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2. Valores e princípios cooperativos

Como exposto na Agenda Institucional do Cooperativismo 2020 “o cooperativismo é um modelo de negócios viável para milhares de trabalhadores brasileiros se inserirem no mercado, podendo prestar seus serviços com melhores condições e maior lucratividade. Em um mundo com grandes transformações tecnológicas e cada vez mais conectado, o cooperativismo possui um imenso potencial para organizar pessoas em plataformas de aplicativos e de compras coletivas, valorizando o seu trabalho e evitando que os resultados dessas atividades sejam deslocados para poucos, em grandes centros urbanos” (disponível em: <https://www.agendainstitucional.coop.br>, acesso em 18/03/21).

2. Valores e princípios cooperativos

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Os princípios são constituídos de regras universalmente aceitas embora não estejam escritas, que orientam a compreensão do sistema cooperativista, podendo integrar o direito positivo ou estar implícito no sistema jurídico, servindo como norte para o juiz nos casos de omissão legislativa (art. 4º do DL 4.657/42 c/c art. 140 do CPC). Os valores cooperativos da autoajuda, autoresponsabilidade, democracia, igualdade, equidade e

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solidariedade são imutáveis, mas os princípios podem ser revisados e reformulados de acordo com transformações sociais e econômicas ocorridas, mas a essência permanece no sentido de que os princípios orientam a forma através da qual a identidade e os valores cooperativos se traduzem em funcionamento diário de uma sociedade cooperativa. A interpretação e aplicação dos princípios cooperativos deve levar em conta as questões culturais, a dimensão, a fase de desenvolvimento e o objetivo de cada sociedade cooperativa, tendo em conta que possuem caráter orientativo (Notas de orientación para los principios cooperativos. Alianza Cooperativa Internacional, 2015, pág. 3). Aliança Cooperativa Internacional, que é uma organização não governamental sediada em Bruxelas que representa os interesses das cooperativas no mundo, estabeleceu os princípios que regem o funcionamento de toda e qualquer cooperativa no mundo que são seguidos pela Organização das Cooperativas Brasileiras (art. 105 da lei 5.764/71), cujo objetivo é o de promover o cooperativismo junto aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e representa o movimento dentro e fora do país.

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Os princípios cooperativos universalmente aceitos são descritos nas sete proposições a seguir: 1. Associação voluntária e aberta: como expressão do direito de livre associação (art. 5º, inc. XVII e XX, da CRFB/88) as cooperativas são abertas a todos aqueles que queiram se associar e que estejam aptas a utilizar seus serviços, aceitando as responsabilidades de associado, sem discriminação de gênero, raça, condição social, preferência política ou credo religioso, de modo que são características das cooperativas a adesão voluntária de associados e a neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social, como descrito nos incisos I e IX, do artigo 4º e no caput do artigo 29 da lei 5.764/71. Em decorrência da abertura da cooperativa o valor da quota não pode ser obstáculo para aquele que deseja ingressar como associado, e no caso de se exigir uma importância considerável dos novos associados, devem ser disponibilizadas formas de pagamento parcelada (art. 25 da lei 5.764/71) ou disponibilização de crédito para integralização da quota parte. Inclusive o Código Civil (art. 1.094, inc. I) autoriza a dispensa do capital social para a cooperativa como forma de facilitar a sua criação e consequentemente a adesão por novos sócios.

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Os deveres e direitos exigidos dos membros das cooperativas podem variar, mas incluem exercer o direito de voto, de participar das reuniões, utilizar os serviços da cooperativa, aportar capital e, em alguns casos, participar das perdas havidas, quando se tratar de sociedade cooperativa de responsabilidade ilimitada. Como as cooperativas são manifestação da democracia e da solidariedade para possibilitar a transformação na vida dos sócios e da comunidade por meio da melhoria na qualidade de vida, qualquer tipo de discriminação é incompatível com os seus valores. Entretanto, restrições de associação podem ser estabelecidas quando objetivarem justamente a redução de desigualdades, como ocorre nas cooperativas sociais constituídas com a finalidade de inserir as pessoas em desvantagem no mercado econômico, por meio do trabalho, fundamentando-se no interesse geral da comunidade em promover a pessoa humana e a integração social dos cidadãos (art. 1º da lei 9.867/99). As cooperativas de mulheres não afrontam o princípio da livre adesão e da abertura visto que são constituídas justamente para superar a desigualdade de gênero, criando oportunidades para as associadas como a geração de renda para

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mulheres de uma determinada comunidade. Inclusive a Recomendação 193 da Organização Internacional do Trabalho dispõe que os governos ao estabelecer as suas políticas públicas devem prestar especial atenção ao incremento da participação das mulheres no movimento cooperativo, em todos os níveis, em particular nos de gestão e direção. 2. Controle democrático dos membros: significa que as cooperativas são organizações democráticas controladas por seus membros homens e mulheres, que participam ativa e diretamente no estabelecimento de diretrizes políticas e na tomada de decisões, sendo que nas de primeiro grau os associados têm igualdade de direito de voto (art. 42 da lei 5.764/71 e art. 1.094, inc. VI, do CC), independentemente do volume de quotas-parte. A interação dos membros entre si, para possibilitar a exposição e o debate antes de exercer o direito de voto sobre assuntos importantes é decorrência da gestão democrática, visto que um baixo nível de participação permite a um grupo exercer o controle sobre a sociedade cooperativa. Como decorrência do controle democrático está o dever dos dirigentes das cooperativas de prestar contas e de

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seguir um código de conduta estabelecido no estatuto, respondendo pelos prejuízos que causar. 3. Participação econômica dos membros: Os associados contribuem de forma equitativa e controlam democraticamente o capital de suas cooperativas (art. 24 da lei 5.764/71), sendo que parte do montante é, normalmente, propriedade comum da cooperativa e os membros recebem remuneração limitada ao capital integralizado (art. 1.094, inc. VII, do CC), quando há, e os excedentes da cooperativa podem ser convertidos em benefícios aos membros, apoio a outras atividades aprovadas pelos cooperados ou para o desenvolvimento da própria cooperativa, quando decidido democraticamente pelos associados (art. 28 da lei 5.764/71). Por outro lado, as despesas da sociedade serão cobertas pelos associados mediante rateio na proporção direta da fruição de serviços, e quando houver prejuízo estes serão cobertos pelo fundo de reserva ou pelos associados em rateio(art. 80 e 89 da lei 5.764/71). Os atuais membros de uma cooperativa são suas partes interessadas atuais e são também os usuários de seus serviços, seus produtores ou trabalhadores e os guardiães das reservas de carácter indivisível da cooperativa das gerações passadas,

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presentes e futuras. Os membros atuais herdam um legado e tem a responsabilidade de assegurar que a cooperativa sobreviva, como uma empresa sólida e dinâmica, em favor das futuras gerações de membros e, em sentido mais amplo, da comunidade a que serve (Notas de orientación para los principios cooperativos. Alianza Cooperativa Internacional, 2015, pág. 40). Contribuir de maneira equitativa para a formação do capital não significa que todos os membros tenham que contribuir de modo igual, como ocorre com as cooperativas mistas em que se admite o ingresso de pessoas jurídicas privadas ou públicas, estipulando uma divisão em distintas categorias de membros, os quais contribuem com quantias de capital diferentes através de seus títulos de afiliação. 4. Autonomia e independência: fundado no valor da autoajuda a cooperativa é considerada uma associação de ajuda mútua controlada pelos seus membros, de modo que no caso de parceria com outras organizações, inclusive entidades governamentais, ou captação de recursos de fontes externas, devem ser asseguradas a autonomia e o controle democrático da cooperativa por seus próprios associados. É importante destacar que a autonomia e independência das cooperativas não

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deve apenas ser garantida com relação ao Estado (art. 5º, inc. XVIII, da CRFB/88), mas também a qualquer outra organização pública ou privada. A independência em relação ao governo não significa descartar que os governos reconheçam o valor das cooperativas e fomentem o seu desenvolvimento mediante a adoção de políticas públicas, de modo que os governos devem adotar, quando adequadas, medidas apropriadas de apoio às atividades das cooperativas que respondam a determinados objetivos de política social e pública (art. 174, §§ 2º, 3º e 4º da CRFB/88), como a promoção de emprego ou o desenvolvimento de atividades em beneficio de grupos ou de regiões desfavorecidos, como as vantagens fiscais, concessão de créditos, subvenções, facilidades de acesso a programas de obras públicas e disposições especiais em matéria de compras do setor público (Recomendação nº 193 da OIT). As cooperativas como organizações tem a liberdade de atuar de maneira independente para regular a si mesmas, controlar seus assuntos e estabelecer normas de funcionamento próprias, como disposto no inciso XVIII do artigo 5º da Constituição Federal, que diz que a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização,

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sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento, de modo que os artigos 17 a 20 da lei 5.764/71 que dispõem sobre a autorização de funcionamento das cooperativas não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988. 5. Educação, treinamento e informação: o cooperativismo deve proporcionar educação e treinamento para os associados, dirigentes eleitos, administradores e funcionários, de modo a contribuir efetivamente para seu desenvolvimento, devendo informar o publico em geral, particularmente os jovens e os líderes formadores de opinião, sobre a natureza e os benefícios da cooperação, donde se extrai o valor da responsabilidade social. Isto porque, o movimento cooperativista verificou que a educação é fundamental para transformar a vida das pessoas, reconhecendo a responsabilidade que tinham de educar os membros e suas famílias destinando a educação parte do excedente da atividade comercial da cooperativa, como forma de estimular o progresso social. A educação consiste em compreender os princípios e valores cooperativos e saber como aplicá-los no funcionamento diário da cooperativa, mas também se refere a educação em sentido mais amplo que se oferece aos membros para seu

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desenvolvimento social. A educação cooperativa implica a dedicação intelectual de membros, líderes eleitos, administradores e empregados, para que aprendam a complexidade e riqueza do pensamento e da ação cooperativa, assim como seu impacto social. A formação consiste em desenvolver as atitudes práticas que necessitam os membros e empregados para dirigir uma cooperativa de acordo com práticas empresariais éticas e eficazes e para controlar democraticamente a empresa cooperativa de maneira responsável e transparente. Em todas as cooperativas existe também uma necessidade de formar empregados e responsáveis eleitos para que dirijam a atividade da cooperativa de modo eficaz em uma economia competitiva. A informação consiste no dever de assegurar que os demais, que formam parte do público em geral, e em especial os jovens e os líderes de opinião, conheçam o caráter da empresa cooperativa, baseado em princípios e valores, assim como das ventagens que tem para a sociedade uma empresa cooperativa (Notas de orientación para los principios cooperativos. Alianza Cooperativa Internacional, 2015, pág. 65/66). Portanto, por meio da educação/formação é que se alcança a melhor forma de administração de qualquer

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cooperativa, pois somente com a participação consciente e responsável de todo o quadro social é que a cooperativa se desenvolve num processo de autogestão. Pode ser difundida pelas escolas e universidades cooperativas, p r o m o v e n d o a e d u c a ç ã o c o m b a s e n a d e m o c r a c i a , n a c i d a d a n i a , n o d e s e n v o l v i m e n t o d a c o m u n i d a d e e n a c o o p e r a ç ã o , a l é m d a d i v u l g a ç ã o d o c o o p e r a t i v i s m o e d a f o r m a ç ã o d e g e s t o r e s e m c o o p e r a t i v a s . 6. Cooperação entre cooperativas: fundado no valor da solidariedade, o trabalho conjunto e/ou a interação das cooperativas, em níveis local, regional e internacional, fortalecem o movimento cooperativo e atendem os cooperados de maneira mais efetiva, podendo ocorrer a intercooperação entre cooperativas com mesmo objetivo de localidades diferentes ou entre cooperativas com objetivos diferentes para melhor prestação de serviços aos sócios e para ampliação de seu mercado. Através das cooperativas de segundo grau, como as centrais ou a federação (art. 8º da lei 5.764/71), pode-se assegurar melhores condições de acesso ao mercado, de instalações, de armazenamento e de divulgação de produtos,

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além de aumentar o poder de negociação nos processos de elaboração de políticas a nível local, regional e nacional. Deste modo, os membros se beneficiam não apenas das ações de sua cooperativa, mas do impacto de seu engajamento cooperativo e comércio com outras cooperativas (Guidance Notes to the Co-operative Principles International Co-operative Alliance 2015, pág 71), como ocorre numa cooperação financeira entre cooperativas novas ou em dificuldades com outras de maior porte e bem consolidadas, que podem investir parte de seu excedente na economia cooperativa, em vez de fazê-lo nas empresas não cooperativas, ajudando as menores ou em dificuldade que teriam que se socorrer de outras fontes de financiamento. A cooperação também pode ser dar entre cooperativas de setores diferentes através da compra e venda de produtos e serviços, de assistência ou de obtenção de crédito, como pode ocorrer na associação de uma cooperativa agrícola com uma cooperativa de crédito para obtenção de financiamento para o desenvolvimento de suas atividades. 7. Preocupação com a comunidade: o cooperativismo trabalha também para o desenvolvimento sustentável de suas comunidades, através de políticas aprovadas pelos membros

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das cooperativas, em decorrência do valor da responsabilidade social, de modo que o objetivo é gerar benefícios sociais e econômicos não somente para seus cooperados, mas para todos da região onde exerce suas atividades, como a geração local de emprego, a oferta de crédito e de serviços a preços mais acessíveis, a oferta de serviços sociais como a saúde, a educação e a cultura. Através dos benefícios econômicos, ambientais e sociais que cria, melhora os níveis de vida das gerações atuais e futuras, contribui para a coexistência pacífica, a coesão social, a justiça social e o progresso social, e o faz de forma que se proteja e não se degrade o meio ambiente. São objetivos do desenvolvimento econômico das comunidades promovido pelas cooperativas: a redução da pobreza pela geração de empregos e acesso a serviços básicos; a redução da desigualdade de gênero pela participação das mulheres nas atividades cooperativas; promover a educação de qualidade por meio do oferecimento de bolsas de estudo ou por suas próprias escolas e universidades; ofertar serviços de saúde ou o financiamento a eles; incentivar os pequenos produtores e a agricultura familiar; ofertar serviços de fornecimento de água potável e serviços sanitários (art. 1º, inc. I da lei 9.867/99); o

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acesso à energia elétrica para a população rural e o incremento da energia renovável como a energia solar e o biogás; a gestão sustentável dos recursos naturais como o incentivo a agricultura orgânica; a inclusão social permitindo que a população, especialmente os mais pobres, participarem das decisões governamentais; e o fornecimento de financiamento para o desenvolvimento de outras atividades (Cooperatives and the sustainable development Goals – disponível em: <https:// www.ica.coop/en/co-operatives-and-sustainable-developmentgoals-brief>. Acesso em 22/03/21). Os serviços básicos como os sanitários, médicos, a água potável, de saneamento, e de energia além de promoverem a saúde em geral asseguram a dignidade humana, donde se extrai a responsabilidade social do cooperativismo e o seu interesse pelos demais. A preservação dos direitos sociais, do valor social do trabalho e da livre iniciativa e a não precarização do trabalho está relacionada com as normas inscritas no inciso IV, do artigo 4º e no artigo 7º da Constituição Federal. O respeito às decisões de assembleia e a participação dos associados na gestão da cooperativa em todos os níveis de decisão está relacionada ao

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