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No coração de São Paulo, Teatro Oficina completa 65 anos de arte e resistência

Projetada por Lina Bo Bardi, a construção fundada por Zé Celso foge do tradicional e integra o público ao espetáculo

C ercado por edifícios altos e novos empreendimentos imobiliários, a construção no número 520 da Rua Jaceguai é uma das poucas que mantém a mesma estrutura desde sua fundação. É neste endereço, no bairro paulistano Bela Vista, que está instalado desde 1958 o Teatro Oficina, que tem como principal fundador o dramaturgo, ator e diretor José Celso Martinez Corrêa — ou Zé Celso.

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Em 2023, o teatro completa 65 anos e as comemorações começaram em maio, com a estreia do espetáculo inédito "Mutação de Apoteose" — o primeiro da companhia dirigido por uma mulher. O musical tem como personagem principal a atriz Cacilda Becker, que é interpretada por diferentes artistas e assume formas físicas, mas também representa uma entidade do teatro.

Na trama, a protagonista decide encenar "Os Sertões", de Euclides da Cunha, e seus estudos da obra a fazem entender como organizar uma companhia de teatro. O espetáculo explora a relação entre a natureza, a arte e a história pelos cerca de 40 metros de comprimento do palco.

O cenário das peças, aliás, passou por algumas mudanças ao longo das décadas de existência do prédio. A atriz e diretora Camila Mota, que dirige "Mutação de Apoteose", conta que na peça de estreia, o lugar ainda pertencia a uma instituição espírita e tinha o nome "Novos Comediantes".

Na época, o espaço tinha uma configuração parecida com a maioria dos teatros tradicionais, com o chamado palco italiano — que tem o formato de uma caixa cuja quarta parede é destinada para o público.

Segundo Mota, foi em 1961 que ocorreu a profissionalização do teatro, quando o prédio e a companhia se tornaram indissociáveis. "Para nós, é uma questão política que não haja separação", diz.

Essa ligação entre as histórias do grupo e do edifício também se conecta à arquitetura do local, que foi transformada conforme as diferentes peças ali interpretadas. Em 1961, por exemplo, o palco italiano foi substituído por um modelo que Mota chama de "sanduíche", em que o palco fica entre duas plateias. O projeto da época é assinado por Joaquim Guedes.

A diretora explica que é a partir de um incêndio em 1965 que o grupo passa a refletir qual arquitetura é ideal para qual repertório e vice-versa. No ano seguinte, o projeto do arquiteto, cenógrafo e artista plástico Flávio Império é concluído. A companhia volta a se apresentar com a peça "O Rei da Vela", de Oswald de Andrade, dessa vez em um palco giratório.

Atualmente, quem entra pelas portas duplas do teatro se depara com uma espécie de rua. Uma das laterais tem janelas de vidro e a outra é ocupada por estruturas de metal semelhantes a andaimes, com três pavimentos onde o público se posiciona para assistir aos espetáculos.

Espaço de arte e resistência

A atual configuração do teatro foi pensada pela arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi, em parceria com Edson Elito, finalizada em 1993. As transformações físicas só mantiveram as paredes de tijolos aparentes, mas a arquiteta também previa a integração da construção com uma extensa área verde voltada à produção artística, a qual nomeava de Anhangabaú da Felicidade.

O problema é que, desde a década de 1970, todo o terreno que envolve o teatro pertence ao Grupo Silvio Santos. Ali, o empresário pretendia construir três torres residenciais de alto padrão com mais de 100 metros de altura. O projeto previa mil apartamentos e andares no subsolo, que poderiam, inclusive, atingir o rio que corre sob o terreno.

A luta de Zé Celso é para que o terreno seja incorporado ao teatro e dê lugar ao parque dos planos de Lina, que ganhou o nome de “Rio Bexiga”. Os prédios pensados pelo “Rei do Baú” também encobririam as enormes janelas e o teto retrátil que integram o ambiente do teatro à paisagem urbana e caracterizam o edifício.

Mais de 40 anos de impasse quase cessaram quando o Projeto de Lei 805/2017, que determinava a implementação do parque, foi aprovado por unanimidade em votação na Câmara Municipal de São Paulo. No entanto, em março do mesmo ano, o projeto foi vetado por Eduardo Tuma, então prefeito em exercício da cidade. No ano passado, uma decisão judicial também impediu a construção das torres.

Em um de seus últimos encontros com o empresário, Zé apontou a velhice dos dois e sugeriu a construção do parque como um legado bonito à cidade de concreto. Silvio, na época com 86 anos, respondeu com uma piada:

Ano novo, novos ares

Em décadas sob o comando de Zé Celso, nenhuma mulher havia assumido a função de coordenar sozinha um espetáculo, mesmo tendo integrantes como Cibele Forjaz, diretora e iluminadora teatral que leciona na Universidade de São Paulo, a USP.

Mota explica que já havia assinado a codireção de peças da companhia, mas "Mutação de Apoteose" é a primeira vez em que leva o título de diretora. Apesar de não ser sua primeira experiência na função, ela nunca havia trabalhado com um grupo tão grande de artistas sob seu comando.

A ficha técnica do espetáculo tem cerca de 70 nomes que respondem a ela, mas o processo acontece de forma "menos vertical", segundo a diretora. Ela afirma que a coordenação dos artistas funciona a partir de acordos, sendo o principal deles o desejo de fazer parte do Teatro Oficina e do espetáculo.

A arquitetura do teatro permite que o público tenha contato mais direto com o espetáculo.

[Foto: Cafira Zoé]

Ao longo do ano, peças como "A Queda do Céu", com direção de Zé Celso, e "O que Nos Mantém Vivos?", de Renato Borghi, farão parte da programação que comemora o aniversário do Teatro Oficina.