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Cena 6 – A CARNE
Ela era toda uma prosa florida e muito doce nos seus modos; quando pisava distraída no chão do terreiro meu coração chega balançava, era gangorra de pau d’arco amarrada com cipó fraco, mas era nessa caída que eu me sustentava, as duas pernas como gravetos espetados no lajedo imenso, firme por fora, tremendo por dentro. Sacolejava em mim umas vontades de carne, desejos de esquecimento, coração trovejava um desbalanço, mas não fraquejava, ficava só neste arrupeio, como um cãozinho, latindo por uma promessa. E eu logo fazia o sinal da cruz pra bendizer aqueles pensamentos fora de razão. Afinal o que me dava aquele sentir sem motivo? Desrazoado de todo o juízo, achei até que, se aquilo se não fosse loucura pura era uma
revelação, porque o sagrado tá na vida, eu sei, e eu com todo respeito e cerimônia sempre tive meu zelo pelas coisas do céu, mesmo que nunca fui de promessa nem de acerto, prometi nada, pra seu ninguém, nem pra pai, nem pra mãe, nem pra ela, nem pra mim mesmo, esses acordo nunca me pareceu justo com o que é santo, mas devoto fui de minha vida merma, só tinha devoção pela minha vida e por meu chão, e foi como digo, assim... até encontrar ela... E prometer nada era nosso chamego, nunca fiz promessa de casa nem de boda nesses conformes da mocidade de quem tudo deseja, nada disso eu fiz, ficava só nos pormenor, nos olhar de esguelha, num modo de ser distraído, roubando aqui e acolá uma atençãozinha ou um sorrisozinho, no jeito de tocar os dedos pra entregar uma erva, no chazinho no fim da tarde em cima do banco de couro, ela assentada esperando o brotar da lua, toda querendo ser uma cor do ângelus. Ela sempre assim: de soslaio, cheia de aleivosia e mistério. Ah! Mas ela se ria. Ah! Se ria! E naquela boca se rindo, nisso bastava minha alegria. A minha promessa foi só um silêncio só naquela noite da vereda da lua vermelha, com o céu estampado só pra nós dois, um escar-céu de bandeira estrelada, um infinito escancarado de nossas promessas, assim era nós estirados naquele chão, pronto pra um mergulho.
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E assim foi, e assim se assucedeu, como te digo, ali embaixo daquele umbuzeiro do Caruá, por dentro do oco dos seus galhos, foi ali naquela gruta verde que deitamos na terra coalhada de umbus maduros, todos espapaçados... aquele chão todo molhado, derramando um cheiro de gostosuras de suas polpas. E a luz da lua trespassada pelos galhos, se intrometendo em nosso segredo: xiiii... Minha boca selou aquele destino num silêncio respirado, mordendo sua língua quente com uma respiração de mil palavras, de mil desejos... Os meus dedos cegos e avexados acharam depressa o caminho do seu umbigo e melados do umbu maduro foram se aconchegando e se perderam nas suas profundezas. Meus dedos cavaram a semente daquele segredo. Minha língua toda mergulhou naquela polpa. Tomei coragem e numa suspiração funda montei nela como quem amansa um alazão selvagem. Mergulhei naquela carne e um gozo riscou meu ventre com cheiro de umbu e mulher misturados. Pronto, pensei: eu sou dela e ela é minha! Mas não foi! “Ela minha” era um engano, bestage! Mas a ilusão daquela promessa colheu meu coração para sempre. E foi aí que eu me perdi na carne dela, foi assim, como te digo: sem palavras, sem promessas, assim um do
outro derramados, frutos misturados em sumo, polpa e carne. Eu para sempre seu devoto e ela a minha devoção... Até aquele dia em que ela se perdeu na estrada. Sei lá como foi isso, homi. Maluqueceu com a quentura do sol. Só pode. Desatino. Coisas que são como a morte. Foi na miragem de um mandacaru em flor que minha promessa se foi e nunca mais voltou. Será que é isso que chamam de amor? Nada! O amor mesmo é só uma miragem! (Música)