A memória como projeto: tensões e limites da patrimonialização da capoeira

Page 88

85

caráter contingencial e de subjetivação dos processos de construção de identidade. Em suas palavras: (...) embora tenha suas condições determinadas de existência, o que inclui os recursos materiais e simbólicos exigidos para sustentá-la, a identificação é, ao fim e ao cabo, condicional; ela está ao fim e ao cabo, alojada na contingência (HALL, 2000, p.106).

Neste sentido, a identificação é um processo de articulação entre as possibilidades reais de realização de discursos que nos ajuda a pensar a identidade. Stuart Hall sugere pensarmos a identidade a partir de posições, de negociações que se dão em “rotas”, que “têm tanto a ver com a invenção da tradição quanto com a própria tradição” (2000, p.109), na ideia de Paul Gilroy (2001) do “mesmo que se transforma”. É desta forma que devemos pensar a capoeira como uma construção que se dá na dialética com falas que descrevem e definem oficialmente o que é o esporte, o folclore, o patrimônio cultural e o nacionalpopular. Ao pensarmos a identidade como um posicionamento no qual se atua por meio de vetores entre a “similaridade e continuidade”, e “diferença e exclusão”45 podemos perceber que a capoeira navegou, ao longo do século XX, num processo de nomeação realizado também por seus praticantes, a adequando a termos e categorias que aos capoeiristas escapavam. Foram importantes neste processo de nomeação as relações entre os praticantes e intelectuais atentos à capoeira com maior ou menor proximidade e simpatia de alguns. Ainda ao final do século XIX e início do XX, entendendo a capoeira como uma prática de origem popular e negra, seu lugar de exclusão na narrativa da nação deixou marcas, a definiu como marginal. Posteriormente ela esteve continuamente como importante marcador identitário do nacional por intelectuais diversos, especialmente no campo do folclore, mas não somente, estando seu caráter nacional como justificativa também nas leituras que a defendiam como esporte. Na segunda metade do século XX, definitivamente a capoeira “entra” para os manuais de folclore, sendo a continuidade desta chave de interpretação que servirá de base para a argumentação de sua “entrada” na lista de bens do patrimônio cultural em 2008. Configura-se então uma hipótese de trabalho que, na chave do folclore, a capoeira esteve mais próxima do projeto que contemporaneamente a define 45

Como apresentei anteriormente, Stuart Hall, propõe estas categorias para pensar as identidades negras no Caribe (HALL, 1996, p.176).


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.
A memória como projeto: tensões e limites da patrimonialização da capoeira by Portal Academia do Samba - Issuu