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As odds da regulamentação
Mercado de apostas é dominante no futebol brasileiro, patrocinando 39 dos 40 times das séries A e B. Urgência de regulamentação e manipulação de resultados joga holofote às casas de apostas
Lucas Zacari O mercado de apostas esportivas tomou as capas dos jornais nos últimos meses. A emergência de um grande esquema de manipulação de resultados no futebol brasileiro e a proposta de regulamentação das empresas operadoras de apostas esportivas por parte do Ministério da Fazenda trouxe receios a apostadores e autoridades sobre essa prática.
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Após a sua legalização com a Lei 13.756, de 12 de dezembro de 2018, a operação das casas de apostas precisava ser regulamentada em até dois anos, com possibilidade de prorrogação por mais dois anos, o que não aconteceu durante o mandato de Jair Bolsonaro. O mercado sem regras impulsionou o número de casas de apostas estrangeiras no país. Segundo o portal Lance!, em janeiro de 2023, cerca de 450 empresas operavam no mercado brasileiro.
De acordo com Tiago Gomes, advogado e mestre em direito comercial, o isolamento promovido pela pandemia de Covid-19 impulsionou o mercado das apostas esportivas no país, já que o futebol era um dos poucos entretenimentos disponíveis em boa parte desse tempo.
Segundo levantamento da SimilarWeb, empresa especializada em tráfego de sites, o acesso brasileiro a essas plataformas em 2022 foi de 3,2 bilhões, o dobro do Reino Unido, segundo colocado no ranking.
“Antes da edição da lei, em 2018, estimava-se que o mercado brasileiro movimentava entre R$ 1 bilhão e R$ 6 bilhões. Após a pandemia, somente em 2022, se fala em algo em torno de até R$ 100 bilhões de movimentação financeira só no Brasil”, explica Gomes. O advogado continua: gente está falando de um mercado que, em promoção, marketing e patrocínios em empresas de telecomunicação para esporte, investiu cerca de R$ 3 bilhões”.
Patrocinadoras do futebol brasileiro
“A ideia de estampar anúncios nas camisas dos jogadores de futebol vai progredindo. Tudo indica que amanhã ou depois será realidade. Mas surgem problemas desde já. Indaga-se: o torcedor do time deverá também vestir o mesmo anúncio, para identificação da torcida?” A frase de Drummond pareceu trazer tons proféticos com o sentido e a importância que o futebol brasileiro passou a dar aos seus mecenas.
Com a falta de regulamentação, os espaços publicitários do futebol brasileiro foram monopolizados pelas casas de apostas. No Campeonato Brasileiro de 2023, 39 dos 40 times que disputam as séries A e B são patrocinados por empresas de apostas esportivas – apenas o Cuiabá não tem esse mercado como patrocinador.
As competições também estão atrelados às apostas esportivas. A Copa do Brasil vendeu o seu naming rights para a Betano, casa de apostas que patrocina também duas das principais equipes da disputa: o Atlético-MG e o Fluminense, ambos eliminados nas quartas de final da atual edição. A segunda divisão brasileira também vendeu o direito do nome para a empresa, sendo que os clubes devem estampar um distintivo com a marca em seu uniforme.
O fenômeno de implosão de casas de apostas dentro do futebol brasileiro vai de encontro à Premier League. Os clubes da principal liga nacional do mundo concordaram em retirar o patrocínio dessas empresas da parte da frente das camisas de jogo, como uma forma de diminuir a publicidade de jogos de azar. A medida entra em vigor no início da temporada 2026/27, com a permissão de estampar em outros espaços da camisa e em painéis de publicidade.
Para Gomes, ainda falta entender a maturidade do mercado de apostas brasileiro para que uma medida radical como essa aconteça: “A gente está algumas décadas atrás da Premier League em termos de organização, em termos de arrecadação. Óbvio que o ideal seria que você tivesse, na publicidade dos jogos, cuidados muito importantes, como hoje se tem seguido na Inglaterra. O jogo é algo muito comum e muito corriqueiro para a população inglesa, então o efeito disso lá é muito diferente do efeito que é pra gente”.
Com o anúncio da intenção de regulamentação por parte do Governo Federal, os oito times do Eixo Rio-São Paulo da série A –Botafogo, Corinthians, Flamengo, Fluminense, Palmeiras, Santos, São Paulo e Vasco – manifestaram a preocupação com esse processo. “É imprescindível que os Clubes de Futebol tenham participação direta nas discussões legislativas que envolvam a regulamentação da atividade das empresas de aposta eletrônica, permitindo-se que se posicionem de forma clara e pública acerca do que entendem justo e correto no tocante à referida regulamentação, visto que ninguém está autorizado a lhes representar nesse debate”, disseram em nota.
Segundo eles, a utilização das marcas e eventos e o tratamento fiscal precisam ser debatidos também com os times.

Apesar desse movimento, Gomes entende que a criação de uma liga seria a única forma de ação consensual entre os clubes:
“Acho que a gente ainda está há alguns anos de conseguir ter esse nível de maturidade e entendimento dos clubes em relação ao que eles podem ou não fazer.
Não me parece que vá acontecer uma postura de auto-regulamentação rapidamente”.
O impacto da regulamentação
Atualmente, a única operação regulamentada no ramo das apostas esportivas é a Loteca (antiga Loteria Esportiva), realizada pela Caixa Econômica Federal, em que se aposta apenas no vencedor ou no empate de 14 partidas. Esse modelo de monopólio, segundo a proposta do governo, seria substituído pelo livre mercado. A partir de uma série de critérios estabelecidos pelo Ministério da Fazenda, serão concedidas permissões limitadas para a operação legal das casas de apostas.
Dentre as obrigações, a empresa deverá ter sede no Brasil para que possa operar. Algumas empresas que estão presentes no esporte nacional são originárias de países com legislações definidas sobre o tema. Já em outros casos, os famosos paraísos fiscais, como Malta ou Curaçao – com pouca ou nenhuma legislação sobre casas de apostas, além de vantagens tributárias –, são as sedes das casas de apostas.
“É uma atividade que quase que exclusivamente acontece no exterior, não tem nenhum benefício econômico sendo colhido aqui no Brasil. Do ponto de vista fiscal, esses recursos passam a estar dentro do Brasil e passam a ser objeto de uma tributação específica pelo governo”, explica o advogado comercial.
A Receita Federal prevê arrecadar entre R$12 bilhões e R$15 bilhões com a tributação das apostas. Essa taxação será de 16% sobre o Gross Gaming Revenue (GGR), aplicada no valor bruto obtido pelas casas de apostas, subtraído aos prêmios dados. Para os apostadores, o prêmio recebido será taxado no Imposto de Renda em 30%, respeitando a faixa de isenção de R$ 2.112,00.
Jogo entre São Paulo (patrocinado pela Sportsbet.io) e Juventude (patrocinado pela Pixbet), pelo Brasileirão 2022.
No entanto, para Rodrigo Alves, presidente da Associação Brasileira de Apostas Esportivas, o modelo proposto é falho, pensado somente na tributação e pouco na atuação do setor. De acordo com ele, tributar o apostador é problemático pois, “na sistemática das apostas esportivas, isso não funciona e não é justo.
