclusive para gravá-la e dá-la em garantia de operações de crédito realizadas pela sociedade, salvo se, tendo em vista os usos e costumes relativos à comercialização de determinados produtos, sendo de interesse do produtor, os estatutos dispuserem de outro modo. São atos cooperativos, dentre outros, a entrega de produtos dos associados à cooperativa, para comercialização, bem como os repasses efetuados pela cooperativa a eles, decorrentes dessa comercialização, nas cooperativas de produção; o fornecimento de bens e mercadorias a associados,
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desde que vinculadas à atividade econômica do associado e que sejam objeto da cooperativa de produção; as operações de beneficiamento, armazenamento e industrialização de produto do associado nas cooperativas de produção; atos de cessão ou usos de casas, nas cooperativas de habitação; prover, por meio da mutualidade, a prestação de serviços financeiros a seus associados, sendo-lhes assegurado o acesso aos instrumentos do mercado financeiro, no caso das sociedades cooperativas de crédito; nas cooperativas de trabalho, inclusive cooperativas médicas, considera-se atos cooperados os serviços prestados pelas cooperativas diretamente aos associados na organização e administração dos interesses comuns ligados à atividade profissional, tais como os que buscam a captação de clientela, a oferta pública ou particular dos serviços dos associados, a cobrança e recebimento de honorários. A cooperativa que se dedicar a vendas em comum pode se registrar como armazém geral, na forma do Decreto nº 1.102/1903, para a guarda e conservação das mercadorias recebidas dos seus associados e de terceiros, podendo também desenvolver as atividades previstas na lei no 9.973/2000, e nessa condição emitir títulos como o Conhecimento de Depósito, Warrant, Certificado de Depósito Agropecuário -
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CDA e Warrant Agropecuário – WA, para os produtos de seus associados conservados em seus armazéns, próprios ou arrendados, sem prejuízo da emissão de outros títulos decorrentes de suas atividades normais, aplicando-se, no que couber, a legislação específica. Trata-se de uma equiparação legal, de modo que tal registro deve ser feito respeitando as características das cooperativas (Waldirio Bulgarelli. A nova lei das sociedades cooperativas, pág. 57). Também poderão operar unidades de armazenagem, embalagem e frigorificação, bem como armazéns gerais alfandegários, nos termos do disposto no Capítulo IV da lei nº 5.025, de 10 de junho de 1966. Por meio do armazém a cooperativa adquire capacidade para receber a produção de seus associados, facilitando a estocagem e a futura comercialização da produção, podendo contar com frota de veículos para a remoção da produção estocada. Portanto, o registro como armazém pode ser de importância logística para a comercialização da produção, gerando ganhos em agilidade e redução de custos. A gestão eficiente dos diversos produtos armazenados, guardando-os em locais adequados de conservação, por um
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