
8 minute read
Panamá: o país que não se tornou uma nação soberana em sua independência
O Panamá é famoso no Brasil principalmente pelo canal que leva o seu nome e liga os oceanos Pacífico e Atlântico. Esse canal tem forte relação com a luta por soberania no país canalero
Ana Carolina Guerra
Advertisement
OPanamá é conhecido mundialmente pelo canal que tem o seu nome e corta seu território fazendo a ligação entre os oceanos Pacífico e Atlântico. Essa obra de engenharia é um dos mais importantes pontos logísticos da economia mundial e esse impacto trouxe consequências para o país canalero, entre elas a não soberania sobre seu território durante os 200 anos após a sua independência.
O Panamá comemorou o bicentenário da sua independência da Espanha em 28 de novembro de 2021. Porém, essa data não marca o período em que a nação panamenha se tornou de fato independente e soberana. De 1821 a 1999, o Panamá foi de província da Grã-Colômbia a protetorado estadunidense.
No século XIX, em 28 de novembro de 1821, aconteceu a primeira independência deste país do Istmo Centro-americano que se emancipou da Espanha e foi incorporado à República da Grã-Colômbia. Em 3 de novembro de 1903, devido a interesses estadunidenses, o Panamá se separou da Grã-Colômbia. A partir desta data, o país canalero viveu sob a influência dos Estados Unidos se tornando uma colônia não oficial e só no final do século XX o Panamá conquistou de fato sua soberania.
A primeira permissão de exploração do novo território foi concedida pela Junta de Burgos em 1506. Em 1510, foi fundada a primeira cidade do continente americano, Santa María la Antigua del Darién pela expedição de Fernández de Enciso a Darién. A cidade foi fundada nas antigas terras do cacique Cémaco que foram tomadas pela expedição. Ainda hoje, os historiadores não têm certeza se a tomada do território aconteceu após uma batalha ou se Cémaco se rendeu.

Nas margens do novo oceano, em 15 de agosto de 1919, o conquistador espanhol Pedro Arias Dávila fundou a cidade Nuestra Señora de la Asunción de Panamá, atual cidade do Panamá. A cidade foi nomeada capital da nova colônia e foi a primeira cidade permanente das Américas na costa do Pacífico. Em 1538, foi criada La Audiencia y Cancillería Real de Panamá en Tierrafirme, um órgão do governo e tribunal superior da coroa espanhola para administrar a colônia.
A partir desse período, o Panamá se tornou o ponto de partida para exploração do novo território, o que ocasionou na conquista da região do atual Peru. Segundo o professor Olmedo Beluche, “o Panamá era a ponte para o Vice-Reino do Peru”. Além de o Panamá ter virado um local de trânsito como o principal centro de embarque de ouro e prata que vinham das outras colônias espanholas na américa.
Em 1717, o vice-reinado de Nova Granada foi criado englobando La Audiencia y Cancillería Real de Panamá en Tierrafirme e as terras dos países atuais Colômbia, Equador, Panamá, Venezuela, Guiana e parte do Peru, Brasil e Nicarágua. O Panamá integrou o vice-reinado até a dissolução de Nova Granada no início do século XIX.
Independência do Panamá da Espanha
“Deve-se dizer que o processo foi lento e difícil”, comenta Beluche sobre a Independência do Panamá da Espanha. Visto que enquanto os outros territórios do vice-reinado de Nova Granada lutavam pelas suas independências na década de 1810, o Panamá se manteve como uma das áreas mais leais e melhor controladas pela coroa espanhola até o final dos dez anos de Guerra Civil pela independência. Segundo Beluche, isso se deve a relação do Panamá com o Vice-Reino do Peru, o qual era o mais apegado ao sistema colonial espanhol.
a independência da cidade. Esse foi o primeiro ato de independência do Panamá em relação à Espanha.
Após El Grito de la Villa de los Santos, emissários foram a Simon Bolívar pedir que enviasse tropas para lutar pela independência do Panamá. Enquanto isso, os comerciantes da Cidade do Panamá começaram uma resistência pela independência. No dia 28 de novembro de 1821 foi proclamada a Independência na cidade do Panamá e os últimos soldados espanhóis deixaram o istmo.
O professor Beluche explica que Simon Bolívar ajudou a liderar a independência de
A separação da Colômbia
Em 1819, após a independência da Nova Granada e da Venezuela, esses dois territórios se uniram formando a República da Grã-Colômbia. O Panamá se juntou a esse país em 1821 na sequência de sua independência da Espanha. Assim, a Grã-Colômbia chegou a sua maior extensão, sendo formada pelos atuais países Colômbia, Panamá, Venezuela e Equador.

A partir de 1847, com o início da corrida do ouro na Califórnia, o Panamá começou a ser usado, assim como a Nicarágua, como ponto de trânsito para mercadorias e pessoas que iam de uma costa a outra dos Estados Unidos. Nesse período, várias ferrovias foram construídas por companhias estadunidenses no Panamá.
A importância do Panamá para o trânsito de mercadorias entre os dois oceanos foi um dos pontos fundamentais da economia colombiana naquela epóca. “No entanto, esse é exatamente o motivo que levou à separação do Panamá da Colômbia, porque os interesses norte-americanos começaram a operar lá por conta própria e acabaram produzindo a separação do Panamá da Colômbia”, expõe Beluche.
O estopim da luta pela independência começou no campo em 1821. Nesse período, generais espanhóis forçaram o pagamento de tributos pelos camponeses para financiar o exército regular na Guerra do Equador. Os camponeses cansados de pagar altos impostos e da requisição de alimentos iniciaram o processo de revoltas nas aldeias do interior.
El Grito de la Villa de los Santos foi a mais famosa das revoltas e aconteceu em 10 de novembro de 1821 na cidade de Villa de los Santos. Essa revolta foi liderada por Don Segundo de Villarreal, crioullo de grande reconhecimento na região, o qual organizou a população da Villa de los Santos para tomar o quartel espanhol e declarar toda a área do vice-reinado de Nova Granada e que as vitórias nessas regiões, em especial nas batalhas de Carabobo e de Boyacá, que aconteceram nas atuais Venezuela e Colômbia, respectivamente, influenciaram na luta pela independência no Panamá.

Porém, “Bolívar nunca esteve de fato no Panamá”, afirma Beluche. Ele ainda acrescenta que Bolívar estava preparando uma intervenção no Panamá a partir de Cartagena, mas a independência do Panamá aconteceu antes e o país “se tornou independente por conta própria, sem intervenção do exército bolivariano”.
A Grã-Colômbia foi uma República efêmera e em 1831 Equador e Venezuela se separaram da Grã-Colômbia, resultando no fim da República. “O Panamá permaneceu como parte da Colômbia, como uma ou duas províncias, ou três, dependendo do período e de como a situação política estava organizada”, explica Beluche. Essa região formada por Colômbia e Panamá foi batizada de Nova Granada de 1831 a 1886, quando recebeu o nome atual de Colômbia.
De acordo com Beluche, nesse período, o Panamá era uma importante província da Colômbia, pois é um istmo no Caribe que liga os Oceanos Pacifico e Atlântico por uma distância de 80 quilômetros, que era, em meados do século XIX, muito utilizada por britânicos e estadunidenses para a passagem de mercadorias.
Beluche acrescenta que, em 1880, a empresa francesa Companhia Universal do Canal, que foi a responsável pela construção do Canal de Suez, liderada pelo engenheiro Ferdinand de Lesseps, tentou construir um canal no Panamá, que fracassou por vários motivos. Na década de 1890, os franceses envolveram os investidores estadunidenses para tentar lhes vender o projeto do canal e assim recuperar o dinheiro perdido.
Em 1902, os EUA passaram a negociar um tratado para construir um canal no território da Nicarágua ou da Colômbia e, no final, optaram pela rota colombiana, ou seja, o Canal do Panamá. Assim, em 1903, foi assinado pelos Estados Unidos e Colômbia o Tratado Herrán-Hay, porém esse acordo não foi ratificado pelo Congresso Colombiano, visto que, segundo Beluche, “esse tratado estabeleceu cláusulas abusivas, como a criação de uma zona do canal sob a soberania dos EUA, que foi rejeitada pelas populações panamenha e colombiana”.
O Canal atualmente. [Foto: Rikin Katyal/Unsplash]
Ele adiciona que quando os Estados Unidos percebeu que o tratado não iria para frente, os estadunidenses formaram uma coalizão com setores da classe dominante panamenha de comerciantes para proclamar uma suposta separação da Colômbia, que seria protegida por navios de guerra americanos e, assim, estabelecer um governo fantoche que assinaria o tratado de interesse americano.
“E assim aconteceu. Em 3 de novembro de 1913, o Panamá proclamou a separação. Na verdade, as tropas americanas invadiram o Istmo do Panamá e, em 18 de novembro de 1903, esse governo fantoche assinou um novo tratado chamado Tratado Hay-Bunau Rod, que criou a zona do canal com bases militares americanas e jurisdição americana”, desenvolve Beluche.
Panamá como protetorado estadunidense
A partir de 1903, o Panamá se tornou um protetorado dos Estados Unidos, porque a separação da Colômbia foi uma intervenção americana. “Tanto o tratado quanto à constituição que foram estabelecidos fizeram do Panamá uma colônia dos Estados Unidos. Não somente foi estabelecida uma jurisdição americana na zona do canal com bases militares e tropas estrangeiras, mas todo o país foi controlado pelos Estados Unidos. Os Estados Unidos contavam os votos e decidiam quem era o presidente da República”, fala Beluche, que ainda acrescenta que os Estados Unidos controlavam a produção de água e as obras públicas.
A presença colonial americana era apoiada pela classe dominante, a burguesia. Enquanto isso, o povo, a classe trabalhadora, lutou pela soberania panamenha, em especial nos momentos de crise e conflito. “Durante todo o século XX, a história do Panamá é a luta para romper com esse tratado de 1903, para obter soberania sobre a zona do canal e para aumentar sua independência política e econômica dos Estados Unidos”, ressalta Beluche.
Entre os principais momentos de conflito está a Greve do Inquilino em outubro de 1925, quando a Liga Inquilinaria convocou todos os inquilinos da cidade do Panamá para fazerem manifestações e uma greve geral contra os altos preços dos aluguéis de quartos para os trabalhadores da cidade. Os protestos tomaram as ruas da cidade e, em 11 de outubro, o governo panamenho acordou com os EUA que o exército americano iria intervir nas ruas para reprimir a greve. A intervenção durou até o dia 23 de outubro e resultou em várias mortes.
Durante a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos impuseram um tratado de defesa que envolvia a instalação de mais de 100 bases militares em todo o Istmo do Panamá. Após o fim da guerra, em 1947, os EUA queriam continuar com todas as bases do tratado que estavam fora da zona do canal e a população panamenha, especialmente os estudantes, saíram às ruas para lutar contra essa presença. Em 12 de dezembro de 1947, o povo conseguiu rejeitar o tratado.

O movimento estudantil continuou ativo contra a presença estadunidense. Durante a década de 1950, o movimento estudantil agiu hasteando bandeiras panamenhas no território da zona do canal para dizer que era território panamenho.
Para Beluche, o evento mais importante na luta contra a presença norte-americana aconteceu em 9 de janeiro de 1964. Após estudantes terem sofrido agressões no Instituto Nacional e “zonians”, estadunidenses que trabalhavam no canal do Panamá e vivam na zona do canal, terem pisoteado a bandeira panamenha, um grupo de estudantes panamenhos foi à zona do canal para exigir que a bandeira nacional fosse hasteada ali como um símbolo de que era território panamenho.
Os estudantes foram atacados e depois reprimidos pelas forças estadunidenses. O povo panamenho entrou na luta para combater os estadunidenses. “Em três dias de combate, praticamente uma revolução, cerca de 21 panamenhos morreram e mais de 500 ficaram feridos”, conta Beluche.
Essa revolta popular forçou os Estados Unidos a aceitarem a necessidade de negociar um novo tratado sobre o canal em sua totalidade. Mas houve um impasse entre os lados até a década de 70, quando o Tratado Torrijos Carter foi assinado em 1977. O tratado estabeleceu uma data final para a zona do canal e as bases militares, que era 31 de dezembro de 1999.
Assim, revela Beluche, que complementa que os Estados Unidos continua a ser o principal parceiro econômico do Panamá.

Colaboraram:
Aleksander Aguilar-Antunes: coordernador de O Istmo, organização que busca contribuir para o debate sobre a América Central;
Briseida Barrantes Serrano: coordernadora de O Istmo e diretora de Associação Latinoamericana de Sociologia (ALAS);
Olmedo Beluche: professor da Universidade do Panamá e autor do livro “La verdadera historia de la serparación de 1903: reflexiones en torno al centenario”.
Homenagem à revolta popular de 1964. [Fonte: Wikimedia Archives at College Park]