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4 A PATRIMONIALIZAÇÃO DA CAPOEIRA
como cidadania e reconhecimento. Se o caso da capoeira não é uma total novidade na área da cultura, a forma explícita que assume neste momento trata-se de uma novidade de formato e projeto. Essas ações na área da cultura podem ser interpretadas como inseridas numa nova perspectiva de valorização dos processos de produção da cultura, em oposição às anteriores voltadas para o financiamento da cultura entendida como produto final a ser consumido (LIMA e ORTELLADO, 2013, p. 351). Na perspectiva anterior, das duas gestões do presidente Fernando Henrique Cardoso, as políticas do Ministério voltavam-se a permitir o acesso ao consumo do bem cultural, diferenciando assim da perspectiva de Gil, onde as ações voltavam-se à produção dos bens culturais, os entendendo dentro de uma cadeia de produção de significados e valores. Devemos reconhecer que a perspectiva mais contemporânea de reconhecimento do patrimônio cultural imaterial dialoga com a história do que caracterizou-se como cultura popular que passou pela valorização do folclore, por volta da metade do século XX, na criação do Centro Nacional de Referência Cultural e que chegou ao Plano Nacional Para o Patrimônio imaterial (Decreto Lei 3551/2000). A partir de 2003, percebe-se um encaminhamento de ações que envolvem a cultura popular, indicando que “a patrimonialização também está relacionada à construção de uma nova questão social, uma nova questão pública” (FALCÃO, 2011, p. 26). Entendo que pensar a capoeira enquanto patrimônio cultural do Brasil requer levar em consideração a agenda pública de garantir o direito de manutenção dos bens por parte de seus detentores. No caso do patrimônio cultural imaterial este direito requer manter as possibilidades dos bens inseridos em seus próprios processos dinâmicos e vínculos identitários, respeitando o caráter duplo do interesse público58 sobre o bem. Buscando compreender a forma desta relação entre a agenda pública e o campo da capoeira, buscarei apresentar, ao longo deste capítulo, as metodologias, os objetivos e resultados de dois programas, a saber Programa Capoeira Viva e o Inventário para o Registro e Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Imaterial do Brasil. No entanto, cabe lembrar, que a capoeira foi também beneficiada em outras linhas de financiamento como os Pontos de Cultura e produção de filmes. Este conjunto de ações estabelece uma
58 Entendo o interesse publico como constituído de um duplo interesse nas ações mais recentes, no sentido de fortalecimento da memória nacional; e de uma agenda explícita de empoderamento de grupos específicos que constituem a nação, entendidos como desprivilegiados das narrativas oficiais tradicionais.
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nova realidade para a capoeira de diálogo com o Estado, de qualidade nova e em sintonia com o panorama geral de ações do governo nas gestões Gilberto Gil e Juca Ferreira.
4.1 As primeiras ações para a capoeira no Governo Lula - O Programa Capoeira Viva
Em agosto de 2004, o então ministro da cultura Gilberto Gil, em show em homenagem ao embaixador Sérgio Vieira de Mello59, em Genebra, Suíça, lançou o Programa Brasileiro e Internacional para a Capoeira, como marco inicial de uma nova agenda pública para a capoeira. Precedido por Kofi Annan, Gilberto Gil, acompanhado de capoeiristas brasileiros e estrangeiros, realizou uma roda de capoeira no palco do evento e ao público apresentou uma breve explicação das origens e atuação da capoeira pelo mundo, situando-a como um movimento de diáspora. O repertório do show realizado por Gilberto Gil consistia em músicas que clamavam pela concórdia mundial (ALENCAR, 2005). Neste momento, o ministro Gilberto Gil anuncia seis pontos como propostas preliminares para a capoeira:
1. A construção de um calendário anual, nacional e internacional, da capoeira. 2. A criação de um Centro de Referência, em Salvador, como espaço de pesquisa, documentação e atividades ligadas à capoeira. 3. A criação de um programa a ser implementado em escolas de todo o Brasil pelo Ministério da Educação, considerando a capoeira como prática cultural e artística, e não apenas como prática desportiva. 4. A criação de uma previdência específica para capoeiristas e artistas em geral. 5. O oferecimento de apoio diplomático aos capoeiras que vivem no exterior, considerando-os como embaixadores da cultura brasileira, e reconhecimento do notório saber dos mestres. 6. O lançamento de editais de fomento para projetos que usem a capoeira como instrumento de cidadania e inclusão social60 .
A partir de então, uma série de ações vinculadas à capoeira foram formuladas por meio de editais públicos, inseridos no Programa Cultura Viva, além de editais específicos em outras políticas. Como veremos mais à frente, alguns destes pontos estarão replicados
59 Embaixador brasileiro morto em atentado terrorista no Iraque um ano antes. 60 Retirado de, Processo n° 01450.002863/2006-80, Parecer n° 031/08, Registro da Capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil.